“Me ensinaram que éramos insuficientes. Discordei. Pra ser ouvida, o grito tem que ser potente.” (Mc Carol e Karol Conka)

Data:

Maré de Notícias #110 – março de 2020

Andreza Jorge: “Cria” da Maré, Mestre em Relações Étnico-Raciais e Coordenadora da Casa da Mulheres da Maré

No dia 8 de março se comemora o Dia Internacional da Mulher, uma data-símbolo para a luta das mulheres. A data faz parte do calendário de mais de 100 países, sendo nomeada de  “dia internacional” pelas Nações Unidas, com o propósito de lembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, independentemente de divisões nacionais, culturais, econômicas ou políticas. Esta data, que tem como objetivo pensar na especificidade do ser mulher, ao se “internacionalizar” pode nos conduzir a um equívoco muito corriqueiro: a universalização da categoria mulher.

Pensar sobre o que significa “ser mulher” é um exercício que precisa ser praticado sobre olhares muito diversos. Todas nós partilhamos algo concreto que é a afirmação de gênero, sendo cis ou trans, uma mulher que se afirma como mulher deve ser respeitada sobre esse posicionamento, porém existem muitos marcadores que nos colocam em diferentes lugares nessa sociedade: O que significa em uma sociedade estruturalmente racista ser uma mulher negra? O que significa em uma sociedade estruturalmente cisheteronormativa* ser uma mulher trans? O que significa em uma sociedade estruturalmente desigual, dividida em classes sociais, ser uma mulher favelada? A partir desses questionamentos é possível refletir acerca de alguns desafios postos para nós, mulheres, entendendo que não estar diretamente implicada em alguma dessas causas não nos isenta do compromisso político e, principalmente de empatia e escuta aberta, para a construção de um mundo possível para todas as mulheres.  Ser mulher e ser favela!

No Censo realizado no conjunto de favelas da Maré (2019), temos o dado de que a população feminina no território é de 51%, se unirmos esse dado ao pensamento da autora norte-americana Angela Davis (2016), que afirma que “raça, classe e gênero entrelaçados,  juntos, criam diferentes tipos de opressão. Classe informa a raça; raça informa a classe.” Ao dizer que classe informa a raça e raça informa a classe, estamos falando sobre uma realidade de mulheres negras que ocupam as classes mais baixas na sociedade, ou seja, com essa informação temos um retrato sobre a maioria das mulheres faveladas.

Com isso, muitos desafios nos colocam em diferentes pontos de partida do que é “ser mulher”; a partir do meu ponto de vista sendo uma mulher negra, da Maré, mãe, trabalhadora e estudante, consigo vislumbrar que muitos avanços foram realizados em favor das mulheres, mas ainda precisamos continuar a lutar por direitos básicos de existência.

Se há alguns anos, aqui, na Maré, tínhamos uma urgência atrelada à sobrevivência para se obter garantias mínimas (como água e luz), a nossa resposta sempre foi uma luta feminina e um protagonismo visível para o avanço dessas condições locais, hoje, temos um foco na garantia do direito à Segurança Pública e no desejo de enfrentar normas rígidas de gênero, que nos impediram de realizar sonhos pessoais que não estejam necessariamente relacionados ao que se espera de uma mulher na sociedade. Queremos acessar direitos, queremos que nossos filhos não sejam vistos como alvo de um sistema falho de segurança, queremos ter o direito de ir e vir, queremos ter o direito de trabalhar e estudar, queremos ter direitos de sonhar e realizar sonhos.

Neste Dia Internacional da Mulher, o meu desejo é que todas as mulheres possam ter a chance de refletir sobre suas próprias vidas e tenham suas histórias e experiências respeitadas, como parte de uma construção coletiva, cujo objetivo maior é seguir produzindo um legado para as mulheres que ainda virão… Na Maré, eu desejo que todas as mulheres possam conhecer e se orgulhar das histórias de mulheres que construíram e constroem esse lugar, se orgulhar da trajetória destas mulheres que fazem parte da sua linhagem familiar, suas bisavós, suas avós e mães e tias, entendendo o quão mais desafiador era ser mulher em outros tempos e, somente assim, unirmos forças para alcançar um objetivo comum: uma vida cheia de realizações para todas as mulheres da Maré!

* Cisgênero (Cis) é o termo utilizado para se referir ao indivíduo que se identifica, em todos os aspectos, com o seu “gênero de nascença”. No âmbito dos estudos relacionados ao gênero humano,ocisgênero é a oposição do transgênero (Trans), pois este último se identifica com um gênero diferente daquele que lhe foi atribuído quando nasceu. [Conforme http://www.significados.com.br/]

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