Memorial Covid: arte acolhe familiares das vítimas na Maré

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Ação faz parte do projeto Azulejaria, coordenado pela artista plástica Laura Taves

Maré de Notícias #130 – novembro de 2021

Por Edu Carvalho e Tamyres Matos 

Remontar a trajetória de um familiar, um parente, amigo ou conhecido por meio de um simples azulejo que, transformado em tela e unido a tantos outros, forma um grande mural de memórias afetivas. Assim é o Memorial Covid, projeto da Redes da Maré que faz da representação através das artes plásticas uma forma de lidar com o luto. No Brasil, são mais de 606 mil vítimas fatais da doença — a Maré chora e não esquece seus 373 moradores mortos desde o início da pandemia. 

“A gente acredita que é preciso lembrar essas pessoas. Para preservar a memória delas, pensamos na construção do memorial. É importante marcar o que aconteceu na Maré neste período de pandemia”, diz Patrícia Ramalho, assistente social do Eixo Direito à Segurança Pública, uma das que coordenam a iniciativa junto à artista responsável pelo projeto Azulejaria, Laura Taves. 

Patricia registra o impacto causado pela disseminação do vírus no território, o que fez com que a população precisasse criar estratégias para não ser infectada, quando nem sequer o mais necessário tinha. “Muitos moradores não tiveram como suprir suas necessidades mais básicas, que dirá os materiais para prevenir a covid-19, como máscaras e álcool em gel, além dos artigos de limpeza. Havia e há locais com falta recorrente de água, primordial para o combate ao coronavírus’’, enfatiza. 

Homenagens aos seres amados transformam azulejos brancos em símbolo de resistência por meio do afeto no Memorial Covid da Maré – Foto: Douglas Lopes

Neste sentido, Patrícia lembra a importância da campanha Maré Diz Não ao Coronavírus, da Redes da Maré,que distribuiu cestas básicas e equipamentos de proteção individual (EPIs) entre os moradores. Foi nesse momento que os encontros com quem perdera familiares e amigos começaram a ficar ainda mais frequentes, revelando a urgência de alguma ação que tocasse no tema. 

“Convidamos os familiares das vítimas que se sentem à vontade a compartilhar memórias de seus entes queridos vitimados pelo vírus”. É na oficina de produção de azulejaria onde eles lembram o que as pessoas mais gostavam, citam letras de música, comidas favoritas, um apelido carinhoso, uma lembrança. “É um momento de acolhimento e afeto”, diz a assistente social. No dia 15 de novembro (feriado da Proclamação da República), um mural com todas as homenagens será exposto na Rua Bitencourt Sampaio, na Nova Holanda. Familiares, parentes e amigos serão recebidos para uma programação especial no Centro de Artes da Maré (CAM).

É assim para Maria Daiane de Araújo Alves, 30 anos, que perdeu a avó Maria das Graças para a doença. “Minha avó sempre foi uma pessoa muito batalhadora, uma mulher muito guerreira, trabalhou para sustentar os filhos. Ela veio do Ceará para ficar mais próxima dos filhos, que já moravam no Rio”, relembra. 

Entre idas e vindas, Graça vivia numa ponte-aérea entre o sertão e o frenesi da Maré. ‘’Ela ficava um pouco lá e um pouco aqui. Quando ela morreu, já fazia um ano que morava aqui’’, conta Maria Daiane. Dona Graça tinha doenças preexistentes, o que agravou seu quadro quando ela foi infectada pelo coronavírus, em maio de 2020. “Foi tudo muito rápido. Ela adoeceu, passou mal, foi pra UPA e, em alguns dias, morreu. Não conseguiu ser atendida imediatamente, aguardou muito tempo. Morreu uma semana antes do Dia das Mães”, conta.

Segundo ela, o espaço do projeto Azulejaria tornou-se o ponto de encontro para sua própria família saudar a vida da matriarca, embora a tristeza seja latente. ‘’Acredito que este é um espaço muito importante onde eu e minha família pudemos relembrar situações e histórias. A gente se sentiu feliz, apesar da dor da perda. Conseguimos reviver memórias importantes da história dela conosco e produzir a partir dos azulejos, da arte, memórias que a trouxeram de volta.’’

Para Maria Daiane, reunir-se e compartilhar lembranças com colegas na oficina tornou-se também uma espécie de ato de resistência para que ninguém esqueça a crise sanitária que ainda não está controlada, apesar do sentimento de melhora percebido a cada dia por conta dos avanços da vacinação. “É importante contar as histórias das vítimas tendo em vista a pandemia porque, devido ao aumento exponencial e progressivo das vítimas, acabou parecendo habitual todo dia alguém morrer, o que não deveria acontecer. Cada vida conta uma história. No momento da perda de uma vida, uma família sofre e chora, perde um ser amado. É importante que prevaleça que se trata de um indivíduo, são pessoas que fazem parte da vida de outras e que têm um valor imenso”, afirma.

Espaço da Azulejaria se tornou ponto de encontro para familiares saudarem a memória de entes queridos – Foto: Douglas Lopes

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