Meu nome é Jooe

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Em processo de transição de gênero, distribuidor conta como o trabalho no Maré de Notícias impactou sua vida nos últimos anos

Por Daniele Moura

Jooe nasceu Antonia Valéria Lins e Silva há 27 anos. Aos 15, saiu da cidade de Ipu, no noroeste do Ceará, rumo à Maré. Na época, parte da família morava na Nova Holanda, o que inspirou a sua avó a vir também atrás de uma vida melhor. “Meu avô havia sido assassinado e ela resolveu vir para Maré para ficar junto das filhas e dos netos que já estavam por aqui”, conta.

O distribuidor e seus irmãos (Micaela, 25 anos, e Francisco, de 21) estudaram na Maré, e ele só não terminou o Ensino Médio porque teve que trabalhar. “Comecei como atendente numa sorveteria no Flamengo, depois fui para uma padaria na Ilha do Governador, depois para um restaurante na Rua São Clemente, em Botafogo, até chegar no Bar do Naldo, onde estou até hoje”, relata, com orgulho.

Jooe passou a integrar a equipe de distribuição do jornal em 2018. Foi um dos primeiros a entrar, indicado por uma prima que não pôde aceitar o trabalho. “Tinha uma cabeça fechada de cidade pequena, e, escutando as pessoas, fui melhorando. Gosto muito de trabalhar aqui, aprendi a me comunicar com os moradores, sabendo como é a vida das pessoas, muitos desabafam e a gente vai aprendendo sobre cada um”, afirma.

Nesses quase quatro anos batendo de casa em casa durante a distribuição mensal, Jooe mudou conceitos que tinha sobre o lugar onde vive. “Aprendi a amar a Maré através do Maré de Notícias. O jornal me ensinou a dizer que sou mareense. Agora, me assumo cria daqui. Eu tinha medo de falar que era da Maré, dizia que era de Bonsucesso. Com o jornal, aprendi a ter orgulho de ser da Maré e falo isso pra todo mundo. E ainda consigo explicar o lado bom da Maré. A minha esposa é da pista e ela achava que a Maré era ruim de morar. Hoje eu consegui que ela viesse morar aqui e ela ama a Maré, não pretende sair daqui e ainda quer trazer a filha pra morar com a gente”, diz.

O jornal provocou outras mudanças. “Meu pai sempre comprou coisas de menino, porque eu sempre quis ser um. Com 16 anos eu me assumi: saí de casa menina e voltei menino. Todo mundo levou um susto. Passou um tempo pra minha família me aceitar; depois eles se divertiam com as minhas namoradas.”

Jooe diz que pretende “fazer a transição, tirar os seios, mudar oficialmente meu nome. O pessoal do Espaço Normal está me ajudando com isso. São muitas conversas sobre a questão da transição, de sofrer muito preconceito, mas eu não tenho medo porque já sofri muito até aqui, me sinto pronto pra mudar, os moradores me respeitam. Preciso me sentir bem comigo mesmo, estar feliz com o que eu sou. Eu tinha medo de me assumir como garoto, mas cada vez que lia sobre o assunto me sentia mais forte. Pelo trabalho com o jornal fui respeitado e, por isso, não tenho medo de ser quem eu sou”.

Mesmo com tantas mudanças, ele acredita que a convivência com a equipe é cada dia melhor. “Consigo ouvir e sou ouvido, todos me procuram bastante, sempre debatemos como podemos melhorar na atuação com o jornal e no desenvolvimento territorial e, mesmo nas horas vagas, a gente discute como fazer a rotina do trabalho ficar melhor”, conta.

Candomblecista há mais de oito anos, Jooe conheceu a religião por meio do Zé Pelintra (entidade do malandro do morro) e é muito grato por isso: “Eu ia me afundar ou morrer. A religião e o jornal ajudaram a me tirar das drogas — em vez de usar, ia distribuir o jornal. Sonho em ter minha casa, mas o meu maior objetivo é crescer, ter um futuro na Redes — que, pra mim, é um mundo. Gosto de me aprofundar, de conhecer mais. Sou caça-tesouro: quanto mais fundo, mais eu quero ir.”

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