Após Audiência Pública da ADPF das Favelas, Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) cria canal para receber denúncias de violências e abusos durante operações policiais no Rio
Por Daniele Moura em 17/05/2021 às 12h
O serviço vai funcionar em plantão de 24h para que os abusos policiais sejam denunciados de imediato às autoridades. A iniciativa foi anunciada em reunião do Ministério Público do Rio com a presença de representantes do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, da Redes da Maré, da Justiça Global, da Unisol, da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência e do Movimento Negro Unificado.
O promotor Reinaldo Lomba, coordenador-geral de Segurança Pública e do Grupo Temático Temporário do MPRJ, lembrou que possíveis abusos policiais cometidos fora do contexto da operação deverão ser encaminhados à Ouvidoria do Ministério Público. “O grande diferencial da iniciativa é permitir que um promotor de Justiça atue imediatamente para evitar ou conter eventuais violações de direitos que possam ocorrer em operações policiais. Nem todos os casos vão permitir que isso aconteça, pois por vezes é difícil para a pessoa que está denunciando ter informações que possam levar a esta ação. Mas, desde o último dia 4 de maio, temos esse canal direto de acesso para notícias de violação de direitos no curso de operações policiais e para coleta de informações complementares e registro de evidências que permitam um contato imediato com os órgãos de comando e controle das forças policiais”.
O coordenador-geral de Segurança Pública explicou que, a partir do recebimento da denúncia, existe um protocolo de atuação, que inclui o mapeamento de instituições que possam auxiliar na tarefa de atendimento das demandas. O fluxo prevê a elaboração de um relatório preliminar, com a verificação de dados da operação policial, que é encaminhado ao promotor natural e alimentará o banco de dados do MPRJ.
Desde 2017, a partir de monitoramento dos confrontos armados na Maré, houve 78 mortes decorrentes das 112 operações policiais. São 78 vidas perdidas por uma lógica bélica da segurança pública que não tem trazido resultados na diminuição de crimes, segundo a 5a edição do Boletim de Segurança Direito à Segurança Pública da Maré, levantamento feito pelo projeto De Olho na Maré, da Redes da Maré.
Operações na pandemia
A pandemia afetou drasticamente a população de favela e de periferias, escancarando as desigualdades históricas enraizadas nesses territórios. Desde o início das medidas de restrição, moradores e instituições da Maré denunciam o descaso do poder público frente às dificuldades do acesso a direitos indispensáveis para o controle da pandemia, como a falta de equipamentos nos serviços de saúde; precariedade no fornecimento de água; ineficiência da política de assistência social para garantir o direito ao isolamento; falta de uma política pública de segurança alimentar durante a emergência sanitária e ações da política de segurança pública, que contrariam as orientações de prevenção ao vírus.
Entre março e abril de 2020, período no qual o município do Rio de Janeiro e particularmente a Maré chegaram próximo ao primeiro pico de contaminação pela covid-19, foram realizadas cinco operações policiais nas favelas da região, frequência superior ao mesmo período em 2018 e 2019.
Este ano em 6 de maio, uma operação policial deixou 28 mortos no Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro. Foi a mais letal da história do Rio.
ADPF das Favelas
Foi neste contexto pandêmico que medidas judiciais romperam a lógica das operações policiais como solução para o problema da segurança pública no Rio. Assim como aconteceu em 2017 – com a Ação Civil Pública (ACP) da Maré, que determinou medidas protetivas nas ações policiais –, em junho de 2020 outra decisão levou à diminuição dos impactos negativos da política de confronto. O ministro do STF Edson Fachin determinou a suspensão da realização de operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante o período de pandemia, salvo em casos excepcionais devidamente relatados e acompanhados pelo Ministério Público. Para que ocorram, devem ser adotadas medidas que não exponham a população a risco ainda maior nem impeçam a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária realizadas por moradores e organizações que atuam nesses territórios. Essa decisão foi tomada liminarmente, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF) 635, chamada de “ADPF das Favelas” e protocolada em novembro de 2019.
Os dados de 2020 confirmam os impactos favoráveis da decisão do STF na vida da população mareense. Em 2019, foram registradas 39 operações policiais na Maré, um aumento de 144% em relação a 2018. Porém, com a suspensão das operações durante a pandemia, houve uma redução de 59% neste número, passando de 39 para 16 em 2020. Ainda que tenham sido registradas cinco mortes e 17 pessoas feridas por arma de fogo, houve, segundo o Boletim, uma diminuição de 85% no número de mortes em operações policiais em relação a 2019. Um saldo de 29 vidas mareenses salvas.
Essas vitórias são frutos da mobilização dos moradores de favelas, das organizações e dos movimentos sociais que atuam na Maré. Shirley Rosendo é coordenadora de mobilização do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, mora no território desde que nasceu e sabe da importância dessa luta: “Temos que celebrar e continuar insistindo na ACP e na ADPF, pois são esses instrumentos jurídicos, junto à força dos moradores, que podem vir a tornar possível e real o pleno exercício de direitos, seja ele segurança ou qualquer outro.”
Desde a decisão do Supremo Tribunal Federal que impôs regras para incursões em favelas durante a pandemia, mais de 500 operações das polícias do Rio foram comunicadas ao Ministério Público. Destas ações, 44 viraram inquéritos. Até agora, um ano depois da determinação do STF, nenhuma investigação foi concluída .
O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para o próximo dia 21 de maio o julgamento de um recurso sobre operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia. Relator do caso, o ministro Edson Fachin submeteu o recurso ao plenário virtual da Corte no mesmo dia em que uma operação policial no Jacarezinho, Zona Norte do Rio, resultou na morte de 25 pessoas.