Como sapateiro, Paulinho
Por Hélio Euclides, em 06/07/2022 às 07h. Editado por Edu Carvalho
Ir à sapataria e adquirir um exemplar “maneiro” de um tênis é algo normal, mas com a inflação nas alturas, o que pode ser um simples sapato ganha outros significados e pesos, ficando para trás a vontade de ter um ”pisante” novo. O quê fazer? Revisitar os antigos, ajustando com a ajuda de um bom e querido sapateiro. Pelo menos é assim que os moradores exergam o cenário, tendo à mão o trabalho de José Paulo, de 74 anos, morador do Parque União, mas que é conhecido carinhosamente de ”Paulinho dos Sapatos”.
Sua trajetória no território há 42 anos, até se perpetuar na atual loja sediada na Rua Raul Brunini. Ao longo do tempo, Paulinho foi conquistando o seu espaço no coração – ou melhor, nos pés dos mareenses. Nesta depoimento, ele conta um pouco da profissão; a luta que é ser um profissional autônomo e como é ser um personagem da favela para os leitores do Maré de Notícias. Em mais um relato colhido pelo jornalista Hélio Euclides:
”Desde os oitos trabalho nesse ofício. Ainda em Minas Gerais, sentava perto de um sapateiro e um dia ele perguntou se queria aprender a arte. Falei com minha mãe que deixou e estou nessa tarefa até os dias de hoje. Cheguei na Maré em 1980 para abrir a loja alugada e depois comprei o meu pequeno espaço. É uma profissão que não tem proteção financeira nenhuma, mas fui convidado e deu certo. Com esse ofício não fiquei rico, mas nunca faltou nada para a família. Tentei até ensinar o que aprendi para os filhos, mas não foi a frente.
‘Paulinho dos Sapatos’
O primeiro sapato que fiz era para seguir a explicação do professor, mas me distrai e a ponta da bota não deu certo. Como castigo tive que cortar pedaços minúsculos do material, algo que nunca esqueci e valeu para a vida. Depois desse fato, todo sapato faço o melhor para o freguês. Vim de profissões de criação e conserto, pois minha mãe era costureira e meu pai alfaiate. Isso me ajudou na época do aprendizado, quando eram cerca de 40 calçados, além das bolsas e mochilas e fazia para saírem novos.
‘Paulinho dos Sapatos‘
Estou numa profissão secular. Sapateiro e marceneiro estão desde o início do mundo. Foi um colega de profissão que fez as sandálias de Jesus. Também é algo moderno, pois é uma reciclagem. O calçado está ruim, mas pode ter um jeito. Não fico parado, pois sempre tem um sapato para fechar. Para o conserto o tênis é o carro chefe da loja. Mas já tentei inovar. Certa vez, em 2009, criei uma chuteira, uma pena que não tinha dinheiro para jogar no mercado. Deu reportagem no O Dia e no O Povo. Meu amigo Bhega também escreveu um texto para um site na internet. O projeto não foi a frente, então doei a ideia.
O Parque União cresceu, surgiu o espaço conhecido como Sem Terra, onde antes eram fábricas e empresas. Quando abri a loja não tinha tanto carro e moto. Hoje para atravessar a rua tem que olhar com calma. O que posso dizer é que gosto do Parque União, pois conheço as pessoas. Quando passa as pessoas falam para eu ir para casa, pois o que faço trabalhando no domingo. Eles reclamam, mas não estão em casa e sim andando na rua. É um trabalho árduo, de todos os dias. É difícil falar quando o dia será bom de serviço, tem dia que me surpreendo, é algo imprevisível. Só fecho a loja no Natal, Ano Novo e para cuidar da saúde.
Gosto do que faço, acredito que ocupar a mente faz bem quando corto as peças para costurar direitinho. Costumam elogiar o trabalho, por ser caprichoso. Trabalho para viver, pois para minha profissão não tem tempo ruim”.
‘Paulinho dos Sapatos‘