Articulação de mães da Maré viabilizou troca de experiências e fortalecimento entre vítimas do Estado
Jéssica Pires e Thaynara Santos
“Todo mundo tem uma história para contar. Escrever é um direito de todos. Quando eles não conseguem tirar nossas vidas, eles apagam nossa história. Sou uma mãe vitimada pelo racismo, por esse sistema que não me permite participar da criação dos meus filhos por questões financeiras. Isso é uma violência para mim. Escrever é importante porque é um processo de empoderamento da nossa narrativa. Isso é muito poderoso: a gente falar pela gente. O processo de cura pelas escrevivências, a Conceição Evaristo foi muito feliz em criar esse conceito, ele reivindica todas essas vivências. A escrita proporciona isso, documentar as próprias histórias e dar uma resposta ao Estado que quer nos tornar analfabetos”, diz Rejane Barcelos, atriz e poeta, que promoveu uma roda de conversa e oficina de escrita afetiva no Seminário Despertar das Mães e Mulheres Vitimadas da Maré, que aconteceu neste sábado (3), na Lona Cultural Municipal Herbert Vianna (Lona da Maré).
Mães e mulheres de luta
O seminário é fruto da participação de mães da Maré no IV Encontro Nacional de Mães e Familiares Vítimas do Terrorismo do Estado realizado em Goiás, em maio. Na ocasião, mães de todo Brasil que perderam seus filhos se reuniram para reivindicar reparação por parte do Estado, justiça e melhores condições para a população carcerária. As mães da Maré, presentes no encontro, sentiram a necessidade de compartilhar as experiências adquiridas no evento com as mães do território, bem como fortalecer essa luta.
O Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré apoiou e possibilitou a produção do seminário, acreditando que mudanças significativas ocorrem a partir do processo de identificação, mobilização e articulação dos moradores. O Eixo acompanha familiares de vítimas da violência da Maré, visando promover o acolhimento, a ampliação da perspectiva de cuidado e a viabilização de acesso a direitos através dos órgãos de acesso à justiça. Ao longo do tempo, a equipe identificou o protagonismo das mulheres nesses atendimentos, principalmente de mães, que buscam por acesso à direitos fundamentais, tanto seus quanto dos seus familiares. Durante o evento, a arbitrariedade no cancelamento da Ação Civil Pública da Maré que encontrava-se em vigor desde 2017 e alguns aspectos do pacote Anticrime proposto pelo Ministro Sérgio Moro também foram abordados.
Afeto e poesia
O seminário contou com a presença, em especial, das moradoras da Maré. O dia de trocas de experiências, de cuidados e fortalecimento mútuo começou com uma aula de zumba e outras atividades culturais, artísticas e muito bate-papo no decorrer do evento. Mães e mulheres presentes na roda de conversa construíram juntas um poema sobre seus votos de um futuro melhor:
Deus é uma mulher preta com todo o mundo em seu ventre, onde é morada de toda a força que abastece o Universo
Você é linda
Nossos filhos tem mãe!
Sentir é viver
Somos fortes e o principal é ter o direito de ir e vir. Nos deixe viver
Nossos sonhos, nossas lutas, nossas dores, são nossas. Fiquemos juntas, empedradas
Vamos caminhar juntas!
Mais guerreiras que lutam por justiça, para enfim ter sua paz no coração
Mais amor, menos ódio. Igualdade para todas.
Gostei muito da reunião de hoje
Hoje eu acordei muito feliz, não tive medo
Amo minha vida, mas as dores e dificuldades machucam.
Mulheres da Maré. Força, dignidade, respeito. Vida à Maré
Quero um mundo mais justo. Paz e respeito para todos.
A vida é bela, apesar dos pesares
Cada dia é um novo dia para continuar
Mulher é potência! É revolução!
Aprender para partilhar conhecimento
Vamos torcer umas pelas outras
Seja livre, a liberdade está dentro de você!