Não é exceção!

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Por Lidiane Malanquini e Shirley Rosendo*

A morte da pequena Ágatha não é e nem será uma exceção. Há décadas, convivemos e assistimos casos de crianças serem apresentados como exceção ou casos isolados. Porém, a morte de Ágatha é a mais cruel realidade que vem se tornando regra nas favelas do Rio de Janeiro, sobre o falso discurso de que para combater a violência no Estado faz-se necessário o uso abusivo da força e o desmonte de garantia de direitos constitucionais. Pois a regra aqui, imposta há anos, é de uma política de segurança que olha para a favela e para os seus moradores como inimigos a serem combatidos. Afinal, em qual lugar do mundo agentes públicos entrariam em um local de grande circulação de pessoas atirando em plena sexta-feira à noite?

Na última semana, o Alemão acordou sob o som de tiros que vinham de um helicóptero antes das 6h da manhã e, nesse mesmo dia, seis pessoas foram assassinadas em uma operação policial. Horas mais tarde, o helicóptero atirou na direção de um complexo escolar na Maré em pleno horário escolar – em um lugar que reunia cerca de 1500 crianças. No dia anterior, um pré-vestibular comunitário no Jacarezinho foi invadido e todo quebrado durante uma operação policial. Enquanto isso, uma parte da sociedade assistiu a toda essa brutalidade de forma apática, embalada sobre o discurso de que operações policiais fazem parte do cotidiano desses locais.

Acreditar que a morte da menina Ágatha é um fato isolado, que não está relacionado a esta política de segurança, beira a perversidade. Novamente, aqueles que autorizam as mortes da população negra e moradora da favela vão à televisão tentar individualizar, buscar culpados para um problema que eles mesmos criaram. As polícias brasileiras, historicamente, foram ensinadas a cumprir ordens, foram utilizadas como ferramenta de uma política partidária que vê a pauta da segurança como uma máquina de votos. Longe de reconhecer e valorizar a vida ou de compreender as forças policiais como parte de uma política pública que garanta direitos, os governantes vêm direcionando as práticas policiais de acordo com suas plataformas eleitoreiras. Os discursos construídos na corrida eleitoral vêm se implementando cotidianamente nas favelas. Enquanto o governador afirma, em rede nacional, “mira na cabecinha e atira”, policiais chegam às favelas gritando “A ordem é matar!”.  Mataram e seguem matando: entre janeiro e agosto, dados oficiais apontam 1.249 mortes provocadas por policiais no estado do Rio de Janeiro.

A morte da pequena Ágatha e das mais de 1.249 pessoas no Rio de Janeiro é resultado de uma política de governo que prega a morte e o extermínio. Uma política de segurança que aumenta a letalidade provocada por policiais, NUNCA poderia ser considerada uma política de sucesso. É esta mesma política que vê nas mudanças de leis, como o “Pacote Anti-Crime” proposto pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, um meio de institucionalizar suas práticas. A tão falada “excludente de ilicitude” que prevê a isenção de pena a policiais, que dentro do exercício de suas funções cometa crimes, nada mais é que a garantia legal de impunidade a estas práticas violentas que acontecem cotidianamente nas favelas e periferias do Brasil. Sob o argumento subjetivo de “forte emoção, escusável medo ou surpresa” na atuação dos policiais, busca-se legitimar ações de abuso de autoridade e uso excessivo da força, como no caso da menina Ágatha ou de policiais atirando contra as escolas da Maré.

Será que, enquanto sociedade, seguiremos apáticos frente a mais uma institucionalização da barbárie?

Lidiane Malanquini é assistente social, pesquisadora de segurança pública, política de drogas, favelas e periferias, mestre e doutoranda em Serviço Social pela UFRJ e coordenadora do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré.

Shyrlei Rosendo é moradora da Maré, mestre em Educação e Política Pública, pesquisadora de juventudes, favela e educação e coordenadora de Mobilização do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré.

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