O Concreto é rosa, mano!

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Maré de Notícias #88 – maio de 2018

As mulheres estão conquistando o mercado da Construção Civil

Maria Morganti

Uma avalanche feminina. A presença das mulheres no mercado de trabalho formal alcançou 44% das vagas, segundo dados do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged), de 2016. No entanto, essa presença é mais tímida em áreas como a da Construção Civil. Pelos dados do Ministério do Trabalho e Emprego, em 2009 o setor registrou um aumento de 32,65% nas contratações e 7,78% eram mulheres. No entanto, esse quadro está em fase de transformação acelerada. Entre 2007 e 2009, o número de mulheres contratadas nas empresas da Construção cresceu 44,5%. No estado do Rio de Janeiro, a Lei 7.875/201, aprovada em março deste ano, prevê qa reserva de 5% das vagas de emprego em obras públicas para mulheres.

Para Geisa Garibaldi, 33 anos, fundadora do projeto Concreto Rosa, que oferece serviços de construção, reforma residencial, pintura, hidráulica e elétrica, feitos por mulheres, desde 2015, esses números significam apenas o reconhecimento de um processo que já acontecia. “Nós, mulheres, influenciamos 80% de uma obra, porque é a gente quem decide, no dia a dia, desde a cor do quarto do bebê, até onde é que vai ficar a cortina, a janela, o piso. Ou seja, a gente só não metia a mão na massa. Só que o mercado não reconhece que a mulher tem essa influência, e ele ainda foca muito na coisa do homem, da masculinidade”.

O que diz a História

A historiadora Mary Del Priory explica que “a Construção Civil sempre foi associada à força masculina. No Brasil, principalmente a partir dos anos 1960 e 1970, com o marco da construção de Brasília, foi o momento que a televisão chegava aqui e começaram a se propagar as imagens de homens construindo e trabalhando. E tudo isso, tendo origem na Medicina da Antiguidade, que afirmava que a mulher era ‘um homem inferiorizado’, e que elas tinham ‘ossos mais moles’, ‘músculos rompidos’. Por isso que a introdução da presença de mulheres nesse meio é revolucionária”, afirma.

A construção de Brasília, no Planalto Central Brasileiro, foi uma das promessas de campanha de Juscelino Kubitschek. A nova capital foi construída em apenas quatro anos. E reuniu, segundo cálculos e projeções (não existem números exatos) cerca de 60 mil trabalhadores, vindos de todas as partes do Brasil, principalmente do Nordeste. Naquela época, a TV começava a se consolidar no País. E o governo,  querendo popularizar a nova Capital que sofria muitas críticas, facilitava as reportagens especiais sobre o desafio de criar uma cidade moderna no meio do cerrado. As imagens eram impactantes. Na época, apesar do crescimento da Televisão, o Cinema, com suas chanchadas, era o lazer preferido dos brasileiros. E entre as sessões eram exibidos os cinejornais do Governo Federal, que mostravam, exaustivamente, com imagens deslumbrantes e edições primorosas, todas as fases da construção da nova Capital. A imagem dos candangos, pioneiros que trabalhavam na Construção Civil e que levantaram uma cidade em tão pouco tempo, se transformaram em símbolos de Brasília.

Trabalho, confraternização e ritual

No caso de Geisa Garibaldi, a pioneira do ofício e inspiração para ela foi a mãe, Anita Garibaldi, falecida há poucos anos. Dona Anita chegou a construir um barraco de madeira com a ajuda dos filhos e estabeleceu como ritual de fim de ano a pintura da casa, com a ajuda de todos os seis irmãos de Geisa.

“Ela era uma mulher que metia a mão e fazia tudo. Eu me lembro sempre dela levantando alicerce, puxando tomada, carregando cimento, tijolo. Ela trouxe a gente para a realidade. Ela sempre teve a preocupação de manter as coisas funcionando. Foi com ela que eu aprendi esse tanto, muito pela questão da sobrevivência. Quando você não tem o que fazer, você não tem para onde correr, tem de meter a mão. A gente pintava a casa todo ano, era sagrado, era o momento de confraternização; na época, a gente fazia com cal, porque a tinta era muito cara. Todo mundo pintava,  eu, os meus sobrinhos, a casa ficava linda no início do ano, era um ritual e eu achava isso muito bonito. A minha construção foi toda a partir daí. Mas mesmo assim eu nunca tinha visto a possibilidade de trabalhar com obra”.

Geisa  conta que sempre fazia reparos para os amigos, consertava descarga, fazia consertos gerais, levantava lajes, mas nunca achou que aquele podia ser seu trabalho e fonte de renda. “Eu trabalhei em tudo quanto era coisa, já vendi esfiha na praia, calcinha, já fiz teatro, três peças, fui recepcionista, vendedora, um monte de coisas. Mas não me enquadrava em nada, achava tudo vazio”.

Nasce a Concreto Rosa

A grande virada do amadorismo, da realização dos bicos para a profissionalização, que resultou na criação da Concreto Rosa, aconteceu em meio a uma crise existencial. Geisa  queria dar uma guinada na vida. Foi então que, num grupo de mulheres da rede social WhatsApp, viu um anúncio de vagas abertas para um curso de pedreira só para mulheres. Era o projeto Mão na Massa, idealizado pela engenheira Deise Gravina. “Eu pensei: eu sei fazer tudo isso, só preciso do certificado. Vou me inscrever, me formar, trabalhar e comprar uma moto”, relembra, às gargalhadas.

Quem vê Geisa, hoje, em plena fase de crescimento da Concreto Rosa, não pode imaginar as dificuldades que enfrentou. No Curso, eram mais de 400 inscritas para 70 vagas. A empresária não passou no teste de primeira, mas ligou quatro dias consecutivos, até que houve uma desistência e ela foi incluída no grupo de estudantes.

O primeiro dia do Curso foi o mais difícil. A jovem catou moedas para completar o valor da passagem. Para seu alívio, nos dias seguintes isso não foi necessário. O Curso fornecia as passagens e as primeiras ferramentas. A vontade de trabalhar em uma empresa foi ficando  para trás, aos poucos, quando Geisa percebeu que poderia unir o seu trabalho à militância no Feminismo, que já exercia há alguns anos. Assim nasceu a Concreto Rosa, que já tem quatro funcionárias. O nome foi decidido com a ajuda da namorada e do melhor amigo. O volume de trabalho obrigou Geisa a formalizar o negócio como uma microempreendedora individual e até a fazer um curso para especialização na área, “para aprender a gerir um negócio”, como conta.

Tatiana Cristina, uma das profissionais que prestam serviços para a Concreto Rosa, conheceu Geisa num curso de hidráulica. “Conversávamos sempre sobre a intenção de abrir nossa própria firma. Quando ela iniciou, eu ainda estava trabalhando em outra empresa, como encarregada. No término da obra, me juntei a ela. Hoje estamos aí, na correria”.

A luta contra o machismo

Apesar de já existirem diversos coletivos como a Concreto Rosa, no Rio, como o Ela Repara, além de outras iniciativas no Brasil inteiro, que integram o projeto Se Vira, Mulher, a SOS Gurias, no Rio Grande do Sul, e o Entre Minas, na Bahia, Geisa lembra que ainda é preciso encarar manifestações machistas no dia a dia: “eu fui comprar um martelo, aí o vendedor disse, ‘esse é mais pesado, é pra homem’. Aí eu disse que trabalhava com obra, que precisava usar um martelo maior, melhor. Eles têm uma tendência de achar que sabem o que é melhor pra você. Isso é unânime. Raramente eles têm a humildade de tentar ver o outro lado”.

Mas nada que desanime Geisa, que está trabalhando para a Concreto Rosa se transformar em microempresa e tornar-se um negócio marcado pela diversidade, com mão de obra de mulheres transexuais, inclusive. Ela planeja fazer também uma parceria com a escola que a formou, a Mão na Massa que,  atualmente, está parada por falta de financiamento, para capacitar outras meninas.

Geisa Garibaldi fundou a Concreto Rosa há três anos e se inspirou na mãe, que botava a mão na massa | Foto: Elisângela Leite

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