O direito à vida nas favelas é discutido no STF

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Pela primeira vez na história, movimentos sociais e organizações da sociedade civil organizada relatam ao STF os abusos cometidos pelos policiais nas favelas do Rio. Sessão continua na segunda-feira (19)

Por Daniele Moura em 16/04/2021 às 19h
Editado por Andressa Cabral Botelho

Há 18 anos, em 16 de abril de 2003, quatro jovens foram executados por policiais na favela do Borel, Zona Norte do Rio de Janeiro. Até hoje os policiais envolvidos no crime não foram responsabilizados. Assim como este, são milhares os casos de abusos de policiais nas favelas no Rio sem a devida  investigação e/ou responsabilização. Pensando em romper com essa lógica bélica e diminuir a letalidade nas ações das policiais que a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF 635, foi proposta. 

A ação, conhecida por ADPF das Favelas, corre há dois anos no Supremo Tribunal Federal (STF) e nesta sexta (16) houve uma audiência pública para ouvir os movimentos sociais, vítimas da violência policial e organizações da sociedade civil organizada. O objetivo é que, com esses relatos, o relator do caso, ministro Edson Fachin, possa se inteirar mais das questões que envolvem a pauta em discussão. Foram mais de 30 pessoas ouvidas numa sessão que durou cerca de 10 horas. “Há problemas que não temos condição de conhecer com propriedade. As falas me sensibilizaram. Agradeço e enalteço a coragem dos relatos que ouvi”, disse Fachin.

Foi a primeira audiência pública inteiramente virtual feita pelo STF e um dia histórico para os movimentos sociais e organizações que trabalham com a temática da violência policial. Foi a primeira vez que eles foram ouvidos pelo STF.

Entre os temas discutidos estiveram a ineficácia do Ministério Público em acompanhar as operações policias no momento em que elas ocorrem; a alteração dos dados da cena do crime pelos agentes de segurança pública, dificultando a realização da perícia; a falta de interlocução das polícias com a sociedade civil organizada; o não cumprimento da suspensão das operações policias na pandemia; a alta letalidade das operações policias; a extinção do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do Ministério Público do Estado do Rio, o GAESP; a falta de proteção para as famílias das vítimas das violências policiais; e o uso do helicóptero como plataforma de tiro.

O ministro Edson Fachin durante a sessão dessa sexta-feira (16)

Direito à vida

O objetivo da ação é que se tenha uma proposta de diminuição da letalidade das ações policiais nas favelas do Rio, fazendo com que seja cumprido o direito à Segurança Pública a todos, e não só aos moradores das partes mais ricas das cidades. Eliana Silva Sousa, diretora e fundadora da Redes da Maré, ressaltou que é importante que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário possam zelar pela garantia ao direito à segurança pública, sobretudo o direito à vida. Para ela, a continuidade e a impunidade dos abusos policiais causam impactos estruturais na vida de quem mora na periferia. “Se é cruel para os adultos, mais perverso ainda é o impacto que essas operações têm sobre a vida das nossas crianças e adolescentes. É triste por demais ver uma relação de desconfiança e temor com os agentes de segurança”.

Eliana Silva, diretora da Redes da Maré falou por volta das 14h30 desta sexta (16)

Eliana, em sua fala, frisou quatro pontos imprescindíveis na execução do plano para combater a letalidade nas favelas: a efetivação de um promotor plantonista para acompanhar as operações no momento que elas ocorrem como canal aberto aos moradores; o acompanhamento sistemático das vítimas e suas famílias para o retorno dos processos investigatórios;  a  constituição de perícias independentes para crimes praticados por policiais; e a promoção de ações no campo da tutela coletiva com o objetivo de impactar os padrões históricos  de atuação da polícia. “Apenas pela organização dos moradores de favelas será possível garantir o direito à vida nesses locais. Mas é preciso ser assumida pelo conjunto da sociedade e pelo Estado”, finalizou.

Irone Santiago, mãe de Vitor Santiago, baleado pelo Exército durante a intervenção militar, em sua fala na audiência

Eliene Vieira, do coletivo Mães de Manguinhos disse ao relator, que assim como ela, muitas mães convivem com medo e com as ameaças por parte dos agentes da segurança pública. “Nem mesmo uma decisão do STF faz com que eles parem. Se não respeitam essa decisão, imagina o que são capazes de fazer conosco”. Além dela, Maria Dalva da Silva, mãe de Thiago da Costa Correia da Silva, morto aos 19 anos por policiais no Morro do Borel, há exatos 18 anos; Irone Maria Santiago, mãe de Vitor Santiago; Bruna da Silva, mãe de Marcos Vinícius; Claudia Oliveira Guimarães, do Grupo Mães da Maré Vítimas da Violência do Estado e  Elizabeth Santos da Silva, da Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense também relataram suas dores após a perda de seus filhos.

“Eu ouvi de um agente de segurança pública do Estado que não poderia ser uma defensora de direitos humanos por ser uma mulher preta” , disse Renata Trajano, que perdeu o irmão no Complexo do Alemão e é uma das fundadoras do do Coletivo Papo Reto,

Rachel Willadino, Observatório das Favelas falou sobre o perfil das vítimas, que em sua maioria é negra. “Mais 2400 adolescentes tiveram a sua vida interrompida entre 2013 e 2019. E desses 79% eram negros. Esse número pode ser ainda maior, porque o percentual de casos letalidade policial que não são registrados é muito alto. Analisando os casos, vemos que a maioria dos jovens foram atingidos pelas costas. Não houve perícia no local em 17 dos 25 casos. Em 13 casos, houve remoção dos corpos da vítima pela polícia.” 

Rachel Willadino, Observatório das Favelas

Flávia Cândido, integrante do “Fórum Basta de Violência, Outra Maré é possível”, lembrou Marielle Franco, vereadora executada em 2018. ” Antes de morrer perguntou e eu também quero saber: Quantos mais tem que morrer pra essa guerra acabar?”

Flávia Cândido do Fórum Basta Violência, Outra Maré é Possível

Confira algumas das falas da audiência desta sexta que pode ser vista na íntegra aqui. Na segunda a sessão continua a partir das 8h da manhã e será transmitida ao vivo pelo Youtube da TV Justiça. Saiba mais sobre a ADPF aqui.

“A PM tem a obrigação de ter o cuidado de não nos atingir”. 

José Luiz Faria, Coletivo Fala Akari

O que a grande imprensa divulga é uma fração do que acontece dentro das comunidades do RJ”.

Marcelo Dias, Movimento Negro Unificado 

Não há explicação plausível para um helicóptero ser usado como plataforma de tiro.”

Paulo Henrique de Oliveira, do Movimento Parem de Nos Matar

Por que o Estado não protege a favela? É a impunidade que faz os policiais continuem matando”.

Dalva Corrêa Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência 

A sociedade não acredita mais nos agentes de segurança pública e estes, com a força bélica e violenta, parecem querer resgatar o respeito perdido.”

Carlos Alberto Vilhena, da Procuradoria Federal dos Direitos

“Eu ouvi de um agente de segurança pública do Estado que não poderia ser uma defensora de direitos humanos por ser uma mulher preta”

Renata Trajano  Coletivo Papo Reto 

“As operações são ineficazes e só causam mortes. Foram mais de 100  vidas salvas com a suspensão da ADPF das Favelas” 

Daniel Lozoya Constant Lopes, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

Também foram ouvidos Fransérgio Goulart de Oliveira Silva, da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial; Guilherme Pimentel, Ouvidor Geral de Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e o Representante do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro a ser designado pelo Procurador-Geral de Justiça; Marcelo Weitzel Rabello de Souza e Antonio Henrique Graciano Suxberger, do Conselho Nacional do Ministério Público; a Perita Criminal Denise Gonçalves de Moraes Rivera, da Secretaria de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro; Marcelo Vinícius Pereira, da Polícia Rodoviária Federal;  Prof. André Giamberardino, do Núcleo de Política Criminal e Execução Penal da Defensoria Pública do Estado do Paraná; Márcia Gatto, da Rede Rio Criança;  Joel Luiz Costa, do Instituto de Defesa da População Negra;  José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares; Patrícia Oliveira e Luciano Norberto dos Santos, da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência;   Sub. Ten. Everaldo Marcos Gravitol, do Instituto Nacional de Segurança Pública; Carlos Alberto Vilhena, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão; Marco Antonio Delfino de Almeida, do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial vinculado à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão;  Wallace Corbo, da Educafro.

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