‘O esporte me levou a lugares inimagináveis’

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Excelência e sucesso na carreira atraem a atenção, mas especialistas, esportistas e mentores da Maré reforçam a importância da prática de esportes para além dos holofotes

Maré de Notícias #127 – agosto de 2021

Por Tamyres Matos

A relação entre os esportes e a construção das identidades sociais é marcada por palavras e expressões como “superação”, “inclusão”, “realização de sonhos”, presentes nos discursos de atletas, cientistas sociais, torcedores e órgãos públicos. Com o início dos Jogos Olímpicos de Tóquio, o Maré de Notícias resolveu se debruçar sobre a importância da disseminação de oportunidades e a relação entre esportes, território e identidade.

O coordenador esportivo da ONG Luta pela Paz, Roberto Custódio, vê o esporte como metáfora para a vida. Nascido e criado na Maré, ele começou a treinar boxe através da organização aos 14 anos, logo depois de sentir a brutalidade da violência: seu pai, motorista de ônibus, foi assassinado por grupos armados. Apesar da raiva inicial, seu discurso hoje é totalmente voltado a propagar as oportunidades que foram essenciais para sua formação.

“Esses jovens chegam aqui com sede de vitória. O que a gente passa para eles é que a preparação para a vida merece a mesma dedicação que um campeonato. A lição mais importante do esporte tem a ver com saber cair e levantar”, pondera.

Custódio queria aprender não só a se defender, como também se destacar. Segundo o mareense de 33 anos, havia um evento anual na região do Parque Rubens Vaz e seus olhos brilhavam ao assistir as demonstrações de luta que ocorriam ali.

”Senti naquele momento que não precisava pegar numa arma para ser reconhecido. Ficou claro que meu destino era subir no ringue”, relembra.

Em uma trajetória vitoriosa, ele passou a fazer parte da seleção brasileira de boxe em 2009. Quatro anos depois, se tornou campeão continental, consagrando-se como o melhor das Américas no Campeonato Pan-Americano de Boxe disputado no Chile — chegou, inclusive, a participar dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, como primeiro reserva do pugilista Myke Carvalho.

“Sempre fui muito disciplinado, mas não almejava viver tudo o que vivi através do boxe. O esporte me levou a lugares inimagináveis”, relata.

‘Honra ao mérito’ e coletividade

O esporte é matéria constitucional. No artigo 217, a Constituição Brasileira expressa: “É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um.” 

De acordo com o professor da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da Universidade Federal do Rio De Janeiro (UFRJ) Marcelo Melo, a construção de uma narrativa de ascensão social através do esporte é algo muito forte. No entanto, é essencial o entendimento de que essa narrativa do sucesso esconde fatores essenciais.

“A perspectiva de direito social ao esporte e lazer é muito importante para oportunizar vivências relevantes para todos. Isso não se faz sem políticas governamentais, com aportes de recursos”, explica o professor, que deu aula na Vila Olímpica da Maré entre 2001 e 2003.

Maré nas Olimpíadas

O pugilista Wanderson de Oliveira, conhecido como “Shuga” (em referência à pronúncia do nome do ídolo e campeão olímpico Sugar Ray Leonard), também começou na Luta pela Paz. Atualmente, o jovem de 24 anos, que morava na Rua Tatajuba, na Maré, é uma das esperanças de medalha do Brasil nos Jogos de Tóquio.

“Entrei no Luta pela Paz para beber água em 2009, reconheci um colega que “tirava onda” com os meus amigos e decidi me matricular. Dois dias depois, estava treinando”, relata o pugilista, em entrevista por telefone do Japão.

O interesse em se destacar é responsável pelo entusiasmo inicial, mas o envolvimento com a disciplina cria algo mais duradouro. “O esporte muda a pessoa, educa, nos deixa mais maduros”, afirma.

Aos 12 anos, o pequeno Shuga já era campeão do Galo de Ouro Infantil. De lá para cá, foi medalhista em inúmeros torneios, como os Jogos Sul-Americanos de Cochabamba (Bolívia), em 2018. Pensando muito além da lista de vitórias ou derrotas, Wanderson reforça: “Se eu puder deixar uma mensagem pra criançada, é a de que o esporte salva.”

Meninas e meninos treinam na ONG Luta pela Paz – Foto: Matheus Affonso


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