Agendas discutidas no G20 Brasil como sustentabilidade, combate às desigualdades, a fome e a pobreza estão no dia a dia das escolas na Maré
Por Hélio Euclides e Adriana Pavlova
Enquanto o Rio de Janeiro está em contagem regressiva máxima para o início do encontro do G20, que reunirá representantes das 19 maiores economias mundiais na cidade nos dias 18 e 19 de novembro, em três escolas municipais da Maré o lema do fórum global – “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável” – deixou de ser algo distante e vem embalando o dia a dia de crianças e adolescentes.
O Ginásio Experimental Tecnológico (GET) Olimpíadas Rio 2016, a Creche Municipal Monteiro Lobato e o Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Medalhista Olímpico Éder Francis Carbonera levaram a importantes discussões do G20 para a sala de aula, com práticas sustentáveis se espalhando e engajando as turmas. Temas que podem soar desafiadores até para os adultos, como transição energética, desenvolvimento sustentável, combate à fome, à pobreza e à desigualdade, se transformaram em ações pedagógicas e agora estão no cotidiano dos estudantes e de suas famílias.
EDI Éder Francis Carbonera
No Espaço de Desenvolvimento Infantil que fica no Campus Maré II, no Salsa e Merengue, o G20 trouxe mais empolgação para trabalhar o meio ambiente.
“O G20 não pode ser algo longe daqui. É preciso trazer para a nossa realidade, tratar a queimada da floresta, mas também a do lixo. Discutir a natureza para todos, com melhoria não a longo prazo, mas algo que precisa começar agora”, defende Débora Esteves, diretora adjunta.
O envolvimento ali é tanto que em novembro o projeto de jornal da escola, em versão mural e online, inspirado no Maré de Notícias, será dedicado ao tema do G20. Os repórteres mirins já estão preparando tudo, diz a diretora.
Antes disso, basta andar pelo EDI e ver diversos trabalhos das crianças sobre a natureza espalhados pelos corredores, incluindo borboletas feitas de papel que enfeitam a porta de uma sala. Cada turma foi batizada com um animal. As mais animadas são as crianças de 4 e 5 anos, no Pré 1 e Pré 2, as turmas borboletas e beija-flor respectivamente. “Fico triste quando as pessoas jogam lixo atrás da escola, na água (Baía de Guanabara)”, conta Emanuele Souza, de 5 anos. Uma iniciativa foi a criação de um borboletário, com lagartas que foram alimentadas com folhas de maracujá. Quando viraram borboletas, os alunos as soltaram na natureza.
De fato, o meio ambiente virou uma grande sala de aula a céu aberto. Os alunos já participaram de um piquenique no Parque Ecológico e lá plantaram um bougainville (planta primavera). Há quatro anos, as crianças plantaram um ipê nos fundos da escola e de lá para cá já surgiram duas bananeiras, um pé de boldo e três laranjeiras. Outro ponto que chama atenção é a transformação de pneus usados em cercas coloridas para as plantas. “Ouvimos as crianças e assim nascem as ideias que eles trazem”, acrescenta Valmira Lúcio, professora do Pré 2.
Para incentivar a participação dos alunos, os professores explicaram o que vai ser o G20. Uma das tarefas ligadas ao grande encontro de chefes de Estado no Rio foi a confecção de cartazes que pedem para que o lixo não seja jogado no entorno da escola, conscientizando a população. “Muito chato quando queimam o lixo, fica o ar cheio de fumaça. Eu não gosto de fogo na natureza, pois deixa os bichos morrerem”, comenta Manuele Gomes, de 6 anos.
O símbolo da escola é o girassol, com o delicado lema “Sejam girassois dos seus jardins particulares”. “Trabalhamos com as crianças diretamente no meio ambiente, ensinamos a germinar e a plantar o girassol. Fazemos horta caseira, que os alunos regam e cuidam. Esse contato vai ressoar na família que fica mais atenta para cuidar de cada espaço da comunidade”, lembra Débora.
Ligado no assunto, Pietro Silva, de 4 anos, já sabe o que falaria para a Cúpula do G20. “Local de lixo é no lixo, a natureza é bonita”, resume.
Creche Monteiro Lobato
Localizada bem no coração da Baixa do Sapateiro, a Creche Monteiro Lobato está antenadíssima com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para a Agenda 2030, que incluem, entre outros, igualdade de gênero, consumo e produção responsáveis, paz e justiça. A diretora Ana Maria Ignacio e a adjunta Débora Cristina Ruivo trabalham para fazer da creche um lugar que ofereça aos alunos, desde bem pequenos, a chance de construir de fato um futuro melhor e mais sustentável.
As ações no espaço que abriga diariamente 140 crianças, de 2 a 6 anos, têm como um dos focos principais a reciclagem com reaproveitamento de material para atividades pedagógicas e separação de lixo. Há uma série de cartazes e brinquedos criados pelos alunos, entre elas uma boneca e um boneco feitos de caixas de papel, batizados de Lupita Bonita e Lucas Docinho.
“Eles fazem mais sucesso do que qualquer Barbie”, se diverte a diretora Ana Maria, contando que uma aluna se afeiçoou tanto à Lupita que pediu para levá-la para brincar em casa.
Na Monteiro Lobato as crianças têm atividades na horta, contato frequente com a natureza no quintal onde há cinco árvores frutíferas, colheita de frutas, incentivo à alimentação mais natural, com destaque para frutas e legumes, estímulo ao esporte, especialmente à corrida, numa minipista pintada no pátio interno, e até uma galeria de arte, onde são exibidas as obras criadas pela criançada com material reciclado. E para dar mais qualidade de trabalho aos professores, há uma sala de descanso onde podem tomar chá para relaxar.
Também são frequentes as visitas de especialistas para aprofundar assuntos que fazem parte do cotidiano da creche. Recentemente, houve uma aula para os professores sobre educação antirracista com a pesquisadora de culturas negras Pâmela Carvalho e conversa com um representante da Clínica de Saúde Augusto Boal para falar de alimentação.
A parceria com o projeto Articulação com as escolas, da Redes da Maré, também já ofereceu oficinas sobre Território, Memória e Cultura para os profissionais da Monteiro Lobato e já estão previstas atividades do Eixo de Direitos Urbanos e Socioambientais em 2025 com crianças e professores. Ainda este ano, haverá um encontro da nutricionista Verônica Pinheiro, do buffet Maré de Sabores, com os pais e responsáveis, para falar sobre alimentação saudável.
A preocupação com a qualidade dos alimentos é reforçada diariamente pelas merendeiras Edna da Silva e Estela de Oliveira. “Criança gosta de deixar os legumes de lado, mas aqui a gente tenta incentivar a alimentação natural. Agora eles até pedem mais cenoura”, conta.
A diretora Ana Maria reconhece que o lema do G20 acabou turbinando e animando os projetos da creche. “Nossas ações sempre foram pensadas no futuro das crianças, mas o G20 veio alavancar. Como é que lutamos para um mundo com menos desperdício? Como evitamos o consumismo desde cedo? São essas ideias que nos movem aqui”, diz a diretora.
A parceria e o apoio dos responsáveis é grande, como confirma Ana Paula Araújo dos Santos, mãe da aluna Ana Lara, de 2 anos: “É uma escola que incentiva desde muito cedo as crianças a pensarem na reciclagem, a fazer esportes, a cuidar da verde, a respeitar o meio ambiente. Não é por um acaso que minha filha pede pra ir para a creche até nos dias que não têm aula. É gratificante ver tanto aprendizado,” completa Ana Paula.
GET Olimpíadas Rio 2016
Na escola da Nova Holanda, o assunto do G20 com suas implicações sociais, econômicas e políticas se tornou algo tão sério que agora é tema da matéria eletiva de jornalismo, que por isso mesmo passou a ser chamada de Jornalismo e Meio Ambiente.
Nos últimos meses, a turma de 20 adolescentes, orientada pela professora de português Viviane Couto da Silva, vem mergulhando profundamente nos temas ligados ao meio ambiente em oficinas em parceria com o projeto Ecogerações, um coletivo de jovens comunicadores da Maré focado em justiça climática e ambiental.
Na aula que o Maré de Notícias acompanhou, a comunicadora Kaya Mendes provocou os estudantes a refletirem sobre racismo ambiental na favela, enquanto também mostrou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas para a Agenda 2030. A turma foi dividida em grupos para que produzissem cartazes defendendo temas como fim da pobreza, crescimento econômico sustentável e redução da desigualdade.
“O objetivo dessas aulas é captar mensagens de preservação. Em um território como a Maré, falar de preservação é falar tanto do meio quanto do ambiente em que estamos inseridos”, diz Kaya, cuja iniciativa faz parte do LabMaré, do Eixo de Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré, para apoio de projetos de desenvolvimento do território.
A disciplina eletiva de jornalismo ambiental conta com uma página no Instagram, onde os alunos e os convidados das oficinas apresentam a produção altamente engajada de sala de aula. “Nosso foco é transformar todo o conteúdo das aulas em mensagens sobre preservação do meio ambiente que possam ser divulgadas para outros alunos da escola, para que todos possam entender a urgência climática. São ações como compostagem e reciclagem que podem ser multiplicadas dentro e fora da escola”, explica a professora Viviane.
Em um dos vídeos do instagram, as alunas do projeto Maria Eduarda Almeida, 13 anos, e Alice Diniz, 15 anos, dividem a experiência de repórteres na abertura da Favela 20 (F20), braço social do G20, que aconteceu na favela do Vidigal, na Zona Sul do Rio, em julho. As duas saíram exultantes da experiência. “Queremos alertar outros estudantes como nós que é hora de pensar no lixo que está do lado das nossas casas”, dizem as duas, em coro.
Os temas do G20 definitivamente estão entre nós, na Maré.