Uma retrospectiva do fracasso dos projetos para a melhoria do saneamento
Maré de Notícias #147 – abril de 2023
Por Andrezza Paulo, Hélio Euclides e Jéssica Pires
Nas últimas edições, o Maré de Notícias vem chamando atenção para um direito fundamental, mas negligenciado nas favelas: o saneamento básico. Na Maré não é diferente e as consequências do descaso são sentida no cotidiano dos moradores. Nesta edição, resgatamos alguns projetos que, pagos com dinheiro público, não cumpriram sua finalidade: garantir um direito previsto na Constituição Federal.
A Lei 11.445/2007 (ou Lei do Saneamento Básico), estabelece que os serviços públicos de saneamento básico são o abastecimento de água potável; o esgotamento sanitário; a limpeza urbana e o manejo de resíduos sólidos; e a drenagem e o manejo de águas pluviais urbanas, com a limpeza e fiscalização preventiva das redes urbanas de coleta de água da chuva.
Baía ainda poluída
Em julho deste ano vamos apagar a velinha de 32 anos do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG). A primeira proposta, lançada em 1994, tinha como objetivos recuperar os ecossistemas do entorno da baía e resgatar a qualidade das suas águas e a dos rios que nela deságuam, por meio da implantação de um sistema de saneamento adequado.
Inspirado no feito na Baía de Tóquio, o projeto previa a cooperação técnica entre os governos brasileiro e japonês,. Foram consumidos US$ 800 milhões (R$ 4,075 bilhões) do total de US$ 1,169 bilhão (R$ 5,95 bilhões) previstos, mas o programa avançou lentamente, com obras que duraram 15 anos.
Nesse período, foram construídas quatro grandes estações de tratamento de esgoto (ETEs), mas as redes coletoras que deveriam levar o esgoto das residências até lá foram “esquecidas”; sem elas, as ETEs perderam sua utilidade.
Fundão raso
Em maio de 2009, iniciou-se a recuperação do Canal do Fundão. A obra durou dois anos e compreendia o desassoreamento de sete quilômetros de extensão do canal, facilitando a circulação de água com a dragagem de dois milhões de metros cúbicos de material.
Foram gastos R$ 270 milhões, que de investimento viraram desperdício: com o restante da baía assoreada, o canal voltou a ficar entulhado.
Sem medalha olímpica
Não se pode esquecer o Programa de Saneamento Ambiental (PSAM) de 2011, em preparação às Olimpíadas Rio 2016. O PSAM nasceu da necessidade de estabelecer uma coordenação específica para a elaboração do saneamento dos municípios do entorno da Baía de Guanabara.
O objetivo principal era promover a melhoria ambiental e a qualidade de vida da população, por meio da garantia de acesso ao serviço de saneamento.
Os gastos previstos chegam a US$ 639 milhões (R$ 1,96 bilhão), sendo US$ 451,9 milhões (R$ 2,3 bilhões) do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e US$ 187,5 milhões (R$ 955,1 milhões) dos governos estadual e federal. Depois de 12 anos, as construções dos troncos coletores ainda se arrastam.
Maré sem esgoto
Por fim, a promessa que não saiu do papel: a realização das obras para melhoria da rede de esgoto da Maré e a criação do tronco para o tratamento dos resíduos na Estação de Alegria. A obra seria realizada pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE), com objetivo de melhorar o saneamento.
Há 12 anos, o então diretor de Distribuição e Comercialização Metropolitana, Marcello Motta, assegurou que a estatal faria a obra. O presidente seguinte da Cedae, Wagner Victer, reafirmou que o projeto de esgotamento sanitário sairia do papel logo. O investimento seria, somente na Maré, de R$ 35 milhões advindos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2.
A área abrangida incluiria da favelas do Parque União até o Conjunto Esperança, com prazo de 720 dias para a construção de seis elevatórias de pequeno porte. A obra seria de ligação domiciliar, com novas redes coletoras de esgoto de 150 a 1.200 milímetros.
Ainda haveria a readequação da rede e a criação de um cinturão nas galerias para o fim do esgoto que cai clandestinamente nos canais. Também ocorreria a ligação do esgoto de Marcílio Dias, Praia de Ramos e Roquete Pinto à Estação de Tratamento da Penha, que hoje se encontra necessitando de reforma.
Até hoje nada saiu do papel. Com a privatização da Cedae, permanecem os questionamentos: ainda vai haver obra prometida para a Maré? Para onde foi o dinheiro que seria investido no saneamento do território?