O resultado da ocupação das Forças Armadas na Maré

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Publicação revela a opinião dos moradores a respeito da presença do Exército

Roberto de Oliveira

Desde 2007, quando sediou pela primeira vez os Jogos Pan-Americanos, a cidade do Rio de Janeiro se tornou uma vitrine brasileira e atraiu os olhares do mundo para espetáculos diferentes do Carnaval. Com a mídia a seu favor, o País quis mostrar que estava pronto para organizar grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, como qualquer outra capital europeia. Mas para dar aos expectadores a sensação de segurança na cidade, os governantes decidiram utilizar um recurso questionável: a ocupação militar das favelas. Com a presença de policiais e militares das Forças Armadas, esses espaços foram declarados “áreas perigosas” e a mensagem enviada para a sociedade era de que controlar as favelas com poder bélico era o melhor caminho para controlar a criminalidade.

Com cerca de 140 mil habitantes, o Complexo de Favelas da Maré foi ocupado pelas Forças Armadas durante 14 meses, com o objetivo declarado de preparar o território para a implementação de quatro Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) – fato que jamais se tornou realidade. Conforme pedido feito pelo então governador Sérgio Cabral, que hoje se encontra preso por corrupção e lavagem de dinheiro, a ocupação militar na Maré aconteceu a partir do dia 5 de abril de 2014 e durou até 30 de junho de 2015.

 

A opinião dos moradores da Maré sobre a ocupação

Uma pesquisa coordenada pela Redes da Maré, com a parceria das instituições britânicas Queen Mary University of  London e a Newton Fundation,  revelou a opinião dos moradores a respeito dessa ocupação. O estudo ouviu 1000 mulheres e homens de 18 a 69 anos, residentes nas 15 favelas ocupadas por militares do Exército e da Marinha.  Entre fevereiro e setembro de 2015, a equipe de entrevistadores aplicou um questionário com 54 perguntas sobre as ações dos militares na comunidade e o resultado mostra que a ocupação não foi um sucesso como pretendiam divulgar o governo do Estado e o Ministério da Defesa. O resultado está publicado no livro “A ocupação da Maré pelo Exército brasileiro – Percepção de moradores sobre a ocupação das Forças Armadas na Maré”.  “A ideia é chamar a atenção, pois a ocupação que houve, aqui, foi  extremamente controverso, pois era algo que respondia a uma demanda de combater a violência e trazer segurança pública, mas o que se viu com a pesquisa foi justamente o contrário”, disse a coordenadora geral da pesquisa, Eliana Sousa e Silva. “O morador, ao mesmo tempo em que estava dando uma entrevista, também considerava a pesquisa um espaço de desabafo, de como ele percebia isso e talvez não encontrasse esse espaço de fala em outros lugares”, afirmou Lidiane Malanquini, uma das integrantes da equipe de pesquisa. Os pesquisadores também conversaram com alguns militares do Exército e com integrantes de grupos civis armados (GCAs) que atuam na Maré (com exceção de milicianos), para ter uma visão mais ampla da ocupação, o que contribuiu para qualificar e aperfeiçoar a pesquisa.

As violações durante a ocupação

Com a autorização da Presidência da República, as Forças Armadas tinham poder de polícia e podiam efetuar prisões em flagrante, patrulhamento e vistoria. Com isso, a Maré ganhou ares de um verdadeiro território de guerra, com tanques circulando pelas ruas, soldados com armas de alto calibre, arames farpados e sacos de areia como barricadas. A principal revelação da pesquisa é que menos de 1/4 da população da Maré considerou a ocupação ótima (4%) ou boa (20%), enquanto o restante dos entrevistados avaliou a ação das Forças Armadas como regular (49%), ruim (12%) ou péssima (14%). Para 70% da população da Maré, a entrada das Forças Armadas não aumentou a sensação de segurança.

Charles Gonçalves Guimarães, presidente da Associação de Moradores da Baixa do Sapateiro, uma das comunidades ocupadas, disse que, no início, a relação entre os militares e a comunidade se deu de forma tranquila, porém, com o passar dos meses, a convivência ficou tensa. “O Exército perdeu um pouco do controle da situação, a comunidade também se descontrolou e a relação ficou violenta, com algumas vítimas fatais inclusive, mas para as Forças Armadas os problemas foram só arranhões, por isso, a ocupação não foi satisfatória para minha comunidade e acho que nem para o Complexo da Maré como um todo”, afirmou Charles.

Quando chegaram, os militares tentaram se aproximar e criaram atividades comunitárias e sociais, fazendo com que alguns moradores acreditassem na proposta do Exército para mudar o quadro de violência que até então a comunidade vivia. Mas a cada dois meses, havia uma mudança de soldados e também do comando da operação, fato que gerava abordagens diferentes, pois o comportamento da tropa dependia das orientações do comandante da vez. Segundo os dados oficiais divulgados pelo Ministério da Defesa, houve redução na taxa anual de homicídios durante a ocupação na Maré, mas com o tempo, os militares começaram a cometer as mesmas violações de direitos praticadas por policiais.

Segundo a pesquisa, nove de cada 100 moradores tiveram problemas com os militares, sendo os principais a forma de abordagem (70%), agressões verbais (46%) e físicas (31%), danos aos bens materiais (15%) e diversas invasões domiciliares, fato comum nas operações policiais na Maré e que continuou acontecendo durante a ocupação do Exército. Levando-se em conta que são 47 mil domicílios nas áreas ocupadas, cerca de quatro mil podem ter sido revistados pelos militares e, em muitos casos, sem o consentimento do morador.

Conclusões

De fato, não houve pacificação na Maré, o que mostra que o modelo adotado não pode ser considerado um sucesso. A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Maré não saiu do papel e nem tampouco os grupos civis armados deixaram de atuar na região.  Os gastos com a ocupação também são espantosos. Com a pretensão de tornar a região segura, o Governo Federal gastou cerca de 600 milhões de reais dos cofres públicos com as Forças Armadas em pouco mais de um ano, enquanto a Prefeitura do Rio investiu, no período de seis anos, metade desse valor (R$303 milhões) em projetos e programas sociais. Na época, o próprio Secretário Estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, dizia que a solução policial era apenas a “ponta do iceberg”, e que o problema da violência deveria ser precedido por projetos sociais em áreas pobres.

Enfim, fica a impressão de que a verdadeira intenção das Forças Armadas com a ocupação era apenas o controle dos territórios para que a Copa do Mundo pudesse ocorrer sem maiores problemas, mas também fica o questionamento sobre o tratamento dado ao morador de favela pelos soldados, que representam o Estado brasileiro, a “Pátria Amada” e a “Mãe Gentil”. A população da favela, discriminada por diversos setores da sociedade, é a primeira a querer que as condições de Segurança pública melhorem, mas a solução não é fácil, como mostrou a ocupação militar na Maré, no Alemão e, ao que parece, em qualquer outro lugar onde não haja a participação da população local no planejamento das ações e maior presença estatal por meio do investimento em políticas sociais.

Clique aqui para ler o livro “A ocupação da Maré pelo Exército brasileiro – Percepção de moradores sobre a ocupação das Forças Armadas na Maré” em versão digital.

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