O verde da Maré

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Cultivo de plantas é uma prática frequente entre mareenses, uma atividade que mistura cultura e saúde

Por Edith Medeiros*

Você gosta de ter plantas em casa? Pois saiba que muita gente também. Segundo o Censo Maré de 2019, 26% dos lares mareenses têm pelo menos uma planta. Embora a principal razão do cultivo seja decorativa, 6,2% plantam com fins medicinais.

Entre os moradores que se dedicam a essa prática está a dona Dalila da Conceição, 89 anos, moradora do Morro do Timbau. Ela utiliza a popular planta babosa (também conhecida como aloe vera) principalmente para fins estéticos. Dona Dalila cultiva também o aranto, uma suculenta que, segundo um estudo publicado no International Journal of Biological Macromolecules [Jornal Internacional de Macromoléculas Biológicas], é eficaz na prevenção de trombose.

Segundo a coordenadora do Programa Farmácias Vivas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mary Anne Medeiros Bandeira, em entrevista ao site Viva Bem do UOL,”não podemos nos esquecer do efeito anti-inflamatório, analgésico e cicatrizante do aranto. Devido a tais propriedades, a planta é usada para o tratamento de artrite reumatóide, doenças de pele, inflamações e resfriados”. É preciso, porém, alertar que as folhas da suculenta não devem ser consumidas por gestantes nem por quem tem pressão baixa ou crises de hipoglicemia

Efeitos diversos

Fátima de Jesus, de 58 anos e moradora do Salsa e Merengue, costuma usar o capim-limão (também conhecido como erva-cidreira) para fazer chá para combater a insônia. Seu uso dentro da sabedoria popular o indica para a falta de sono, usado em banhos terapêuticos para aliviar o estresse, a ansiedade e o cansaço.

Paulo Rodrigues, 71 anos, comerciante e morador da Roquete Pinto, planta diversas espécies: desde babosa, comigo-ninguém-pode e espada-de-são-jorge a alecrim e boldo. Segundo ele, este último é o mais pedido pelos moradores: “Serve para o fígado, curar ressaca e aliviar dor de barriga”, ensina.

Tradição e ciência

Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um comunicado apoiando a medicina tradicional (isso é, conhecimentos, crenças e experiências de diferentes culturas) como mais um recurso para manter a saúde e prevenir, diagnosticar ou tratar doenças. Segundo a entidade, a chamada medicina popular é usada por 80% da população mundial.

O professor Marcelo Neto Galvão, curador adjunto da Coleção Botânica de Plantas Medicinais (CBPM) da Fiocruz, explica que em comunidades que vivem qualquer grau de vulnerabilidade socioeconômica, principalmente com dificuldades de acesso a serviços básicos, é comum a busca por formas alternativas de manutenção da saúde e de combate a doenças.

Marcelo lembra que, no caso da Maré, existe uma grande riqueza cultural, consequência de uma população formada por diferentes partes do Brasil. De fato, o Censo Maré 2019 aponta que, entre os mareenses, embora haja uma predominância de pessoas nascidas no Sudeste (73,1%), também há oriundos do Nordeste (25,8%), do Norte (0,4%), do Sul (0,1%), do Centro-Oeste (0,1%) e até mesmo de fora do Brasil (0,2%). 

Resistência

“Acredito que, mesmo no melhor dos cenários de acesso à saúde, as benzedeiras ainda teriam seu espaço de resistência cultural”, diz o pesquisador. Apesar de seu futuro promissor como alternativa à saúde, Marcelo lembra que ainda existem desafios, e um deles é o pouco diálogo existente entre as ciências médicas e a medicina tradicional.

Segundo ele, “existe uma resistência dos dois lados. Os profissionais do meio acadêmico que não trabalham diretamente com conhecimento tradicional têm dificuldade em valorizar a sua importância. Já os detentores dos saberes populares muitas vezes não entendem a necessidade de sua validação científica. O maior desafio é quebrar essas resistências”.

A CBPM/Fiocruz mantém um banco de dados sobre o conhecimento popular de plantas medicinais usadas no país. As informações são incluídas a partir de trabalhos científicos que investigam o tema: “O conhecimento de benzedeiras como as da Maré não só tem ajudado a construir esse acervo, como é a base que o fundamenta”, diz o pesquisador.

*Reportagem escrita em parceria com a Fiocruz.

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