Por Jéssica Pires
Na Maré, são 16.692 mil alunos das 46 escolas municipais. Que, junto com os 4.246 professores, têm procurado alternativas para se ajustar às demandas que a pandemia trouxe junto com o vírus. Sem contar com os estudantes da rede estadual, escolas particulares e cursinhos. Esses mais de cem dias sem aulas, revelou desigualdades mas, também, trouxe aprendizado. “Toda a escola teve que se reinventar. As crianças, a direção, a equipe docente. E não é fácil.”, diz a professora Maria Cristina, que trabalha na rede municipal há 18 anos, no CIEP Ministro Gustavo Capanema, na Vila dos Pinheiros. Quais são os desafios da educação básica, na Maré, neste momento?
A tecnologia, sem dúvida, foi uma das soluções e – ao mesmo tempo – um grande problema. Aqui na Maré, os professores e pais se desdobram para garantir o mínimo do acesso ao conteúdo para os alunos, enfrentando barreiras como a dificuldade ao acesso à internet e a pouca habilidade com as ferramentas de comunicação digital. A dispersão que as crianças tem dentro das casas e a falta de recursos como tempo e informação das famílias para acompanhar esse processo também são desafios. “Os impactos da pandemia para as populações mais pobres são infinitamente maiores do que para as mais favorecidas economicamente”, diz Andreia Martins, diretora da Redes da Maré. “Tô tendo que lidar com as minhas dificuldades e tentar superá-las. Principalmente nessa questão da tecnologia que pra mim é muito complicado, mas a gente não desanima”, diz a professora Maria Cristina. “Reaprendendo muitas coisas, aprendendo outras.”
Para as famílias, os desafios são também estruturais. As casas aqui na Maré são que nem coração de mãe: são pequenas, abrigam muitas pessoas, e volta e meia sempre abriga ainda mais um ou outro. E assim, nem sempre existe um espaço dedicado para as crianças estudarem. Ou um adulto disponível para auxiliar esse processo.
Aos poucos, surgem soluções. “Vale a pena investir em propostas simples, como faz de conta, contação de histórias e atividades como desenho e jogos reais, não virtuais. Conversar com a criança também é uma atividade estimulante, que ajuda a desenvolver o raciocínio e a linguagem”, diz Beatriz Abuchaim, especialista em educação infantil e gerente de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
O retorno ao novo normal
As discussões sobre o retorno às aulas ainda seguem nos níveis estadual e municipal aqui no Rio de Janeiro. “Sabemos que é preciso retornar, em algum momento, mas caso não haja um planejamento que possa envolver toda a comunidade escolar e contar com a disponibilização de equipamentos para proteção individual e coletiva, à volta às aulas poderá aumentar as possibilidades de disseminação do coronavírus na Maré”, comenta Andreia Martins. A estrutura da rede de ensino no Rio de Janeiro ainda é muito precária. Mas territórios marginalizados, como as favelas, sofrem com mais descaso. Em tempos normais, até de material de limpeza pessoal falta para os alunos.
Aos mestres, com carinho:
A valorização dos e das profissionais da educação é uma das diretrizes do Plano Municipal de Educação, de 2018. E o que a gente percebeu é que os professores da Maré estão derrubando os muros que a falta de estrutura construiu antes desse momento de crise. Ainda são incertos os impactos e caminhos possíveis para a retomada das aulas na Maré. Mas o resultado da dedicação dos professores a gente sentiu com a fala da Maria Isabel, moradora de 11 anos da Praia de Inhaúma e aluna da Escola Municipal IV Centenário, do Morro do Timbau: “ É bem divertido ter uma professora companheira, que gosta de ver o nosso bem, que sempre quer ajudar”.
Maré que Queremos:
De acordo com o Censo da Maré, 89,5% dos moradores frequentam as escolas públicas do território. Mas a realidade nem sempre foi essa. O acesso à educação na Maré foi uma demanda pautada por moradores e conquistada por um processo de mobilização. A primeira escola da Maré foi construída em 1936 (Escola Municipal Bahia), antes mesmo da existência de algumas das favelas que compõem o conjunto, quando a Maré ainda nem era considerada um bairro.
Até o ano 2000, a Maré contava com 28 unidades escolares, de creches à escolas de ensino fundamental e médio. Nos últimos anos, como resultado desse processo de luta, foram construídas mais escolas. Além da rede municipal, quatro unidades da rede estadual atendem o Ensino Médio, na Maré. “A história da Maré é uma história marcada pela participação ativa dos moradores nas lutas que de uma forma ou de outra melhoraram as condições de vida local”, conclui Edson Diniz, diretor da Redes da Maré.
- Direção de produção e conteúdo: Geisa Lino
- Direção de Captação Audiovisual: Drika de Oliveira
- Captação de imagens: Gabi Lino e Douglas Lopes
- Edição: Drika de Oliveira e Nicholas Andueza
- Narração: Jéssica Pires
- Reportagem e texto: Jéssica Pires
- Revisão de texto: Jô Hallack
- Agradecimentos dessa edição: Andréia Martins, Maria Isabel, Gisele Ribeiro, e todos os professores e estudantes da Maré.
Esse material foi produzido com apoio do CRIAndorede: iniciativa da UNICEF em parceira com o Luta pela Paz, Redes da Maré e Observatório de Favelas pela proteção à vida de crianças e adolescentes na Maré.