Precisamos falar sobre sexo e ISTs

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Dados mostram que a prevenção é para todas as idades, gêneros e orientação sexual.

Edição #146 do Maré de Notícias

Por Teresa Santos e Samara Oliveira

Os dados do Observatório Epidemiológico da Cidade do Rio de Janeiro (EpiRio) mostram que precisamos falar sobre as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e que essa discussão é necessária para todos, independentemente do gênero, da orientação sexual ou da idade.

O EpiRio registrou, em 2022, 3.105 casos de pessoas com Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), o último estágio da infecção causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Desse total, 49 pacientes moram na Maré. No mesmo período, o cenário epidemiológico carioca revelou 1.032 casos de hepatites virais (sendo 10  mareenses) e 12.622 casos de sífilis (322 nos territórios).

Considerando apenas a Maré, 33% dos casos de Aids são de mulheres; 70% das pessoas infectadas são pretas ou pardas. Nos casos de sífilis, 53% dos afetados são mulheres e 68,32%, pessoas pretas ou pardas. Com relação à idade, a média dos infectados é, nos casos de Aids, de 31 anos, e de 25 anos para sífilis. Mas as duas doenças não escolhem idade: há registro em diferentes faixas etárias, incluindo acima de 60 anos.

Grupo amplo

Apesar de o HIV, as hepatites virais (principalmente B e C) e a sífilis serem as ISTs mais divulgadas, esse grupo de infecções é amplo, causadas por vírus, bactérias, fungos, protozoários e parasitas. Algumas podem provocar sintomas como feridas, corrimento e verrugas, enquanto outras não apresentam alterações aparentes, e por isso a prevenção, o correto diagnóstico e o tratamento são fundamentais. Quando não diagnosticadas e tratadas, as ISTs podem levar a complicações como infertilidade, câncer, problemas mentais e mesmo a morte.

A coordenadora da Casa Nem e idealizadora do Instituto Trans da Maré, Lohana Carla, aponta a ausência de programas de prevenção na Maré.

“Do que vejo, não são muito divulgadas as informações sobre prevenção de ISTs, principalmente aqui na comunidade. No instituto, sempre fazemos rodas de conversa, chamamos profissionais para falar e explicar às mulheres, travestis e trans sobre a prevenção às ISTs. Muitas dessas pessoas são profissionais do sexo e precisam de informação sobre como se cuidar”, diz ela. 

Lohana conta com a parceria da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Grupo pela VIDDA do Rio de Janeiro (GPV-RJ), a primeira entidade no Brasil, fundada pelo sociólogo e escritor Herbert Daniel (o Betinho), voltada para pessoas portadoras do HIV e com Aids, e que hoje auxilia e orienta quanto às ISTs.

Atenção via SUS

Existem algumas vacinas para prevenir ISTs; por exemplo, aquelas causadas pelo papilomavírus humano (HPV) ou pelo vírus da hepatite B (HVB). E ambas estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). 

No caso da vacina contra o HPV, ela é aplicada em duas doses no público-alvo, formado por crianças e adolescentes entre 9 e 14 anos. Além deles, pessoas de até 45 anos vivendo com HIV; transplantados de órgãos sólidos ou medula óssea; e pacientes oncológicos também podem receber a vacina, em um esquema de três doses.

Também em três doses, a vacina contra a hepatite B deve ser aplicada (a primeira dose) já nos primeiros 30 dias de vida. É importante, ao longo da vida, verificar se o esquema primário da vacinação foi completado.

Como são infecções sexualmente transmissíveis, a medida mais eficaz e mais indicada para preveni-las é o uso de preservativos. Segundo a infectologista Emilia Jalil,  do Laboratório de Pesquisa Clínica em IST e Aids (LapClin Aids) do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), “de maneira geral, eles protegem contra vários tipos de IST, tanto as virais quanto as bacterianas, e são um mecanismo de prevenção bastante eficaz”. 

Vale lembrar que os preservativos (masculino e feminino) são distribuídos gratuitamente nos centros municipais de saúde e clínicas de família.

A PrEP consiste na administração de um único comprimido antirretroviral, diariamente – Foto: Matheus Affonso

Profilaxia contra o HIV

A camisinha ajuda a proteger contra a contaminação do HIV, mas há casos em que ela não foi usada. Para isso, existe a prevenção via uso de medicamentos — os chamados antirretrovirais. São dois protocolos (medicamentos combinados ou não): a profilaxia pré-exposição (PrEP) e a profilaxia pós-exposição (PEP). Ambas também estão disponíveis no SUS, via prescrição de um profissional de saúde.

A PrEP é destinada às pessoas que não vivem com o HIV, mas são mais vulneráveis à contaminação pelo vírus. Segundo as diretrizes do Ministério da Saúde, são elas gays, homens que fazem sexo com homens (HSH), profissionais do sexo, homens e mulheres trans, travestis e casais sorodiferentes (quando um tem HIV e outro não).

O tratamento consiste na administração de um único comprimido de medicação antirretroviral, diariamente. Aqueles que fazem parte de um dos grupos acima e têm mais de 15 anos podem obter gratuitamente a PrEP em unidades de saúde pública. De acordo com o site do Ministério da Saúde, os locais mais próximos onde esse protocolo médico é ofertado são a Clínica da Família Abid Jatene, na Maré, e o Centro Municipal de Saúde Américo Veloso, em Ramos.

A PEP, por sua vez, é o protocolo de urgência, com a administração diária de dois medicamentos antirretrovirais por 28 dias para eliminar o vírus da HIV do organismo antes que a infecção se espalhe. Por isso, é preciso antes fazer a testagem; se o indivíduo já for soropositivo, ele receberá o tratamento contra a doença e não a profilaxia. 

A medicação precisa ser administrada até 72 horas depois do incidente com risco de contaminação — são eles situações de violência sexual; sexo consentido, porém sem camisinha; contato direto com substâncias como sangue, sêmen e secreção vaginal contaminados; e acidentes com instrumentos que porventura resultaram em ferimentos na pele (por menor que sejam) durante a manipulação de material biológico contaminado. 

Na Maré, segundo o Ministério da Saúde, a PEP está disponível na Clínica da Família Augusto Boal e nos centros municipais de saúde Gustavo Capanema, Hélio Smith, Nova Holanda e Vila do João.

Preconceito diário

No dia a dia, ainda há barreiras que dificultam o combate às ISTs, especialmente para o público feminino. Segundo a infectologista da Fiocruz, uma das principais dificuldades é a utilização do preservativo: esta é uma decisão do casal, mas sempre recai sobre a mulher a responsabilidade por seu uso.

Outro fator importante diz respeito ao atendimento nas unidades de saúde. Para Emília, falta um olhar mais individualizado: “Muitas vezes os profissionais têm dificuldade de informar corretamente e de enxergar a pessoa — trans, travesti ou cis — como paciente singular, com características próprias. Então, não é porque é travesti que necessariamente é vulnerável à IST, tampouco deixa de ter vulnerabilidade ao HIV porque é cis. Cada pessoa é única, tem sua individualidade e isso precisa ser respeitado.”

Dayane Gusmão é assistente social e fundadora da Casa Resistência Lésbica da Maré. Ela relembra que este tipo de dificuldade foi um dos principais motivadores para fundar o coletivo que acolhe mulheres cis e trans no conjunto de favelas. 

“Já vivenciei situações de eu querer fazer um preventivo e a médica dizer que não era preciso porque sou lésbica e não me relaciono sexualmente com homens. Nunca soube sobre ISTs que podem ocorrer na relação entre lésbicas. Eu só tive acesso a essas informações no movimento social, com lideranças que sabem desse vácuo e que ministravam oficinas. Como minha experiência foi essa, acabei conduzindo a coletiva nesse caminho. A mulheridade que foge da heteronormatividade sofre dificuldade no acesso à informação sobre saúde sexual e reprodutiva”, conclui. 

Além de dificuldades como essa, Emilia Jalil também ressalta que, ao falar em IST, o foco recai sobre comportamentos de risco e questões biológicas; porém, frequentemente as estratégias preventivas esbarram em questões sociais e econômicas. 

Segundo ela, “pessoas com algum tipo de vulnerabilidade social e econômica, por exemplo, que não têm acesso a emprego, que vivem em um contexto de marginalização, com escolaridade baixa, pessoas negras e indígenas — esses indivíduos compõem grupos que têm menor acesso à saúde, a diagnóstico, prevenção e tratamento”.

Para os médicos, o preservativo é a medida mais indicada e eficaz para prevenir ISTs – Foto: Kísie Ainoã

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