Processo contra PM que matou Ágatha Félix está parado há um ano

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Morte de criança de 8 anos atingida por tiro de fuzil completou dois anos; audiências e julgamento contra o policial Rodrigo Soares ainda não foram marcados

Por Jeniffer Mendonça, em Ponte Jornalismo

“Esse mês realmente é bem delicado para mim”, lamentou Vanessa Sales Félix quando entrei em contato para saber como estava e se gostaria de falar comigo. A negativa é compreensível. Há dois anos, ela voltava de um passeio com a filha Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, quando um disparo de fuzil da Polícia Militar atingiu as costas da criança, tirando sua vida, durante uma operação policial no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro. Mais um 20 de setembro que a família luta por justiça.

A criança e o avô estavam dentro de uma Kombi que passava pelo entroncamento da Rua Antônio Austregésilo com a Rua Nossa Senhora da Glória, na comunidade da Fazendinha, que integra o complexo, quando o PM Rodrigo José de Matos Soares, lotado na UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do local, que é vinculada ao 16º Batalhão de Polícia Militar, atirou duas vezes. A alegação dele era de que um homem armado em uma moto teria atirado e ele revidou. A versão, para a Polícia Civil na época, era mentira.

“O que apuramos foi que a hora que a moto passou, numa certa velocidade, o policial que estava ali se sentiu em risco, alegou que a pessoa estava armada e atirou. Ele afirmou que houve um disparo e que ele reagiu, mas ficou provado que a pessoa não deu tiros e não estava armada”, explicou o delegado-adjunto Marcus Drunker à Ponte em novembro de 2019.

No mês seguinte, a Promotoria, através do hoje extinto Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do Ministério Público Estadual, denunciou o policial militar por homicídio qualificado por motivo torpe (desprezível) e que dificultou a defesa da vítima e por erro na execução (quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa – segundo o artigo 73 do Código Penal) para que fosse julgado por um júri popular. “(…) o denunciado, por erro no uso dos meios de execução, atingiu pessoa diversa da que pretendia matar, uma vez que um dos projéteis de arma de fogo disparado pelo denunciado ricocheteou no poste de concreto situado na Rua Antônio Austregésilo, fragmentando-se em partes, sendo certo que um desses fragmentos teve sua trajetória alterada, vindo a atingir a criança Agatha Vitória Sales Felix”, argumentaram os promotores Alexandre Themístocles e Debra Cargy Erlich.

A denúncia foi aceita em dezembro de 2019 pela juíza Viviane Ramos de Faria, do Tribunal do Júri, que considerou que o policial agiu de forma “incompatível” com que se espera de um agente do Estado e mostrou “ausência de preparo para integrar as fileiras da Polícia Militar”. “No caso em que se examina, verifica-se que a conduta imputada ao policial militar é grave, haja vista que teria, fora dos limites do permitido, efetuado disparos de arma de fogo contra pessoas que, a princípio, não representavam perigo aos agentes da segurança pública ou a terceiros, acabando por ceifar a vida de uma criança de apenas 8 (oito) anos de idade, deixando, inclusive, de prestar socorro a ela”, escreveu.

Ela também determinou, a pedido do Ministério Público Estadual, que Rodrigo Soares respondesse o processo em liberdade, cumprindo medidas cautelares: comparecimento mensal ao fórum para justificar suas atividades, não mudar de endereço ou se ausentar da cidade sem autorização, afastamento do trabalho de policial nas ruas e suspensão do porte de arma. O processo, no entanto, não teve muitas atualizações, já que as audiências foram remarcadas duas vezes por conta da pandemia e, no momento, não há uma data estipulada, conforme a Ponte apurou junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

À reportagem, Vanessa disse que a Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil) acompanha o caso como assistente de acusação e que irá entrar com uma petição no processo questionando o tribunal a respeito de marcação de uma data. Presidente da comissão, Álvaro Quintão informou que a importância da audiência é para que as testemunhas sejam ouvidas. “Quanto mais tempo passa, mais a memória se vai e a demora prejudica o processo porque não se faz justiça”, declarou. “A intenção é provocar o judiciário para que aconteça a marcação dessa audiência porque os tribunais já voltaram com os trabalhos presenciais e não há motivo para essa demora.”

Depois de Agatha, segundo o Instituto Fogo Cruzado, outras 37 crianças foram baleadas no Grande Rio. Nos últimos cinco anos, foram 100 crianças de até 12 anos atingidas por tiros, sendo que 30 morreram, ainda de acordo com o instituto, em levantamento divulgado em abril deste ano. Dados obtidos pela GloboNews, em janeiro, apontaram que, de 15 casos de mortes de crianças por armas de fogo, a Polícia Civil elucidou a autoria apenas do caso de Agatha.

Em janeiro deste ano, o governador Claudio Castro (PSC) sancionou a lei 9.180/21, conhecido como Lei Agatha. De autoria das deputadas estaduais Renata Souza (PSOL), Martha Rocha (PDT) e Dani Monteiro (PSOL), a regra é de que a investigação de mortes violentas de crianças e adolescentes passem a ser prioridade na Polícia Civil. Na época, Vanessa definiu à Ponte que a lei era uma resposta. “Assim como o caso da Ágatha foi ao fim do processo investigatório, outras famílias também terão [respostas]. Não era assim que eu queria que fosse conhecida, mas é para todos saberem como ela foi tirada de mim. Através dessa lei, todos saberão quem foi Ágatha Vitória“, disse.

O que diz a polícia

Ponte procurou as assessorias da Polícia Civil e do Ministério Público sobre o caso, bem como a investigação de mortes de crianças baleadas no Rio de Janeiro, mas não houve resposta.

A reportagem tentou contatar os advogados do PM Rodrigo Soares, por telefone informado no Cadastro Nacional de Advogados da OAB, mas não teve resposta. Também procuramos a assessoria da Polícia Militar, que não respondeu até a publicação.

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