Profissão artista: desafios nas trajetórias de artistas independentes e LGBTQIAPN+

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De acordo com a pesquisa Marégrafia os artistas do território são, em sua maioria, negros, com menos de 30 anos e sem renda individual ou limitada a menos de dois salários mínimos

Vitor Felix

Segundo a pesquisa feita com 70 artistas do território, menos de 3% desses trabalhadores conseguem manter as despesas familiares somente com o subsídio dos trabalhos artísticos e precisam de outras fontes para complementar a renda. Mais da metade dos entrevistados pela pesquisa se declarou LGBTQIAPN+, o que adiciona mais uma camada aos desafios já apresentados. Se a arte é meio de expressão e de diálogo com o público, muitas pessoas LGBTQIAPN+ enfrentam dificuldades nesses diálogos. Apesar disso, esses artistas constroem seus trabalhos com qualidade, rompem as barreiras do cotidiano e expõem suas criações da maneira que é possível, com olhos abertos para a realidade a sua volta.

Produtores, cantores, musicistas, atores, DJs, dançarinos, escritores, artistas visuais, técnicos de som e luz, há uma grande variedade de profissões no campo das artes em que os trabalhadores sobrevivem por meio de muitas estratégias, com pouca ou nenhuma garantia.
O cenário da pandemia escancarou ainda mais esses obstáculos, e nas favelas a dificuldade é ainda maior, já que muitas festas e manifestações culturais (como os bailes funk) são constantemente criminalizadas e não recebem apoio financeiro ou de logística para acontecer.

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Independência

Profissionais independentes são aqueles que contam apenas com seus próprios recursos ou não estão vinculados a grandes gravadoras, galerias, editoras, empresas ou selos. A independência traz, sem dúvida, a sensação de liberdade criativa, mas pode estar ligada também à insegurança e à incerteza.


O cenário da empregabilidade no Brasil revela a imensa parcela de pessoas sem trabalhos formais, que dedicam sua força de trabalho em serviços e novas modalidades autônomas. Nesse grande universo de brasileiros e brasileiras na luta para manter as contas em dia, os artistas conhecem bem o cenário e não é de hoje. Para os profissionais das artes e trabalhadores da cultura, a formalização do trabalho é um desafio antigo.

Profissão artista

Êlme Peres, de 23 anos, é um dos personagens que desafia este cenário. Cria da Vila dos Pinheiros, ele é ator, cantor, compositor, MC, poeta slammer, percussionista e “o que mais a arte propor”, como ele mesmo se definiu. Começou a trabalhar na arte em projetos do território, como o Percussão Maré e o Entre Lugares, onde se formou em música e teatro. Com o tempo, a paixão pela arte só aumentou, ele formou uma banda com outros artistas musicais mareenses e atuou em diversas peças teatrais até criar o Coletivo Afro Maré, com outros atores e atrizes.

Maré de Notícias(MN): Como você percebe a juventude na Maré que decide trabalhar com arte?
Êlme Peres: Acho muito interessante essa galera que cresceu junto comigo e decidiu fazer da arte seu meio de sobrevivência, mesmo não sendo fácil, ainda mais para nossos corpos favelados. Entendo que é uma forma de expressar tudo o que a gente passou na nossa infância, na adolescência, as injustiças da sociedade e do sistema. A arte é um canal por meio do qual podemos nos expressar. Conheço artistas de várias favelas aqui da Maré e vários têm essa pegada.

MN: Para você, o trabalho de um artista independente é entendido como uma profissão?
ÊP: Eu sou autodidata em todas as áreas artísticas que pratico. Muitas empresas e instituições da sociedade, em geral, não credibilizam a arte de pessoas com formações parecidas com a minha. Para mim, a favela em si é uma forma de academia intelectual. E mesmo pessoas que têm diploma acadêmico são descredibilizadas em vários espaços porque são faveladas.

MN: É possível hoje em dia viver apenas de arte?
ÊP: Na minha vivência, eu preciso recorrer a um plano B para me manter, porque aqui na Maré somos muitos/muitas/muites e, por mais que haja projetos para artistas, eles não abrangem todo mundo. Muitas vezes precisamos abdicar de um trabalho artístico para realizar outro que vai gerar renda. Então é uma luta constante, até chegar um dia que poderemos dizer “eu vivo só da arte”.

MN: Como é ser um artista LGBTQIAPN+ e favelado?
ÊP: Na minha adolescência eu fui me empoderando como uma pessoa preta e, junto disso, me entendi como uma pessoa não-binária. É mais uma camada, não só para a minha arte, mas também da vida. Muitas vezes é necessário falar sobre isso para que eu seja respeitado dentro da minha identidade de gênero. A gente pode festejar, mas sempre que houver oportunidade de falar sobre esse ponto de vista, das pessoas LGBTQIAPN+, é necessário dialogar. Por mais que seja chato explicar isso em 2024, se a gente não explicar e dialogar sobre isso, como as pessoas não vão entender?

MN: Você entende a arte com uma função didática?
ÊP: Sim, eu vejo a arte também como uma forma de educação. Nas minhas poesias transmito uma mensagem, então é uma forma de fazer o público entender muitos assuntos.

MN: O que você projeta para o futuro?
ÊP: Na Maré há muitos projetos para pessoas pretas, para mulheres, para pessoas LGBTQIAPN+, então esses vínculos precisam estar mais próximos, para cada vez crescerem mais. É importante que a gente comece a se ver mais como uma coisa só, independentemente da localização. Quanto mais unidos os coletivos estiverem, isso vai elevar mais a voz de todo mundo. O trabalho de Êlme está disponível em seu perfil no Instagram (@elmeperes) e no perfil do Coletivo Afro Maré (@coletivoafromare). Lá o público pode encontrar suas composições musicais, poesias e performances das quais ele faz parte.

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