Qual é a cara da juventude mareense?

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Ela mostra o poder da diversidade, da resiliência e da transformação ante os desafios

Por Andrezza Paulo

Segundo o Censo Maré (2013), este é um território jovem e negro. Dos moradores dos territórios, 62,1% se declaram pretos ou pardos e 51,9% têm menos de 30 anos. Jovens pretos que se envolvem em iniciativas locais e integram organizações e movimentos que trabalham para promover o desenvolvimento, a igualdade e a justiça social na Maré em diferentes frentes como educação, meio ambiente, direitos LGBTQIAP+, segurança pública, arte e cultura. É uma parcela que tem contribuído na construção de mudanças positivas em suas vidas e nas 16 favelas do conjunto, mesmo diante de dificuldades.

Qual a cara da juventude da Maré? É a da pluralidade. Encontramos acadêmicos, ativistas, funkeiros, pessoas do movimento LGBTQIAP+, artistas e outras tantas formas de ser e estar no mundo. O que podemos afirmar é que a juventude da Maré é forte, provocativa, viva, cada vez mais engajada e decidida a não aceitar menos do que merecem.

Pela Educação

A pesquisa divulgada em abril deste ano pelo Índice de Progresso Social (IPS), realizada pelo Instituto Pereira Passos (IPP), revelou que apenas 7% dos jovens da Maré frequentam a universidade

A Maré tem 49 escolas, mas apenas duas de ensino médio. Embora o acesso limitado à equipamentos e professores qualificados seja um dos maiores desafios da educação nas favelas, a frequente interrupção das aulas por operações policiais é outro fator que precisa ser considerado.

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Vitor Felix é professor e doutorando em literatura hispano-americana na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele conta que sua trajetória foi influenciada pela história da sua família e de outras pessoas que precisaram deixar a escola para trabalhar. 

“Ocupar os espaços universitários é fundamental, mas acho que esses espaços ainda não estão preparados para nossa presença, para os desafios que todo favelado leva para a universidade. É necessário que a favela chegue à universidade e diga quais as nossas necessidades, nossas lutas, porque o mundo universitário ainda é muito cego a tudo que vivemos aqui e o que precisamos superar para nos manter lá, estudando”, diz.

Tiago Carlos é professor de biologia e se debruça sobre o tema do racismo ambiental. Para ele, a Maré tem potencial transformador, mas a educação em relação ao meio ambiente e às mudanças climáticas no território é defasada. 

Tiago diz que aprende dentro do território, se instrumentaliza no ambiente acadêmico e retorna esse conhecimento para a favela: “Trabalho com jovens e muitos não entendem sobre horta, sobre o ambiente que a gente mora. Mas ainda assim, vejo neles um engajamento muito mais intenso que antes.”

Corpos livres

Na Maré, há diversos grupos dedicados à luta por direitos que abarcam sexualidade e gênero. Destacamos o Conexão G, organização com foco na temática dos direitos humanos e da promoção da saúde da população LGBTQIAP+ moradoras de favelas; o Entidade Maré, que tem suas ações concentradas no ativismo e na produção cultural; e a Casa Resistências, que atua na luta pela garantia dos direitos e construção de políticas públicas para mulheres LBT da Maré.

Camila Felippe coordena a Casa Resistências LBT e, para ela, a juventude mareense está reivindicando e disputando a apropriação dos espaços e promovendo acolhimento para os seus: “Cresci em um ambiente onde não conseguia e nem podia ser eu mesma. Na Casa Resistências, queremos que a pessoa se sinta em um ambiente acolhedor.” 

Camila ressalta ainda o poder da juventude neste processo de transformação social. Segundo ela, “os jovens já não aceitam ficar em lugares nos quais não são bem-vindos ou que não possam se sentir bem. Vejo a juventude da Maré como um grupo muito potente”.

Múltiplos perfis

Milu Almeida é artista do espetáculo Noite das Estrelas e sabe bem o que seu corpo representa: “Cada vez mais vejo as corpas LGBTQIAP+ se desenvolvendo mais rápido, isso é ótimo. Imagina com oito anos você saber e se reconhecer com uma criança viada ou uma criança trans, é lindo! Hoje compreendo o quanto a juventude é importante para a visibilidade LGBTQIAP+, porque é a partir das trocas com os colegas e amigos que vamos mostrando a possibilidade de futuro transgressor.” 

Luiz Menezes é estudante de ciências sociais da UFRJ e foi eleito conselheiro municipal da juventude do Rio de Janeiro em 2022, com o maior número de votos. O jovem é cria da Nova Holanda, e tem reivindicado neste espaço políticas públicas para a juventude negra, pobre e favelada.

 “Penso a favela como território que remonta um saber ancestral e de resistência dos povos negros; é o que se tem de mais legítimo no Brasil”, diz. 

Luiz também fala que a juventude não deve ser retratada com um único perfil: “Sou um jovem, negro, gay e favelado dentro da universidade, do conselho municipal e de tantos outros espaços de poder. A juventude não se dá de maneira universal. Pensar essa diversidade perpassa compreender dinâmicas de gênero, sexualidade, raça, classe, território e muitos outros atravessamentos. Por isso, as juventudes são protagonistas na luta por uma sociedade mais justa e igualitária.”

Arte e identidade

Suellen Melo é produtora cultural, fotógrafa, roteirista e diretora. Ela percebe a produção de imagens feitas na favela como uma disputa. 

“Isso é algo que me atrai no audiovisual e tantas outras artes feitas na periferia. Comecei a estudar como poderia fazer filmes e acabei fazendo dois filmes autobiográficos através do Museu da Maré, o Neguinha do Morro do Timbau e o Independência. Hoje compreendo que não preciso me envergonhar de quem sou, nem do que fiz pra chegar até aqui”, confessa. 

Stacy Ferreira produz manifestos culturais através dos versos. A jovem apresentou seu texto sobre a segurança pública na Maré para o presidente Luís Inácio Lula da Silva em março deste ano.

Segundo ela, a poesia falada permite elevar a voz de pessoas silenciadas: “A poesia nos possibilita manifestar em forma de arte a nossa resistência contra os ataques que enfrentamos na nossa casa. E eu vejo que hoje, os jovens da Maré estão servindo como canais de influência, mostrando a diversidade que a nossa favela tem”, explica.

Base primordial

Na música, há jovens que criam, espalham e multiplicam aquela que é, atualmente, uma das maiores potências da cultura favelada: o funk. Esse é o caso do DJ Renan Valle, que aconselha a juventude a seguir seus sonhos, mesmo diante das dificuldades.

 Negro retinto, Renan representa o jovem que, diariamente, é o que mais corre riscos de ter a vida ceifada pela violência e letalidade policial nas favelas. O DJ é enfático quando o assunto é os jovens da Maré: 

“Eu quero que eles vejam que são a base e podem, sim, mudar o mundo. Os ancestrais que ocuparam este território deixaram sementes, que são esses jovens. Eu também quero deixar a minha semente através do funk e mostrar para eles que existem outras formas de viver”, conclui.

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