Quem recebe os refugiados afegãos?

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Uganda anuciou que o páis africano irá receber cerca de dois mil refugiados do Afeganistão

Por Alexandre dos Santos em 21/08/2021 às 07h

Que países ocidentais já acenaram com a possibilidade de receber imigrantes afegãos, além dos vizinhos do Afeganistão? Além do Canadá, que anunciou a disposição de receber algumas dezenas de fugitivos do regime salafista talibã, apenas o Uganda se prontificou imediatamente a receber ao menos os que prestavam serviços aos estadunidenses, como intérpretes e funcionários da embaixada.

O anúncio de que o país receberá cerca de dois mil cidadãos em condição de refúgio foi a ministra de Estado do “Socorro, Preparação para Desastres e Refugiados” (tradução minha para o nome da pasta), Esther Anyakun. A decisão foi fruto de um acerto entre os presidentes Yoweri Museveni e Joe Biden.

Ainda não foi divulgado onde os primeiros 500 afegãos serão abrigados, mas, pelo acordo, os estadunidenses arcarão com as despesas, inclusive de envio de testes pra Covid-19 e custos com a manutenção de um centro de isolamento para os que estiverem contaminados, adiantou a ministra Anyakun. Os refugiados ficarão nos país pelo menos até novembro de 2021.

A escolha do Uganda não foi aleatória. O país é o que mais recebe refugiados no continente africano (e o terceiro maior do mundo). O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (o Acnur) estima cerca de 1,5 milhão de pessoas estabelecidas em solo ugandense. Cerca de 90% vêm de dois países vizinhos: a república Democrática do Congo (com quem tem a fronteira mais extensa a oeste) e o do norte, o Sudão do Sul, o país mais jovem do mundo, estabelecido em 2011 e que, infelizmente, vive um cenário de instabilidade e guerra civil desde 2013.

Por sua vez, os soldados ugandenses já fizeram parte de esforços internacionais de manutenção e promoção da paz, participaram das forças da ONU em zonas de comflito importantes como o Iraque e o próprio Afeganistão. Atualmente fazem parte da Amison, a Missão União Africana para a Somália, unindo esforços da Etiópia e do Quênia no combate aos radicais jihadistas do grupo al-Shabbab. A Somália vive uma realidade de destabilização política e social desde 1991, quando o ditador Mohamed Siad Barre foi derrubado do poder e, no vácuo, vários grupos armados surgiram e foram fragmentando e ocupando regiões do país numa dinâmica parecida com a que acontece com os grupos milicianos que tomam e controlar partes do Rio de Janeiro.

O Uganda também é reconhecido como um dos países africanos que mais garantem direitos aos asilados, como vagas em escolas e ofertas de trabalho, principalmente em áreas agrícolas. Muitos recebem até lotes de terra.

Mas os ugandeses não vivem no éden. Yoweri Museveni está no poder desde 1986, concentra cada vez mais poder e persegue jornalistas, políticos de oposição, artistas e quem mais exerça qualquer posição crítica ao governo. Nas eleições mais recentes, em janeiro de 2021, o presidente do Uganda venceu o pleito com 58% dos votos contra o seu principal rival, o poeta, rapper, estrela pop e deputado Bobi Wine, escolhido por quase 35% dos eleitores, principalmente os mais jovens. Com receio da rede de apoio que Wine ganhou nas redes sociais e das manifestações de apoio nas ruas, Museveni derrubou a internet nas principais cidades e o acesso às redes sociais. Pôs militares nas ruas e prendeu os manifestantes alegando risco de aglomeração por causa da Covid-19. Acusado pela oposição de promover fraudes eleitorais em larga escala (lá no Uganda o voto é “impresso e auditável” por correligionários do governo, diga-se de passagem) o presidente manteve Bobi Wine e demais contestadores dos resultados eleitorais em prisão domiciliar.

Mesmo com seus defeitos foi Uganda (mesmo que com um pedido formal e ajuda financeira dos EUA) quem abriu as portas e a possiblidade de receber, em regime emergencial, os afegãos em situação de refúgio.

Alexandre dos Santos é jornalista e professor de História do Continente Africano no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

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