Racismo ambiental: a urgência de falar sobre e executar políticas de combate

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Flavinha Cândido*

Nos últimos dias, a polêmica em torno do conceito de racismo ambiental assumiu uma nova complexidade no cenário carioca, agravada pelas intensas chuvas que provocaram alagamentos em diversos bairros e municípios do estado. Nesse contexto, a atuação da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, se tornou crucial ao trazer à tona a discussão por meio da divulgação de um vídeo nas redes sociais. Na gravação, Anielle não apenas evidenciou as marcas palpáveis dos alagamentos nas comunidades mais afetadas, mas também lançou uma reflexão crucial ao questionar a predominância racial nesses locais.

A ministra não está inventando o termo racismo ambiental. Ao contrário, ela está destacando a existência de uma realidade muitas vezes negligenciada. Ao levantar a questão da cor predominante nas áreas impactadas, Anielle Franco busca chamar a atenção para a interseção entre fatores raciais e ambientais, reconhecendo a existência de disparidades sistêmicas que afetam desproporcionalmente comunidades socialmente marginalizadas. No entanto, sua iniciativa não foi recebida unanimemente, encontrando resistência por parte daqueles que, de maneira equivocada, contestam a existência do racismo ambiental.

Essa reação contraditória destaca a urgência de aprofundar o entendimento sobre o racismo ambiental, mostrando que, longe de ser uma invenção recente, é uma realidade profundamente enraizada que remonta às décadas de 1970 nos Estados Unidos. Anielle Franco não apenas destaca a problemática, mas também enfrenta o desafio de educar e sensibilizar uma sociedade que muitas vezes nega ou minimiza a existência dessas disparidades. Assim, sua atuação se torna um catalisador para uma discussão mais ampla e informada sobre as interseções entre raça e meio  ambiente, que são fundamentais para avanços significativos em políticas públicas e conscientização social.

A utilização do termo racismo ambiental remonta ao trágico episódio da contaminação química em Love Canal, Niagara, Nova York, em 1978, quando moradores de um conjunto habitacional descobriram que suas residências foram construídas próximo a um canal aterrado com resíduos químicos industriais e bélicos. Esse evento catastrófico nos Estados Unidos despertou a atenção para a interseção entre questões ambientais e raciais, revelando a disparidade na distribuição de riscos e recursos. No Brasil, os primeiros casos de justiça e racismo ambiental começaram a ser denunciados no final da década de 1980, desmistificando a ideia de uma invenção recente e evidenciando uma realidade que ganhou maior visibilidade atualmente, em parte, devido à longa omissão das questões de racismo no país.

No Brasil, os primeiros discursos sobre justiça climática e racismo ambiental começaram a ser pronunciados no final da década de 1980. Ao contrário do que se pensa, a utilização do termo racismo ambiental não é uma construção recente, mas sim uma realidade profundamente enraizada que remonta a décadas passadas, evidenciando a persistência histórica desta problemática, contudo, trata-se de uma realidade que ganhou proeminência no século XXI, em razão, em parte, da prolongada negligência em relação às questões de racismo no país, destacando a relevância atual do fenômeno.

Fundamental é ressaltar o mito da democracia racial, uma concepção forjada por “intelectuais” brasileiros nos séculos XIX e XX, que Abdias Nascimento e outros pensadores questionam de forma incisiva. Abdias Nascimento, em particular, empenhou-se ao longo de sua vida na desmistificação do racismo velado no país, constituindo-se como uma figura central na denúncia das raízes profundas desse problema. Seu ativismo não apenas desafiou a narrativa ilusória de harmonia racial, mas também serviu como um alicerce para evidenciar a urgência imperativa de políticas públicas que abordem as áreas vulneráveis e combatam as estruturas discriminatórias enraizadas na sociedade

A doutora em Ciências Sociais, Lays Helena Paes e Silva, ressalta que o racismo ambiental está intrinsecamente ligado à distribuição injusta de recursos e problemas ambientais. Ela questiona:

“Pergunte a si mesmo, onde vive a maioria da população negra? Quais são os bairros mais afetados pela poluição, contaminação e falta de acesso à energia? Essa injustiça distributiva tem uma forte dimensão racial, histórica e frequentemente negada”

Ao questionarmos onde reside a maioria da população negra e quais bairros são mais afetados pela poluição, contaminação e falta de acesso à energia, percebemos uma injustiça distributiva profundamente enraizada, muitas vezes negada e historicamente marcada por uma dimensão racial e classista.

O racismo ambiental é uma realidade muitas vezes negligenciada, mas que tem implicações profundas na vida de regiões tidas como “marginalizadas”. Para promover mudanças significativas nessas áreas, é essencial vocalizar o termo racismo ambiental.

Entender o racismo ambiental como uma realidade que vai além de meros desastres naturais é crucial. Ele é evidenciado nas regiões mais desfavorecidas do Brasil, como favelas, periferias, quilombos e comunidades ribeirinhas, locais habitados majoritariamente por pessoas de baixa renda, pretas e até abaixo da linha da pobreza, que enfrentam de maneira mais intensa as consequências dos eventos climáticos extremos, pois não há prevenção feita pelo poder público.

A invisibilidade do racismo ambiental perpetua a desigualdade, impedindo o reconhecimento e a compreensão generalizada dessa questão crucial. Dar visibilidade ao termo é o primeiro passo para mobilizar a opinião pública, sensibilizar autoridades e criar um ambiente propício para a implementação de medidas eficazes.

Visibilizar e conscientizar a sociedade sobre o racismo ambiental é o primeiro movimento para a criação de políticas públicas transformadoras. Ao conscientizar a sociedade e envolver as pessoas que são cotidianamente afetadas, pode-se cobrar de maneira mais decisiva o lapso de interesse dos governantes em promover um ambiente mais justo e sustentável.

A falta de investimento em infraestrutura nessas regiões torna-se uma das principais falhas nas políticas públicas, perpetuando o ciclo do racismo ambiental. A ausência de prevenção, saneamento básico adequado e estratégias de resposta a desastres contribui para a vulnerabilidade dessas populações que não têm nenhum privilégio.

No âmbito do poder executivo, políticas públicas simples, como infraestrutura básica, habitação adequada, planejamento urbano igualitário, educação ambiental e conscientização, resposta a desastres e empoderamento comunitário, são fundamentais. Essas políticas corrigirem as falhas existentes, exigindo um compromisso renovado com políticas públicas mais justas, distribuição equitativa de recursos e investimentos significativos em infraestrutura e serviços para todas as regiões.

É fundamental construir um futuro com ato preventivo em relação às sociedades mais atingidas. Isso é categórico para quebrar o ciclo do racismo ambiental. Isso exige não apenas conscientização, mas a implementação urgente de políticas públicas que atendam às necessidades específicas dessas áreas, fazendo justiça às populações muitas vezes esquecidas pelo poder público e que sempre sofrem as grandes consequências da falta de investimento.

*Flávia Cândido é Assessora Parlamentar, Professora de Língua Portuguesa e Literaturas no Pré vestibular Comunitário Estudando Pra Vencer e formada em Letramento Racial no Instituto Ayó

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