Racismo e desigualdade no Brasil

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Como a discriminação da população negra historicamente enraizada no modelo socioeconômico impede a redução da desigualdade

O trabalho social sempre mobilizou a mineira Helena Edir Vicente pela melhoria da qualidade de vida na favela onde vive e contra as desigualdades. Ainda jovem atuava nos segmentos organizados da Igreja Católica, na cidade natal, Conselheiro Lafayete, uma das mais antigas do estado, a cerca de 100 km de Belo Horizonte. Ela veio para o Rio de Janeiro, aos 20 anos, em 1970. E em 1974 passou a residir na Nova Holanda, na Maré, por ficar mais perto da empresa onde trabalhava, em São Cristóvão. Era um tempo difícil, não tinha água, a luz elétrica era precária e Helena não correu da luta.

Hoje Helena Edir integra a direção da Redes da Maré e não se furta a contar histórias e episódios que viveu por ser uma

Foto: Elisângela Leite

mulher negra. “Uma vez um rapaz, que não me conhecia, deixou o copinho de café cair no chão e eu estava chegando na sala naquela hora. Ele olhou para mim e disse: vá buscar um pano de chão para limpar essa sujeira. E eu respondi: tem pano na copa. Você pode ir pegar para limpar. Sabe o que é? Ninguém está acostumado a ver uma mulher negra ocupar um cargo de direção de uma instituição”.

De fato, pesquisadores têm mostrado que o senso comum no Brasil, a partir de papeis definidos e estratificados no sistema socioeconômico nacional, se espanta ao encontrar mulheres negras no comando de uma empresa ou instituição, como se espanta também ao encontrar homens brancos que estejam na condição de trabalhadores domésticos ou diaristas. E estudos feitos regularmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, Dieese,reforçam que Helena Edir tem razão. As negras e negros têm os empregos mais precários e os menores salários. E num momento de crise, como agora, são ainda os mais atingidos pelo desemprego.

A Organização das Nações Unidas, a ONU, atesta que entre 94 e 2014 o Brasil tomou iniciativas para reduzir as desigualdades sociais e raciais, mas declara que o país fracassou na tentativa de mudar a realidade de discriminação contra a população negra. Em seu relatório sobre Direito de Minoria, concluído ainda no primeiro semestre deste ano, diz que “lamentavelmente, a pobreza continua tendo cor”: das cerca de 16 milhões de pessoas que vivem na extrema pobreza no país, mais de 70% delas são “afro-brasileiros”. E os salários médios dos negros são mais de duas vezes mais baixos. Mesmo com projetos como Bolsa Família, “a desigualdade continuou”. Para os pesquisadores da ONU, o mito da democracia racial, que, durante muito tempo, levou ao entendimento de que “marginalização da população negra” era apenas uma questão de classe, impediu o enfrentamento de questões como o preconceito contra o afro-brasileiro.

Para Marcelo Paixão, economista e Coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) da UFRJ, autor de obras importantes como “500 anos de solidão: Ensaio sobre as desigualdades raciais no Brasil”,o racismo neste país tem caráter estrutural: “A marca racial das pessoas é uma variável decisiva no processo de classificação social. Ou seja, as pessoas são constantemente valorizadas, ou desvalorizadas, de acordo com a cor de sua pele, tipo de cabelo e traços faciais que revelem sua ancestralidade. Isto vale para o acesso aos mecanismos de mobilidade social e aos direitos sociais coletivos. Por exemplo, para pessoas socialmente identificadas como negras (os pretos e os pardos, tal classificados pelo IBGE) a taxa de desemprego costuma ser maior e a remuneração no trabalho costuma ser pior que o das pessoas brancas. Em grande medida, estas dimensões dialogam com os diferentes ciclos de desvantagens que aquelas pessoas vão acumulando ao longo de suas vidas. Finalmente, considerando o peso relativo dos negros na população brasileira, 52%, tais processos acabam impactando nossa pirâmide social e o formato assumido pelas desigualdades sociais no país. Estes são alguns dos motivos que me fazem apontar que as desigualdades raciais são estruturantes das assimetrias sociais”, afirma Marcelo.

A afirmação do Coordenador do Laeser da UFRJ remete luz sobre a discriminação enraizada e pobreza que pesam sobre a população negra brasileira que se revelam em estatísticas repetitivas e detentoras de um certo cinismo histórico:

O recente sistema de cotas raciais, adotado por universidades federais e diversos concursos em redes públicas de ensino,

“A marca racial das pessoas é uma variável decisiva no processo de classificação social. As pessoas são constantemente valorizadas, ou desvalorizadas, de acordo com a cor de sua pele, tipo de cabelo e traços faciais que revelem sua ancestralidade”, Marcelo Paixão, Coordenador do Laeser da UFRJ
“A marca racial das pessoas é uma variável decisiva no processo de classificação social. As pessoas são constantemente valorizadas, ou desvalorizadas, de acordo com a cor de sua pele, tipo de cabelo e traços faciais que revelem sua ancestralidade”, Marcelo Paixão, Coordenador do Laeser da UFRJ

aumentou o número de estudantes negros na educação superior e em escolas de excelência. Mais ainda é insuficiente e precisa ser expandido para outras áreas, como o Judiciário, por exemplo. “As políticas de ação afirmativa têm seu fundamento no tratamento desigual a pessoas desiguais visando justamente a redução destas desigualdades em termos sociais, econômicos e políticos. Elas podem ser adotadas pelo setor público e privado. E onde foram adotadas acabaram tendo um impacto positivo em termos das reduções das desigualdades de gênero e racial. Portanto, as ações afirmativas, somadas a outras medidas visando a redução das desigualdades e das injustiças sociais, são instrumentos valiosos no sentido da construção de uma nova sociedade fundada em valores mais fraternos e igualitários”, conclui o economista Marcelo Paixão.

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