Redução da escala 6×1: um impacto social urgente nas Favelas

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*Flavinha Cândido

O debate sobre a escala 6×1 ganhou força nas redes sociais nas últimas semanas, impulsionado pela apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe a eliminação desse regime de trabalho. A proposta sugere a adoção de uma jornada de 36 horas semanais, divididas em quatro dias, o que seria uma mudança significativa em relação ao modelo atual, que prevê seis dias de trabalho consecutivos para apenas um dia de folga. A PEC já conta com 134 assinaturas e tem gerado discussões importantes sobre os direitos dos trabalhadores, especialmente aqueles que vivem em favelas e periferias.

A escala 6×1 é um modelo de jornada de trabalho regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que permite ao empregado trabalhar seis dias seguidos e descansar apenas um. Na prática, a jornada diária é de 7h20, totalizando 44 horas semanais. Este regime é comum em setores como comércio, hotelaria, bares e restaurantes, que demandam funcionamento contínuo e atendimento ao público todos os dias da semana. No entanto, para trabalhadores que residem em favelas, esse modelo representa um desafio ainda maior, uma vez que as condições de vida e de deslocamento impactam diretamente sua saúde e bem-estar.

De acordo com o IBGE, o Brasil tem atualmente 11.403 favelas, abrigando aproximadamente 16 milhões de pessoas. Nessas localidades, a maioria dos trabalhadores atua em setores informais ou em ocupações que frequentemente adotam a escala 6×1, como comércio e serviços gerais. Além disso, muitos desses trabalhadores enfrentam jornadas exaustivas e vivem longe de seus locais de trabalho, o que aumenta ainda mais o tempo gasto em deslocamentos diários. Para quem mora em favelas, o trajeto pode levar até três horas por dia, devido à precariedade do transporte público e à distância até o centro das cidades. Assim, o único dia de folga muitas vezes se torna insuficiente para descanso, atividades de lazer ou cuidados pessoais.

A advogada trabalhista Maria Lucia Benhame, especialista em Direito Sindical, destaca que a escala 6×1 é especialmente prejudicial para quem vive em regiões periféricas. “Os trabalhadores dessas áreas já enfrentam uma série de desafios, desde a violência urbana até a falta de infraestrutura e serviços básicos. A escala 6×1 agrava essa realidade, pois consome grande parte do tempo e da energia dessas pessoas, deixando pouco espaço para o descanso necessário e para a vida familiar,” explica Benhame. Ela ressalta ainda que o modelo atual desconsidera a realidade dos trabalhadores que vivem em contextos de vulnerabilidade, onde as dificuldades cotidianas são amplificadas.

A proposta de Erika Hilton para abolir a escala 6×1 e implementar uma jornada semanal de 36 horas é vista como um avanço na modernização das leis trabalhistas e uma medida de justiça social. Países como Islândia, Japão, França e Nova Zelândia têm experimentado jornadas de trabalho reduzidas e observaram resultados positivos, como aumento da produtividade, maior satisfação dos empregados e redução do absenteísmo. No Brasil, a adoção de uma jornada mais curta poderia beneficiar especialmente os trabalhadores das favelas, que teriam mais tempo para o descanso, para cuidar da saúde e para buscar novas oportunidades de qualificação e lazer.

Nas favelas, a questão da jornada de trabalho não é apenas uma discussão sobre carga horária, mas também sobre qualidade de vida. Muitos desses trabalhadores são mulheres negras, chefes de família, que além da jornada formal de trabalho, ainda desempenham funções de cuidado em suas casas, cuidando de filhos, parentes idosos ou doentes. A sobrecarga de trabalho, aliada à escala 6×1, contribui para o aumento de problemas de saúde física e mental, como estresse, ansiedade e fadiga crônica. A redução da jornada poderia trazer alívio significativo e permitir uma reorganização do tempo, contribuindo para um equilíbrio maior entre vida profissional e pessoal.

A discussão sobre a PEC proposta também levanta questões sobre a necessidade de adaptação das empresas e sobre os possíveis impactos econômicos. No entanto, especialistas apontam que, em longo prazo, a mudança pode ser benéfica para empregadores e empregados. Estudos mostram que trabalhadores mais descansados tendem a ser mais produtivos, menos propensos a acidentes de trabalho e menos ausentes devido a problemas de saúde. Além disso, uma jornada de trabalho mais curta pode incentivar a contratação de novos empregados, contribuindo para a redução do desemprego.

Para a população das favelas, a aprovação da PEC seria uma forma de reconhecer a desigualdade existente nas condições de trabalho e vida. A mudança na legislação trabalhista representaria um avanço na luta por direitos e dignidade, especialmente para aqueles que mais sofrem com a precariedade do trabalho. É essencial que o debate sobre a redução da jornada de trabalho inclua a realidade dos moradores de favelas, considerando suas especificidades e demandas. Afinal, garantir um dia a mais de descanso pode significar mais tempo para a família, para o autocuidado e para a luta por um futuro melhor.

A proposta de redução da escala 6×1 surge como uma esperança para milhões de trabalhadores que enfrentam uma rotina extenuante e injusta. Ao repensar o modelo de jornada de trabalho, o Brasil tem a oportunidade de avançar em direção a um país mais justo e igualitário, onde todos possam usufruir de uma vida digna, com tempo para descansar, cuidar da saúde e buscar novos horizontes. A expectativa é que o Congresso Nacional leve em conta a realidade dos trabalhadores de favelas e aprove uma medida que poderá transformar para melhor a vida de milhares de famílias brasileiras.

*Mãe, moradora da Maré. Foi assessora de Marielle Franco, ativista no Coletivo Maré 0800 e Maré de Resistência, professora de Letras e Pós-Graduada em Letramento Racial, idealizadora do Racial Favelado (Instagram) e colaboradora em projetos como Dicionário de Favelas Marielle Franco e Plano Fiofavela.

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