Relator Especial da ONU se reúne com organizações e coletivos na Maré

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Representante da organização internacional irá mapear violências e violações de direitos para formalização de relatório 

Por Jéssica Pires, em 06/04/2022 às 10h18. Editado por Tamyres Matos

Clemant Voule, diplomata e jurista nascido no país africano Togo, atua como Relator Especial das Nações Unidas sobre os Direitos à Liberdade de Reunião Pacífica e de Associação desde 2018. O representante da ONU está em visita ao Brasil desde 28 de março e já passou pelas cidades de Brasília, Salvador, São Paulo e, agora, Rio de Janeiro ouvindo autoridades governamentais, membros das forças de segurança e das forças armadas, membros do legislativo e judiciário, agências da ONU, diplomatas, entre outros. Nesta terça-feira, 5 de abril, ele se encontrou com representantes de organizações da sociedade civil e movimentos sociais e de favelas no Centro de Artes da Maré. 

O relator passou o dia em uma programação na Maré que reuniu em rodas de conversa distintas cerca de 15 organizações e 30 movimentos e coletivos de favelas e direitos humanos, inclusive o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, que é composto por 45 organizações da sociedade civil e a Anistia Internacional Brasil. 

Entre os principais desafios sinalizados pelos representantes das organizações ao relator estavam: a falta de rede de apoio e proteção de lideranças e ativistas pelos direitos humanos; contextos políticos em todas as esferas com histórico de uso impróprio das forças de poder; discursos e práticas da sociedade civil que fundamentam ataques e perseguição a organizações e lideranças de favela e periferias, quilombolas, indígenas, pessoas LGBTQIA+ e outros; a naturalização da truculência das ações das forças policiais em espaços de favelas e do extermínio de pessoas, sobretudo jovens pretos; a limitação ao acesso de diversos direitos (educação, saúde, mobilidade, por exemplo) nos territórios de favelas a partir da ação da polícia; fragilidades no processo investigativo das ações policiais e a descrença geral no sistema de justiça do país.

Direitos na Maré

A agenda do relator no encontrou se iniciou com a apresentação do território por meio de lideranças locais. Eliana Sousa, diretora da Redes da Maré, organização que acolheu a visita no Centro de Artes da Maré, destacou a importância de ser pautada uma agenda no campo dos direitos para a Maré e outras favelas e políticas que vejam a cidade de forma integrada: “existe uma falta de compromisso e negligência do Estado sobre outros direitos além da segurança pública nas favelas”. Gilmara Cunha, cofundadora e diretora do Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas, organização da sociedade civil fundada em 2006, enfatizou que a ação do Estado na Maré é exemplo do que não se deve fazer no campo dos direitos. 

Após a reunião, Clemant vai apresentar suas observações preliminares ao Governo Federal e também em uma conferência de imprensa virtual em São Paulo nesta sexta-feira, dia 8 de abril. O relator destacou a importância dos representantes dos coletivos e organizações apontarem práticas positivas do Estado para que ele pudesse encorajá-las e refletiu sobre a importância da discussão de práticas antiproibicionistas do uso de drogas como um caminho que tem deixado resultados positivos na experiência de outros países. Outra preocupação relatada pelo diplomata foi a liberdade e possibilidade de interferências nas eleições que acontecerão este ano no Brasil.

O resultado deste processo de escuta e mapeamento será um relatório a ser encaminhado ao governo brasileiro e a outras instâncias da Organização das Nações Unidas em 2023.

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