Em ano de eleição, prefeito inaugura até tomógrafo e raio X

Data:

Os aparelhos foram instalados, mas sem previsão de atendimento à população da Maré

Hélio Euclides e Thaís Cavalcante

O Centro de Imagem da Clínica da Família Adib Jatene, na Vila do Pinheiro, uma das 16 favelas da Maré recebeu a instalação de um tomógrafo e de um aparelho de raio-x, neste sábado (30). Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, o aparelho estará em funcionamento nos próximos dias após a conclusão dos testes e treinamento das equipes.  O tomógrafo faz exames de imagem fundamentais para o diagnóstico precoce da pneumonia viral, sintoma de infecção pela Covid-19. A capacidade de exames é de 1.200 por mês. 

A escolha do local levou em conta a disponibilidade de espaço e a facilidade de acesso. O primeiro tomógrafo do Complexo da Maré poderá atender pacientes das quatro clínicas da família e dos três centros municipais de saúde que funcionam na região.  Apesar de inaugurado, não há data prevista para o funcionamento.

O uso do equipamento

O tomógrafo é um equipamento de alta resolução utilizado para ajudar a diagnosticar fraturas, tumores, AVC (acidente vascular cerebral), nódulos e o estágio do vírus Covid-19. “Esse passo é para vencer a luta contra a Covid-19. O morador da Maré tem uma dificuldade para marcar esse tipo de exame, pois para chegar aos hospitais precisa passar pelo Sisreg (Sistema de Regulação). Essa dificuldade vai terminar com esses aparelhos aqui”, comenta Fábio Pinheiro, conhecido como Fabinho, superintendente de supervisão regional da Área Programática 3.1. Apesar da Prefeitura afirmar o relaxamento do isolamento social a partir de junho, Fabinho pediu que a população da Maré fique em casa.

Cadê os moradores?

O evento chamava atenção pela ausência de moradores, com presença apenas de funcionários da Prefeitura, lideranças da Maré e correligionários do prefeito Marcelo Crivella. Um dessas lideranças foi Hildebrando Gonçalves, conhecido como Del. “Esses equipamentos não vão ajudar só essa favela, mas toda a Maré. Um passo necessário é que a Maré precisa da criação de um pólo de tratamento. Outro ponto é melhorar a Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva, na Nova Holanda, que sofre com a energia elétrica e ausência de consultório dentário. Parabenizo o trabalho da Redes da Maré, nesse momento tão delicado e num local de ausência do poder público”, expõe.  

“Esses equipamentos são essenciais para atender as quase 150 mil pessoas que moram na Maré. Com o fim da pandemia, esses equipamentos vão continuar na Maré. Outra boa notícia é a construção da segunda fase da obra, que deve ficar pronta em 30 dias, que é a entrega de 24 leitos”, esclarece Heitor Pereira, administrador regional da 30ª Região Administrativa. 

Só pra “inglês” ver

Neste ano de eleições, é possível contabilizar inaugurações, mas do outro lado falta a manutenção dos equipamentos que já existem. Por exemplo, ainda há aparelhos não consertados e a falta de medicamentos. “Não espero muito desses equipamentos, pois o mínimo, que é remédio, falta nas farmácias das Clínicas da Família da Maré”, reclama a moradora da Vila dos Pinheiros, Rosemi Nunes, que se trata na Clínica da Família Adib Jatene. 

A secretária municipal de saúde Ana Beatriz Busch garantiu que os equipamentos não serão removidos após a pandemia. O Maré de Notícias questionou a secretária sobre o problema de falta de instalação elétrica e uso de gerador na Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva, na Nova Holanda. “Estamos tentando resolver essas pendências nas clínicas, pois a prefeitura tem como prioridade a saúde”, resume. 

Em discurso, o prefeito Marcelo Crivella falou que a instalação do Centro de Imagem na Maré é o trabalho de prevenção, mas não garantiu médicos. “Aqui não tem o médico o todo tempo, por isso a instalação de equipamentos computadorizados, onde haverá especialistas para sair logo os laudos”, declarou o prefeito esquecendo que os laudos também são emitidos por médicos.

Michele Galdino, gerente da Clínica da Família Adib Jatene, explicou que era difícil para o morador da Maré marcar esses tipos de exames. Que o espaço vai facilitar a realização e o resultado. Sobre quantos moradores poderão ser atendidos e a partir de quando, ela não soube explicar. “Não temos como saber como será esse fluxo de uso. Não tenho data determinada para abertura, pois estamos no aguardo de funcionários”, responde. Mesmo com a ligação do cabo de baixa tensão ao poste do Centro de Imagem, o anexo usa dois geradores de energia da empresa Energy Locação. A gerente disse apenas que não há prazo para a conclusão da obra.

Estoque baixo de medicamentos

De acordo com a reclamação de moradores, a Clínica da Família Jeremias de Moraes Silva, que atende as favelas Nova Holanda, Rubens Vaz e Parque Maré, tem sofrido a falta frequente de remédios. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, não há falta de medicamentos de hipertensão e controlados em geral, mas devido a dificuldades do mercado, alguns medicamentos estão com estoques baixos na rede. O nome dos remédios não foram informados. A Secretaria Municipal de Saúde afirmando ainda que está fazendo os remanejamentos entre as unidades para que não haja faltas, até que a situação se normalize.

Números omitidos da Covid

Há 15 dias o número de mortes no Painel da Prefeitura parou de ser divulgado. Desde quarta feira(27/5) a plataforma voltou a disponibilizar os números, mas eles não batem com as demais fontes oficiais. O painel da Prefeitura mostra o número de mortes do Ministério da Saúde (3.578), mas ao mesmo tempo tem como dados de sepultamentos o número muito menor. (2.083). “São apenas números. Antes demorava mais tempo para um resultado exato, agora não”, diz a secretária municipal de saúde Ana Beatriz Busch. Apesar do grande número de moradores que circulavam pela frente da clínica, Beatriz ironicamente agradeceu a população que está entendendo o isolamento, para não sobrecarregar o atendimento.

Quebra do isolamento social 

Crivella fez questão de falar sobre o relaxamento do isolamento social. “Estamos estudando para o retorno à normalidade. Já chegamos a 400 mortos diários e hoje são 160 pessoas. Desses números enterrados, no máximo 90 foram de coronavírus, os outros foram doenças crônicas que se descontrolaram”, diz. Depois tentou explicar a fala: “A curva desceu. Precisamos entender que na nossa sociedade se nasce e morre, é uma cadência.” Mas não explicou a fonte do dado citado mostrando a queda de mortes, já que diariamente tanto a cidade quanto o estado, de acordo com Ministério da Saúde, só tem números ascendentes tanto em mortes quanto em casos.

Logo depois, Crivella repetiu o discurso do presidente Jair Bolsonaro. “Existe um enorme pedido para o retorno ao trabalho, para sair do prédio e abrir o comércio. Para isso, é só ter medidas de higiene, resguardar os idosos e doentes crônicos para que a linha não suba, não ocorra retrocesso”, afirma. Após agradecer a presença de funcionários da Prefeitura e lideranças, o prefeito mostrou-se perdido e perguntou: “Qual o nome dessa clínica?” Ao ser informado, ficou sem graça e explicou que Adib Jatene era um grande médico. Ao final, enfatizou que a Prefeitura vai tentar derrubar a liminar que proíbe a abertura de igrejas. 

Repercussão na internet

Nas redes sociais, muitos moradores criticaram a inauguração. “Poxa, ficaria feliz se o raio-x da UPA 24 hrs não estivesse quebrado”, publicou Verônica André Barbosa. “O Pessoal só deve prestar atenção porque essas instalações estão sendo feitas como forma de propaganda política. Na Pavuna também foi instalado um tomógrafo num lugar que alaga. Se na porta aparecer aquela faixa agradecendo ao prefeito é somente a confirmação do uso eleitoreiro”, relatou Sérgio Maurício.

Na Rocinha a mesma ladainha

No mês de maio, um episódio de instalação de tomógrafo causou estranheza aos moradores da Rocinha. O Prefeito Marcelo Crivella, que também é pastor evangélico, resolveu instalar um tomógrafo na garagem da Igreja Universal do Reino de Deus e a Justiça do Rio de Janeiro liberou a instalação, alegando que a mesma respeita critérios técnicos.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por um Natal solidário na Maré

Instituições realizam as tradicionais campanhas de Natal. Uma das mais conhecidas no território é a da Associação Especiais da Maré, organização que atende 500 famílias cadastradas, contendo pessoas com deficiência (PcD)

A comunicação comunitária como ferramenta de desenvolvimento e mobilização

Das impressões de mimeógrafo aos grupos de WhatsApp a comunicação comunitária funciona como um importante registro das memórias coletivas das favelas

Baía de Guanabara sobrevive pela defesa de ativistas e ambientalistas

Quarenta anos após sua fundação, o Movimento Baía Viva ainda luta contra a privatização da água, na promoção da educação ambiental, no apoio às populações tradicionais, como pescadores e quilombolas.