Se beber, se cuide

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Providências simples, mas eficientes, ajudam a reduzir os efeitos indesejáveis do álcool

Maré de Notícias #99

Por: Camille Ramos

Sabe quando aquele amigo pede uma garrafa de água depois de uma cerveja no bar? Sabendo, ou não, ele está utilizando um recurso de redução de danos –  uma das estratégias de saúde pública para ajudar pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas a diminuírem os prejuízos e problemas associados ao consumo.  Discutir cuidados que devemos ter com o consumo de álcool é de extrema importância num País onde a regulamentação da bebida é falha de muitas formas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil está entre os países que mais consomem bebidas alcoólicas na América Latina. A idade de iniciação no consumo do álcool começa cada vez mais cedo e a quantidade e diversidade de bebidas cada vez maior.

O grande objetivo da redução de danos é fazer com que as pessoas tenham noção dos riscos diretos e indiretos que o consumo das drogas lícitas e ilícitas provocam e que, assim, adotem medidas menos arriscadas enquanto estiverem fazendo uso.  A prática é pautada nos Direitos Humanos e busca auxiliar os usuários e dependentes químicos de acordo com seus direitos básicos e suas necessidades.

 A redução de danos não prevê, necessariamente, abstinência, mas trabalha o caminho para quem quer e pode eliminar de uma vez, e faz uma mediação entre aqueles que desejam diminuir os prejuízos causados. Para isso, o jeito é esclarecer de que forma as pessoas podem consumir substâncias, diminuindo o risco que podem causar à saúde e às pessoas. Com isso, foi criado o programa de redução de danos, que surgiu no final da década de 1980 devido à epidemia de HIV causada, entre outros motivos, pelo compartilhamento de seringas no uso de drogas injetáveis. No Brasil, a primeira ação de danos aconteceu em Santos, em 1989, quando foram distribuídas seringas descartáveis para usuários de cocaína injetável, buscando impedir a disseminação do vírus.

No caso das bebidas alcóolicas, a importância de se falar sobre redução de danos é equivalente à generalização de seu uso, uma vez que se trata de uma substância lícita, com o uso muito difundido e incentivado em nossa cultura.

No entanto, muitos são os problemas relacionados ao abuso de álcool, cujas consequências causam grande impacto sobre as pessoas e suas famílias. Além disso, o consumo de bebidas alcoólicas ocupa o terceiro lugar entre os principais fatores de risco de doenças no mundo. Segundo documento divulgado pela OMS, estima-se que o uso nocivo do álcool cause 2,5 milhões de mortes todos os anos – uma proporção considerável corresponde aos jovens. A mesma pesquisa demonstra que a idade inicial do contato com o álcool vem diminuindo cada vez mais, o que aumenta os prejuízos psicológicos que essa prática pode trazer.

Bebida e adolescência

A adolescência, compreendida entre 12 e 18 anos, é geralmente a fase onde começa o contato com o álcool. João Silva (nome fictício), com 45 anos, não bebe há mais de 25. Ele conta que seu primeiro contato com o álcool foi durante o Ensino Médio, na escola, por volta dos 16 anos. A partir dali a frequência com que bebia foi aumentando consideravelmente com o passar dos anos. “A gente bebia depois das aulas. Quando acabou o colégio, continuamos a nos encontrando para beber. Comecei a beber todo dia. Uma senhora que conhecia a mim e ao meu grupo começou a observar que nossa frequência de bebida poderia ser prejudicial e nos convidou para fazer parte de um grupo de Alcoólicos Anônimos jovens. Eu tive muita vergonha e comecei a perceber que a bebida não me fazia bem, não era saudável para mim”, conta.

Segundo pesquisa divulgada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 80% dos adolescentes já beberam alguma vez na vida, e 33% dos alunos do Ensino Médio consumiram álcool excessivamente no mês anterior à pesquisa. Outro estudo, realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) com universitários, mostrou que 22% dos jovens estão sob o risco de desenvolver a dependência de álcool.

De acordo com Andrea Gallassi, professora e coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da UNB, quando mais precipitado o envolvimento do jovem com as drogas, mais prejuízos ele pode ter em seu desenvolvimento. “A experimentação das drogas começa pelo álcool, na adolescência. Mas o adolescente não deve fazer uso de nenhuma droga, inclusive o álcool, por uma simples razão: o sistema nervoso central do adolescente ainda está em formação. Se ele tem contato com uma substância que é psicoativa, nesse momento, isso prejudica o seu desenvolvimento”, diz, acrescentando: “Quanto mais tarde [o jovem] iniciar o uso de álcool, menos chances terá de desenvolver problemas com a bebida, como por exemplo, a dependência. Também menos chances de desenvolver problemas de comportamento, como a depressão”.

                Infelizmente, culturalmente, o contato com o álcool é incentivado. Seu uso, mesmo por adolescentes, é aceito e diretamente associado à diversão e seus usuários considerados descolados. Além disso, as legislações que proíbem o consumo para menores de idade são burladas e sua fiscalização é ineficiente. Em países como os Estados Unidos e o Canadá, por exemplo, é ilegal beber em praias, ruas e parques e para transportá-las é necessário que estejam dentro de sacos ou embalagens que não mostrem seu conteúdo. Outra diferença é que, no Brasil, se pode adquirir bebidas alcoólicas em qualquer lugar. No Canadá, as bebidas são encontradas em lojas específicas e licenciadas.

            Por fim, pouco (ou quase nada) é divulgado sobre os malefícios do álcool para o desenvolvimento de adolescentes nas mídias televisivas que são, hoje, um dos principais meios de divulgação das propagandas de cerveja.

Dependência pode surgir em qualquer idade

Apesar de ser um problema crescente entre os jovens, a dependência do álcool pode acontecer com qualquer pessoa e em qualquer idade. O problema é agravado, porque reconhecer que se está em uma situação de vulnerabilidade ou risco não é uma tarefa simples. De acordo com especialistas, o usuário de bebidas alcóolicas deve sempre estar atento ao ambiente em que se encontra, assim como a seu estado emocional e físico, além de buscar informações sobre o que está consumindo.  É importante, ainda, procurar ajuda para amenizar os riscos com o consumo de álcool e outras drogas, tão logo observe-se em uma situação de exagero ou dependência.

Espaço Normal: uma ajuda a mais

Na Maré, os familiares e dependentes de álcool e outras drogas têm uma ajuda a mais. Trata-se do Espaço Normal, que funciona como um ambiente que se propõe a desconstruir os estigmas e preconceitos que, geralmente, atingem pessoas que usam drogas. Além de promover atividades conjuntas com as diferentes instituições de saúde e de assistência no território, o espaço trabalha em uma dinâmica de rede: realiza encaminhamentos de pessoas para esses serviços e também recebe pessoas encaminhadas pelas instituições, sempre prezando pelo cuidado e respeitando a individualidade de cada caso. “A redução de danos trabalha a partir do respeito ao sujeito, do que ele pode e quer fazer naquele momento, construindo estratégias de cuidado, acolhimento e alternativas”, afirma Luna Arouca, coordenadora do Espaço Normal.

Espaços de Referência para cuidados com o álcool na Maré

• Espaço Normal – Rua das Rosas 54 – Nova Holanda

• Igreja dos Navegantes – Rua Luiz Ferreira, 217

• Igreja Jesus de Nazaré – Rua Evanildo Alves – Baixa do Sapateiro, 83

• AA: Nova Holanda – Rua Teixeira Ribeiro, 637 2º andar

• AA: Vila do João – Rua Quatorze, 234

• AA: Bonsucesso – Av. Roma, 310, sala 101

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Texto escrito por Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial do Brasil exclusivamente para o Maré de Notícias