Surfando em outras Marés

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Do surfe de TV ao posto de professor. Conheça a história da “cria” da Vila do João, Matheus Ribeiro da Cruz

Maré de Notícias #96 – janeiro de 2019

Por: Maria Morganti


                O professor da escola de surfe “Team Bispo”, Matheus Ribeiro da Cruz, de 20 anos, saiu da segunda maré do dia, quando, na manhã de uma terça-feira de quase verão, finalizou sua primeira aula. Mais cedo, havia deixado outra Maré, essa com M maiúsculo. Naquele dia, como de costume, Matheus acordou às 4h30 da manhã, tomou banho, escovou os dentes e engoliu uma vitamina de frutas para, às 5h, já estar na rua e, de bermuda e mochila, caminhar da Rua Principal, na Vila do Pinheiro, onde mora, até o ponto de ônibus, na Avenida Brasil e, de lá, seguir para o Arpoador, em Ipanema, onde ensina e pratica surfe.

Da água do mar, Matheus sai com um sorriso solar. Sua jornada de trabalho está apenas começando: normalmente, ele costuma atender 12 alunos por dia. “Cria” da Vila João e, ao mesmo tempo, das bandas de Ramos e Bonsucesso, Matheus é o primeiro da família e do ciclo social a praticar o esporte. “Eu comecei a surfar há dois anos. Eu assistia a alguns campeonatos na TV e quando tinha

[algum]

aqui por perto eu também ia ver. Mas quando tinha pesquisado umas escolinhas, ‘tava’ meio caro pra mim. A maioria nos bairros da Barra, Recreio, o que dificultava ainda mais”.
                A relação do surfe com o Matheus era considerada inviável por ele. Isso até uma certa segunda-feira do mês de agosto de 2016. “As férias foram em agosto por causa das Olimpíadas, então vim para curtir uma praia normal, com os amigos. Aí vi a escolinha lá e pedi informação. Até aí, a mesma coisa. O moleque que trabalhava lá disse que era R$ 100 a aula avulsa e o pacote com cinco, R$ 400. Mas falou pra eu tentar falar com o professor. Quando o professor saiu da água, eu falei com ele, que me perguntou onde eu morava”.

Na época, Matheus morava com a mãe biológica, falecida no ano passado, na área limítrofe entre Ramos e Olaria. O professor, Marcelo Bispo, dono da escolinha, disse que faria o valor das aulas pela metade do preço para Matheus, que conseguiu pagar com a “mesadinha” que ganhava da mãe. Apesar de a distância entre Matheus e o surfe ter encurtado, nessa época, o jovem ainda era só mais um aluno. Mas seu talento, sua força de vontade e seu senso de gratidão fizeram essa condição logo mudar. “Teve um tempo que o moleque que trabalhava com o professor saiu e ele estava guardando as pranchas e equipamentos sozinho. Aí, como eu recebia essa ajuda, eu ajudava ele a levar algumas coisas no final da aula. Um dia ele me perguntou se teria como eu chegar cedo pra trabalhar com ele, fazendo o serviço de levar as pranchas no início e recolhendo no final das aulas. Foi aí que eu aprendi um pouco mais do surfe e, em 2018, comecei a dar aula”.

De acordo com Matheus, antes de trabalhar com surfe, seu primeiro emprego, não tinha ideia do que gostaria de fazer profissionalmente. Hoje, planeja ingressar na Faculdade de Educação Física. “Dar aula é 50% do aluno e 50% do professor. Eu fico muito feliz quando vejo que consigo dar os meus 50% e o aluno também. Uma vez, vi o desenvolvimento de uma aluna e tive essa sensação. Eu quero continuar dando aulas de surfe”.

No entanto, Matheus confirma o estereótipo de que o esporte seja “coisa de rico”. “Uma roupa desta (aponta para a que está vestindo) custa R$ 1500. É muito caro. É muito difícil encontrar por aqui, na praia, surfando, gente da favela, do subúrbio, da Baixada Fluminense. Além de ser longe, os equipamentos são muito caros”.

Mas dificuldade é combustível para Matheus, que fala com brilho no olhar – e com o sorriso, sempre com o sorriso – que tem o sonho de mudar essa realidade. “O que eu tenho vontade de fazer mais pra frente, no dia em que eu ver que eu sou um professor, que já tiver a minha escolinha, é um projeto para a galera que tem menos acesso, como eu. Para ajudar a eles, como eu fui ajudado. Para mostrar pra eles que é possível, mesmo sendo difícil. Um projeto que tenha aula de graça, um ônibus, uma coisa que vá buscar essa galera que mora até mais longe, na Baixada Fluminense, para aumentar esse ciclo de pessoas que vêm da favela, que vêm de longe, que pegam ônibus. Eu quero quebrar esse paradigma para ter outros meninos como eu”, diz. Se depender da garra do jovem, esse sonho, sem dúvidas, será realizado. Afinal, a praia, o mar e o surfe são nossos também!

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