As memórias do passado, produzidas no presente, podem transformar o futuro
Por Mariane Rodrigues em 08/12/2020 às 17h45 Editado por Edu Carvalho
Em meio a pandemia da Covid-19, nossa atenção tem se voltado aos grandes laboratórios que andam buscando vacinas possíveis para o controle da doença. Vivemos um momento extremamente difícil, onde as desigualdades e problemas estruturantes se fazem ainda mais presentes em nossas vidas. Nesse sentido, a busca por uma solução e a necessidade de viver um novo futuro, se tornam urgentes.
O Laboratório de Memórias Ambientais da Maré foi um espaço de experimentações desenvolvido nos meses de outubro à dezembro de 2020 e que reuniu 13 jovens mareenses, entre 18 a 27 anos, de diferentes origens, perfis e vontades para que pudessem pesquisar suas memórias relacionadas ao território, família e afetos.
Assim como para produzir a cura para uma doença é necessária profunda pesquisa, para registrar e criar memórias também é preciso investigar.
As nossas histórias são poderosas, e quando elas ganham espaços seguros para crescerem e fazerem parte da memória de alguém, também podem curar diversos males no mundo.
Mas afinal, o que é memória ambiental?
Elas são as histórias que narram as transformações do espaço em que vivemos e seu entorno, a partir dos problemas causados pelas mudanças climáticas, que acabam afetando a vida da população local. Já as mudanças climáticas são as alterações causadas, principalmente, pela humanidade, através da emissão dos gases do efeito estufa. Como resultado disso, estão o aumento da temperatura e nível do mar, grandes chuvas e inundações, períodos de extremo calor e seca, e por aí vai.
E o que isso tem a ver com a gente? Tudo! Somos natureza, vivemos e sofremos as transformações juntos. A Maré, como a maioria dos territórios periféricos, sofre grandes impactos ambientais. Como nossos mais velhos bem sabem, a comunidade nasceu nas águas da Baía de Guanabara, fruto de um aterramento que, até hoje, luta pelo saneamento básico e vidas dignas. O saneamento proporciona ruas e rios limpos, sistema de esgoto adequado e saúde para todos.
Essas situações foram objeto de pesquisa dentro de nosso projeto, observando muitos avanços, mas também um território com cada vez mais gente, com menos espaços seguros para andar e brincar, menos árvores e mais lixo.
Outro ponto muito importante e relatado pelos jovens do laboratório foi a falta de espaços verdes na Maré. Muitos foram atrás de suas memórias de infância ou dos vizinhos mais antigos da rua para entender como era no passado. Eles relataram os poucos lugares de lazer, a diferença no clima e a falta de locais para plantar. Esses desequilíbrios estão relacionados com o crescimento de novas doenças e seus grandes desafios para a ciência, é importante estarmos atentos a nossos hábitos, nossas políticas públicas, as ações das grandes empresas e aprendermos com as experiências do passado, afinal, a pandemia do coronavírus não é a primeira que a humanidade vivencia.
Investigações que vem de dentro.
Ao invés de manipular um vírus, desativá-lo e tentar criar anticorpos, no Lab, nosso objetivo era sensibilizar as pessoas para que pensassem sobre suas memórias, incentivar a vontade de criar suas próprias narrativas e conectar histórias, pessoas, coletivos e lugares, com a procura por algo em comum.
O comum de todos os participantes foi a busca pelo bem viver, a busca por aprender, a partir da conversa, com mais velhos e mais novos, a coragem de confiar nos próprios saberes e formas de produzir conhecimento e a possibilidade de sonhar com uma Maré melhor, mais conectada com seus diversos tempos.
Em meio a pandemia, entendemos que faz parte do processo de cura olhar para si mesmo e para as histórias que nos constroem. Só observando o passado é que construímos identidades, nos fortalecemos no presente e podemos mudar o nosso futuro.
É por isso que todos os laboratórios que se conectam com a vida são importantes, porque, são dentro deles que criamos ferramentas de cuidado. Cada um tem seu formato e métodos de investigação específicos.
O nosso, aqui na Maré, tem a forma da coletividade que é guiada pela metodologia de profundo respeito pelos nossos saberes e formas de viver.
O projeto surgiu da plataforma memoriaambiental.org, em parceria com a Redes da Maré e o Data_Lab. Visite o site e descubra as memórias que estão registradas por lá.
Também queremos saber: qual é a sua memória ambiental?
Mariane Rodrigues é moradora da Maré, arte educadora, pesquisadora, designer regenerativo e integrante do projeto Maré Verde da Redes da Maré.