Um papo reto sobre luta e esperança

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A resistência dos moradores das favelas frente à opressão e ao desrespeito às suas vidas e seus direitos.

Por Thaynara Santos*

Vez ou outra a gente escuta um morador falar que quer sair da favela pra ter uma vida melhor. Quer descer o morro, ir para o asfalto. Nunca vi sentido em deixar o lugar onde se criou raízes para viver num território totalmente novo e, no pior dos casos, hostil com a minha identidade. 

Até que um dia desses entendi que existe um sentimento que faz com que as pessoas deixem amigos, família, amores, lembranças e histórias para trás: a desesperança. Essa é uma palavra grande, muitas vezes gerada por siglas tão pequenas: CORE, BOPE, BAC, PM, PC, PF e por aí vai. 

Além do medo e da tensão cotidiana, a violência psicológica se faz presente quando moradores são coagidos pelo uso de armas de efeito moral quando tentam se abrigar da bala e da correria. Ela está presente nas operações que acontecem logo cedo, quando todos estão se preparando para mais um dia de escola ou trabalho. Ou até mesmo de madrugada, à noite ou no fim de semana. 

Também se faz presente quando os aparelhos de segurança pública do Estado descumprem as medidas da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 (a ADPF das Favelas), que têm entre elas a disponibilização de ambulâncias ou equipes de saúde durante as operações policiais. A vida de Marcus Vinícius Silva, um jovem mareense de 14 anos que estava à caminho da escola e que foi morto por disparos de arma de fogo, poderia ter sido salva se houvesse uma ambulância durante a operação naquele dia. 

A ADPF das Favelas é uma ação judicial nascida a partir da mobilização popular em conjunto com movimentos e organizações sociais, com o objetivo de impedir que as políticas de segurança pública violem os direitos dos moradores das favelas e das periferias do estado do Rio de Janeiro. 

Maio terminou, mas já ocorreram 12 operações policiais na Maré. No dia 11 de maio, mais de nove mil alunos sofreram os impactos de uma operação das polícias Militar e Civil. Uma semana depois, no dia 18, cerca de oito mil alunos foram impedidos de ir estudar por conta de mais uma operação. 

Em nome dessa política de morte, até mesmo nossa liberdade de ir e vir é restringida. Como explicar para o chefe que hoje não podemos sair para trabalhar para não correr o risco de levar um tiro? Depois de tanto lutar pela valorização da identidade favelada, será que precisaremos voltar a mentir sobre nosso endereço para conseguir emprego? Depois de tanta luta para conquistar as políticas afirmativas, os universitários favelados terão negado o seu direito a uma educação de qualidade? 

Às vezes, a desesperança chega a ser palpável, mas não podemos esquecer que, para os mareenses, nada veio de mão beijada. São mais de 80 anos de luta pelos direitos humanos, inclusive os mais básicos, quando lá no início, por volta dos anos 1940 e 1950, os primeiros moradores batalharam por acesso à água e à luz elétrica. Hoje somos 16 favelas no Conjunto de Favelas da Maré com mais de 140 mil moradores. 

Lutaremos dia e noite para que as medidas da ADPF das Favelas, conquistada pelos e para os favelados, sejam respeitadas e finalmente postas em prática. Lutaremos dia e noite para que não esqueçam que nossas vidas importam e que temos direitos! Como diz o ditado, somos madeira que cupim não rói.

*Thaynara Santos é integrante da Movimentos, uma organização de jovens favelados e periféricos que desde 2016 usa a educação, a comunicação e a arte no combate à violência, ao racismo e às desigualdades.

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