Uma família nas quatro linhas

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Apesar do funil que limita as possibilidades no futebol, irmãos da Maré superam obstáculos e se tornam jogadores.

Por Hélio Euclides

Kaká e Digão, Sócrates e Rai, Alecsandro e Richarlyson, Túlio Maravilha e Télvio, Assis e Ronaldinho Gaúcho, Junior Baiano e Jorginho, e os três: Zico, Edu e Antunes. Todos eles, além de serem jogadores, compartilham mais uma parceria: são irmãos. Marcos Oliveira e Marcelinho são moradores da Praia de Ramos e seguem o mesmo caminho: além do parentesco, ambos têm no sangue o amor pela bola de futebol.

Os jogadores Digão e Kaká foram bem-sucedidos na carreira, sendo negociados por valores até hoje alto para o mercado futebolístico. Digão teve seu passe adquirido pelo Milan por 500 mil Euros, já o irmão teve 67 milhões de Euros pago pelo Real Madrid. Mas no mundo da bola nem sempre é assim. Segundo levantamento da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) de 2016, estima-se que mais de 80% dos jogadores no Brasil ganham menos do que um salário mínimo. Do outro lado da pirâmide, apenas 1,77% entre R$ 10 mil e R$ 50 mil.

Jogador Marcos Oliveira

Apesar do funil que é se tornar jogador de futebol, os irmãos do Piscinão não desistiram do sonho. Marcos Oliveira, de 22 anos, começou no futebol de salão, com apenas cinco anos, num projeto conhecido como Time do Velho, depois migrou para a categoria de campo. Já com sete anos estava defendendo as cores azul e vermelho do Bonsucesso. Chegou a jogar pelo Olaria, CFZ, Santo Ângelo do Rio Grande do Sul e Svesnka Palestinska da Suécia. “Meu irmão, que é três anos mais velho, sempre foi um espelho para mim. Desde quando eu não tinha nem idade para jogar, já o acompanhava em todos os jogos e ficava na torcida. Sempre foi minha referência. Hoje ver meu irmão bem na modalidade é, com certeza, uma alegria“, diz.

Em sua curta carreira, Oliveira lembra que a vida de jogador sempre tem altos e baixos. Ele teve que largar o sonho aos 21 anos por lesões que sofreu desde os 15 anos. Essas contusões o fizeram sair de três clubes e perder diversas outras oportunidades como escolher entre voltar para Europa ou estudar e jogar nos Estados Unidos. Esses percalços deixaram frustrações no jogador. “Não é fácil ter que largar um sonho, pois infelizmente meu corpo não aguentava mais tantas lesões. A vida de um jogador de futebol em 98% das vezes é bem cruel, por lidar com frustrações, saudades, lesões, enganações e até muitas vezes as covardias que acontecem nos bastidores. As pessoas acham que é uma vida dos sonhos, mas a realidade é que essa é a vida só de 2% dos jogadores profissionais”, diz. 

Como todo menino, Oliveira sempre foi um apaixonado pela bola e sempre quis ser jogador de futebol. Ele conta que o principal motivo era dar uma vida melhor aos meus pais. “Futebol sempre foi e sempre vai ser a paixão da favela, e até mesmo um caminho para poder buscar um futuro melhor”, expõe. Ele acredita que é preciso não deixar o sonho morrer. “Para a criança que está começando, eu falaria que mesmo com todas as dificuldades, as físicas e emocionais, sempre correr atrás e se mantenha focado que uma hora a oportunidade vai aparecer e a gente precisa estar preparado. Também é preciso valorizar e investir mais nas crianças da favela. Não tenham dúvidas que os maiores talentos estão nas periferias”, conta. Seu próximo passo será estudar bastante sobre futebol e futuramente viver do esporte. 

Apoio primordial

Jogador Marcello Junior

Os irmãos contam que para a família sempre foi um orgulho ter dois jogadores próximos. Lembram que tudo só foi possível graças ao incentivo e acompanhamento, tanto nas fases boas, quanto nas ruins. “O apoio da família é essencial para as crianças que estão começando”, ressalta Marcello Junior, conhecido como Marcelinho, que joga como ala direito. Ele defende as cores do Flamengo, com a camisa 20, na categoria do Futebol 7, modalidade também conhecida como society ou fut7, que reúne sete jogadores de cada lado e dois árbitros.

Junior, igualmente ao seu irmão, começou aos cinco anos, num projeto social da Praia de Ramos. No mesmo ano, após teste no Vasco, foi aprovado. No Futebol de Salão também teve passagem pelo Flamengo, Casa de España/Botafogo e Mackenzie. Com 17 anos migrou para o futebol de campo, onde jogou no Olaria e num projeto da Nike, que rendeu uma viagem à Inglaterra. Depois remanejou para o Fut7, onde jogou no Vasco, antes se se efetivar no rubro-negro carioca. Ele espera que o Fut7 cresça e tenha mais visibilidade, para o surgimento de mais investimentos. 

“É muito bom poder saber que meu irmão faz a mesma coisa que eu e, às vezes, até jogar junto. Eu tento ser um exemplo para ele e para as crianças que gostam de mim e de me ver jogar. Futebol é alegria, sempre que tem alguém da comunidade jogando, quase todos param para assistir aos jogos do Flamengo, por causa do João Gomes, ou do clube Éverton da Inglaterra, para ver o Allan Marques. No Flamengo Fut7, uma galera acompanha, por causa de mim, do Jeffinho e do Sidney, todos da comunidade”, ressalta. Ele defende que o Piscinão é um verdadeiro celeiro de craques.

Como o irmão, ele destaca que a trajetória de um jogador é difícil. No caso dele, lembra que perdeu parte da infância para conseguir focar nos estudos e no futebol. Outra barreira é ser um jogador de favela, pois esbarra no preconceito. Para quem está começando, ensina que é preciso superar esse obstáculo e focar no futebol, para viver do esporte. “É preciso treinar muito, porque o esforço vence o talento, sempre que o talento não se esforça”, conclui. A mãe dos dois meninos, Valdirene Militão, moradora da Roquete Pinto, diz que tem muito orgulho do caminho que os filhos seguiram. Mas acrescenta que não foi fácil, especialmente por ser uma mãe moradora de favela que precisou viabilizar dinheiro para alimentação e passagem dos atletas. “Hoje sou feliz com o resultado, de muitas crianças que se espelham neles, não por serem bons atletas, mas ao se tornarem grandes homens, responsáveis. O futebol vai mais além de se virar um Neymar, é preciso ter estudo, disciplina e dedicação. O que falta no mundo do futebol é oportunidades para as meninas da favela, que precisam ser apoiadas”, afirma. Ela completa que a filha não se tornou atleta, mas também tem orgulho da primogênita Juliana Militão, que cursa nutrição.

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