Uma Maré cheia de “crespinhos”

Data:

Maré de Notícias #93 – 02/10/2018

Projeto criado por jovem moradora da Maré fortalece a autoestima de crianças com cabelo afro

Maria Morganti

Fortalecer a autoestima de crianças com cabelo crespo e cacheado e, de quebra, revigorar a sua própria aceitação. Foi o que a criação do Projeto “Maré de Crespinhos” fez na vida de Mainara Silva, de 20 anos. “Cria” de Vigário Geral, a jovem se apaixonou pela Maré quase à primeira vista. “Eu não sou cria [da Maré], estou me criando. Quando eu entrei aqui pela primeira vez, eu olhei e falei: ‘caraca, eu quero morar aqui’. E estou aqui há mais ou menos três anos. A Maré é um lugar cheio de vida, eu cheguei aqui e me identifiquei. Não quero mais sair daqui para morar em outro lugar, já criei o meu cotidiano”.

Da paixão pelo conjunto de favelas nasceu a vontade de fazer algo pela região e, ao mesmo tempo, por si mesma. Frequentando as oficinas do programa Active Citizens, uma parceria entre o Consulado Britânico e a Redes da Maré, que estimula a capacitação de líderes comunitários, Mainara pensou: “eu gosto daqui; me identifico, quero ter alguma coisa que, pelo menos, mostre que eu passei por aqui e fiz algo”. Assim nascia o “Maré de Crespinhos” -um projeto para que as crianças não passem por algo que Mainara sentiu e ainda sente na própria pele: o racismo e o preconceito com seu cabelo crespo.

“Cabelo duro existe?”

O Projeto promove oficinas em escolas da Maré, onde, de acordo com a faixa etária da turma, Mainara faz uma roda de conversa e depois põe em prática, mostrando e fazendo penteados nos cabelos das participantes. Para isso, utiliza um kit de produtos específicos para cada cabelo, obtidos com recursos do Active Citizens.  Em uma dessas oficinas, realizada numa tarde de sexta-feira para uma turma do 8º ano da Escola Municipal Bahia, com cerca de 20 alunos, a jovem chegou perguntando: “vocês acham que cabelo duro existe?”

Com a resposta positiva da turma de pré-adolescentes quase em uníssono, Mainara rebateu: “vocês sabiam que isso é preconceito?” Segundo ela, a ideia é mudar a visão que as crianças têm delas mesmas. “No início, a gente pergunta como elas se sentem, fala sobre a beleza do cabelo, vai conversando pra ver o que elas pensam do próprio cabelo. Eu reparei que elas praticam racismo com elas mesmas, sem saber nem o que é. Então, a ideia também é mudar um pouco isso, mudar essa visão para fazer a criança se aceitar desde pequena, porque tem muita criança com cabelo crespo que fica falando que queria ter o cabelo liso. Para que elas possam aceitar sua identidade, suas origens, e ver que já nasceram lindas e não precisam mudar, não serem igual a um padrão”, conta.

Maianara fala com a propriedade de quem teve sua autoestima afetada por preconceitos. Por querer se adequar a esse “padrão”, a jovem relembra que, como muitas crianças, chegou a pensar que seu cabelo “não tinha jeito”. “Quando eu era mais nova, a minha mãe colocou química no meu cabelo, que ressecou. Passei a ter um pouco de desgosto de cuidar do meu cabelo, porque eu achava que não ia ter jeito. E, antes, não tinha esse cuidado todo que hoje em dia tem. Não tinha internet pra gente ver vídeos [sobre cabelo afro] e coisas do tipo”.

 

“Todas são lindas”

Ao fim da roda de conversa na sala de aula da Escola Bahia, Mainara pediu para que os alunos fizessem um desenho em uma folha de papel. Um deles continha três mulheres, cada uma com o cabelo diferente, uma cacheada, outra lisa e, a última, ondulada. Em cima, escrito com letras bem grandes, estavam os seguintes dizeres: “todas são lindas!”

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