Maré de Notícias #93 – 02/10/2018
Utilizado para proteger plantações, os pesticidas acabaram por se tornar verdadeiras ‘pragas’ para a saúde
Eliane Salles
Você certamente já ouviu falar em agrotóxico ou pesticida agrícola – produtos utilizados na agricultura para controlar insetos, doenças ou plantas daninhas que causam danos às plantações. O problema é que, com o passar do tempo, estudos revelaram que essas substâncias químicas que “protegem as plantações”, prejudicavam (e como!) a saúde. Usados em alta escala e em grandes plantações, os agrotóxicos estão presentes em quase todas as frutas, legumes e verduras – a não ser naquelas que vêm de pequenos produtores ou são cultivadas de maneira orgânica, ou seja, sem a adição de quaisquer componentes químicos ou tóxicos.
O resultado dessa ingestão indireta de agrotóxico não poderia ser diferente: uma lista de doenças e danos à saúde. “O consumo de agrotóxico traz malefícios cumulativos, no decorrer da vida, para o organismo. De acordo com estudos, eles vão impregnando o organismo. O que vemos é o aumento de casos de doenças cancerígenas; pouca absorção dos nutrientes oriundos dos alimentos, o que provoca muitas vezes pouca disposição no dia a dia; aumento de doenças degenerativas, como síndromes demenciais e dificuldade de desenvolvimento cognitivo das crianças”, explica a pediatra e especialista em saúde da família Cristiane Ponciano Gomes.
Isso por si só já é muito ruim. O pior, no entanto, é que, no Brasil, os grandes produtores utilizam largamente essas substâncias “O Brasil é o País que mais usa agrotóxico. Tem uma flexibilidade [em decorrência da legislação ] muito grande. O Brasil só não desponta como um dos lugares onde isso é mais grave, por falta de estudos. Mas a gente tem um agrobusiness (grandes empresas agricultoras) muito forte, temos a Bancada Ruralista – deputados e senadores donos ou ligados a grandes empresas ou propriedades agrícolas”, explica a engenheira florestal, mestre e doutora em Botânica Jaqueline Prata.
Uma lei nada legal para a saúde dos brasileiros
Nada é tão ruim que não possa piorar, ensina o dito popular. Mesmo já tendo uma legislação bastante flexível no que diz respeito aos agrotóxicos, um Projeto de Lei, de nº 6299/02, apelidado de “PL do Veneno” foi aprovado por uma comissão especial da Câmara. O texto deve passar por mudanças e seguir para o plenário da Casa e depois encaminhado ao Senado. A proposta é capitaneada pelo próprio Ministro da Agricultura, Blairo Maggi (um dos maiores produtores rurais do Mato Grosso e autor do plano em 2002, quando ainda era senador).
Durante sua tramitação, o Projeto de Lei 6299/02 absorveu outros projetos. O resultado foram mudanças significativas na legislação, como a que trata dos trâmites para a liberação do uso de agrotóxicos, que com ela se tornarão menos rigorosos. Outro retrocesso trazido pelo PL é a não proibição de determinados agrotóxicos. Uma das mudanças se refere à própria nomenclatura dessas substâncias, que passarão a ser tratadas como “pesticidas” ao invés de “agrotóxicos”. Cabe lembrar que, caso passe, o Brasil estará na contramão da história. Enquanto os Estados Unidos e a Europa restringem as possibilidades de uso dessas substâncias, o Brasil parece – inacreditavelmente – querer expandi-las.
Horta na Laje ou onde você quiser
Em meio ao burburinho da Nova Holanda, dona Leir Ribeiro Castro, 73 anos, criou um espaço para entrar em contato com a natureza, algo que não consegue viver sem, e relembrar seus tempos de menina em Itaperuna, Norte Fluminense, onde seus pais, agricultores, lhe ensinaram o amor pela terra. Na sua laje, com cerca de 30 metros quadrados, dona Leir cultiva tomate, romã, couve, cheiro verde, cana, boldo, limoeiro e muitas outras verduras e legumes. “Já tive até um pé de jabuticaba, mas depois dei pro meu filho”, conta.
Para adubar sua horta, dona Leir utiliza fezes das galinhas que cria (também em sua laje), além de fazer sua própria compostagem, utilizando cascas de batatas, cenouras, de ovos, entre outras.
Jaqueline Prata também tem sua hortinha particular, cravada na varanda de seu apartamento na Glória. De lá, ela, que adora temperos, retira alecrim, hortelã, manjericão, cebolinha e já chegou a ter tomate-cereja e alface. Tudo isso plantado em pequenos vasos ou cantoneiras. “O brasileiro acha que só o sal é tempero. Precisamos voltar a cozinhar com mais temperos, mais cheiro verde, mais alecrim. E melhor ainda se for retirado da nossa horta”, ensina.
Seu Jose Maria da Silva, 68 anos, hortelão do Projeto Hortas Cariocas também tem uma pequena horta (ou seria uma farmácia de produtos naturais?) em sua casa. Lá, Seu José planta mastruz, boldo, saião, erva-cidreira e muitas outras ervas que se convertem facilmente em remédios para gripe, indisposição gástrica, insônia, entre outras indisposições.
Mas seu xodó é a horta em que trabalha. Localizada atrás do CIEP Samora Marchel, Seu José cuida com todo o mimo de 16 canteiros de um metro de largura por 10 de cumprimento. O espaço, gerido pela Prefeitura, serve como sala de aula tanto do CIEP Samora quanto do Elis Regina, para várias disciplinas. De duas a três vezes por semana, Seu José abre sua “sala de aula” para receber turmas grandes e pequenas, ensiná-las as lições que a terra traz, ajudar os estudantes a plantar e depois, quando o que se plantou já está pronto para ser retirado, auxiliá-los na colheita. Aquilo que se é colhido é dividido para as escolas e para os alunos que as plantaram. “Aqui é tudo 100% orgânico. O bom é a pessoa consumir o orgânico, sem agrotóxico, sem veneno, só o que Deus manda”, diz.
Na horta são plantadas couve, berinjela, alho, alho-poró, coentro, entre muitas outras hortaliças que recebem, como cuidados, água e adubo feito pelo seu próprio José, a partir de cascas e folhas recolhidas nos CIEPs. “É difícil você saber quando um produto tem agrotóxico. Mas se você encontrar um pimentão muito grande, ele está com excesso de agrotóxico; se você ver uma folha de couve gigante, desconfia. Botaram veneno pra ela crescer. Tomate muito grande, sai fora”, ensina o hortelão.