Violência afeta a saúde na Maré

Data:

Maré de Notícias #89 – junho de 2018

A tensão permanente adoece os moradores e assusta os profissionais

Jorge Melo

No dia 8 de maio, a coordenadora do Eixo de Segurança Pública da Redes da Maré, Lidiane Malanquini, participou da 168ª sessão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), na República Dominicana, e falou sobre o impacto da intervenção nas periferias. “Historicamente, os moradores de favelas, em sua maioria negros, são os mais afetados por essa política de Segurança militarizada, baseada em ações pontuais e extremamente violentas. É importante destacar o caráter racista desta política perversa que ataca o direito à vida, provoca o adoecimento e limita o acesso a outros direitos básicos”, disse Lidiane em seu discurso.

 

Violação de direitos e saúde

A referência de Lidiane ao adoecimento das populações em função da violência está baseada na realidade fria dos números. Em 2017, 42 pessoas morreram e 17 ficaram feridas em confrontos armados na Maré. O Conjunto de Favelas sofreu 42 operações policiais, uma a cada nove dias, com um saldo de 41 feridos. Não bastasse a tensão e o estresse da população, particularmente as crianças e adolescentes, os diversos serviços de Saúde, que atendem diariamente milhares de pessoas, tiveram suas atividades suspensas por 45 dias. Os números são do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, levantamento anual, realizado de janeiro a dezembro. Os dados são coletados por uma equipe da Redes da Maré, que acompanha os confrontos armados e as operações policiais e também pelo serviço de orientação jurídica das denúncias de violações de direitos, reportagens e notícias veiculadas pelas assessorias de comunicação das Polícias Militar e Civil. E também das Secretarias Municipais de Saúde e de Educação.

Sady Marchesi é psicólogo do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e trabalha na Clínica Municipal de Saúde da Vila do João e na Clínica da Família Adib Jatene, ambas na Maré. Segundo ele, “o medo vira picos de pressão, vira açúcar alto, vira ansiedade, vira tristeza, vira pânico. Que precisa da compensação do Estado com remédios para baixar a pressão e o açúcar, calmantes para dormir e antidepressivos para sorrir”. Não existem números exatos e é impossível avaliar o prejuízo causado à população e aos profissionais de Saúde por esse estado de coisas. Mas não é difícil imaginar o estrago que provoca. Está provado que populações submetidas continuamente à violência têm a saúde afetada.

Sady alerta para o fato de que “nós, profissionais, também ficamos com medo. Por ouvir e vivenciar situações de violência. Alguns de nós passam mais tempo por, aqui,  que com a família. Quantos colegas foram afastados do trabalho por licença médica ou desistiram da Maré, após um conflito armado que atinge as paredes sem concreto da Unidade de Saúde, após uma ameaça, após um helicóptero policial passar atirando? É tão comum como triste a constante troca ou ausência de profissionais, o que dificulta a construção de vínculos com a população tão necessária para se produzir cuidado em Saúde”.

 

O que fazer? 

No dia 26 de março, pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, militantes dos direitos humanos, profissionais da Saúde e moradores de comunidades se reuniram na Fiocruz, para debater a violência e a intervenção federal na Segurança pública no Rio de Janeiro. Foi elaborada uma lista com algumas medidas a serem colocadas em prática. Entre elas estão reuniões com agentes comunitários de Saúde, campanhas contra o racismo e iniciativas para divulgar canais de denúncias de violações de direitos.

De acordo com Hermano Albuquerque de Castro, pesquisador da Escola de Saúde Pública da Fiocruz, “praticamente todos os dias temos tido notícias de violência e de morte. E esse é também um debate da Saúde pública, que vem sendo profundamente afetada. Os agentes de Saúde não conseguem trabalhar nos territórios. As populações ficam desassistidas e são penalizadas”.

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