Vitor Santiago e seus cinco anos de luta nada imaginária

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Julgamento do militar que deixou Vitor paraplégico será dia 18/02

Texto e foto: Thathiana Gurgel

“Acordo e durmo pensando no que aconteceu naquele dia, pensando que eu tô vivo hoje e que em fevereiro poderiam ser cinco anos de luto, ao invés de cinco anos de luta.” Vitor Santiago Borges teve sua vida transformada pelo Estado brasileiro quando estava com 29 anos, no conjunto de favelas Maré, zona norte do Rio, onde nasceu e cresceu. Cinco anos depois da noite do crime, o soldado do Exército que atirou contra Vitor deixando-o paraplégico e com uma perna amputada será julgado no dia 18 de fevereiro pela Justiça Militar. A esperança é de que o soldado seja responsabilizado pelo crime que cometeu e que o caso sirva de exemplo para que não se repita. 

Aos 34 anos, Vitor afirma que o que aconteceu não foi um acidente e que, para ele, o crime se enquadra em tentativa de homicídio: “Eu não estava na hora errada e no lugar errado. Simplesmente abriram fogo contra o carro e é um absurdo uma pessoa dessa ficar livre enquanto eu tô preso nas minhas limitações pro resto da vida.” Ele contou que suas esperanças na Justiça para que o soldado pague pelo que cometeu são pequenas, pois, no julgamento militar o Ministério Público Militar (MPM) julga o militar, prevalecendo o corporativismo e a atuação em defesa de seus benefícios próprios.  

Inicialmente, o MPM denunciou o soldado por lesão corporal gravíssima contra Vitor e lesão corporal leve contra seus amigos que estavam no carro, mas depois sugeriu suavizar a  pena por conta das supostas condições perigosas em que se encontrava a tropa do Exército. O promotor militar alegou que o soldado agiu em “legítima defesa imaginária” e que ele deveria ser absolvido da acusação de lesão corporal gravíssima. O conceito faz parte das propostas de lei enviadas pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso com o objetivo de aumentar as circunstâncias em que militares podem matar sem serem punidos, mesmo nos casos que tramitam na justiça comum. 

No caso de Vitor, o soldado agiu amparado na chamada excludente de ilicitude, que não configura crime uma ação, mesmo que fatal. Mesmo sem ter sido aprovado no Congresso ainda, o projeto já é colocado em prática: desde 2010, nenhum militar foi condenado por morte ou lesão em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs). Desde o final de 2017, os membros das Forças Armadas que cometeram crimes passaram a ser julgados pela Justiça Militar.

Vitor conta que não sabe o que é legítima defesa imaginária, mas que após a noite do crime, nada do que aconteceu em sua vida é imaginário: “Eu vivo na carne, eu vivo na pele tudo o que aconteceu naquele dia, naquele 12 de fevereiro de 2015. Se esse cabo for absolvido, os casos daqui pra frente podem até piorar. Isso dá brecha pra militar entrar aqui, polícia entrar aqui e fazer o que quiser, a hora que quiser e se esconder atrás da lei”. 

“Eu tenho muita vontade de encontrar um cara desses grandes e mostrar “olha como é que eu tô, olha o que aconteceu comigo. É justo? É certo essa política de segurança que você tenta implantar? Principalmente o seu Witzel. É certo entrar com o pé na porta e atirar?  No final das contas eu fui alvejado e tive a vida modificada completamente por quem deveria ter trago segurança pra cá pra dentro, por quem um dia eu confiei, mas parece que segurança pública e inteligência não sabem na mesma frase…”, declarou Vitor. 

Relembre o caso

Na noite do dia 12 de fevereiro de 2015, Vitor tinha acabado de assistir ao jogo do Flamengo na Vila do João com mais quatro amigos e estava voltando para casa, de carro, na Vila do Pinheiro, também no Complexo da Maré, quando seu carro foi alvejado por seis tiros de fuzil pelo Exército. Aos 29 anos, ele foi atingido por dois tiros: um pegou na coluna, deixando-o paraplégico, e o outro atingiu a perna direita e saiu na esquerda, resultando em sua amputação e mais: 98 dias internado no hospital, 10 dias em coma, internações em CTis, fisioterapia respiratória, motora, hemodiálise, transfusão de sangue e cirurgia no pulmão.

O carro de Vitor foi fuzilado durante a ocupação das forças armadas na Maré em 2015. As tropas ocuparam o conjunto de favelas de abril de 2014 a junho de 2015. Por dia, foram gastos 1,2 milhão de reais, totalizando quase R$600 milhões em 15 meses. Segundo pesquisa da Redes da Maré sobre o período de ocupação do Exército, a sensação de insegurança continuou para 69,2% dos moradores entrevistados. 

No caso de Vitor, os militares alegam, no caso de Vitor, que seu carro não parou e não obedeceu aos sinais de alerta dos militares. O motorista, amigo de Vitor, foi denunciado por desobediência. Até hoje, Vitor segue aguardando a sentença sobre sua ação indenizatória e sua defesa pede à União: casa e carro adaptados, compensação por danos morais e estéticos e a continuidade da pensão por invalidez e do fornecimento de materiais médicos, que ele já recebe em tutela de emergência. 

Foi neste período que Vitor conheceu a Redes da Maré, através do projeto Maré de Direitos, que presta acolhimento sociojurídico para os moradores vítimas de violações de direitos e busca encaminhar e acompanhar essa pessoas no acesso à Justiça e outros direitos. No caso de Vitor, a Redes acompanha o caso desde o início dando suporte, acolhimento sociojurídico e articulando com a rede de saúde para que seu um processo de reabilitação seja feito.

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