Cerca de 20 mil moradores são afetados com mudança de locais de votação da Maré

Data:

Distância dos novos locais chega a 1,8km, TRE diz que transportes públicos serão gratuitos mas não há linhas de ônibus na Maré

Neste domingo (6), os 64.138 eleitores da Maré vão às urnas escolher o prefeito e vereador que irão representá-los pelos próximos quatro anos. A Maré, apesar de ser um bairro, tem particularidades territoriais que influenciam até mesmo nas escolhas dos candidatos. É o que mostra a segunda edição da pesquisa Como Vota a Maré.

A pesquisa destaca que as seções 9 e 10 do  CIEP Vicente Mariano (Baixa do Sapateiro), Samora Machel (Parque Maré) e CIEP Elis Regina (Parque Maré), que têm o eleitorado mais progressista, foram transferidas, sugerindo que isso pode afetar as eleições municipais deste ano. 

Votar na Igreja

Os eleitores do Ciep Vicente Mariano, da Baixa do Sapateiro, terão que se deslocar por 1 quilômetro e 100 metros, sem transporte público, para votar. Este local de votação atendia mais de 5 mil eleitores, sendo este o 4º maior eleitorado da Maré. 

Uma das pessoas afetadas pela alteração, é o barbeiro Paulo Lopes, de 43 anos, morador da Vila dos Pinheiros. Ele lamenta a alteração: “eu acho chato, tu já tá acostumado ali, agora tenho que ir votar na Igreja Nossa Senhora dos Navegantes, lá é mais apertado, acho que tem poucas salas. Eu vou a pé porque no dia é muita bagunça na rua. No CIEP era mais perto, só atravessava o Pontilhão, agora ficou mais distante.”

Vale destacar que este é o único local de votação transferido que continua na Maré, entretanto, ao invés de usar o espaço escolar, o TRE optou por colocar em uma igreja católica. “Voltar a esse tipo de relação enfraquece a luta política e autonomia de cidadãos em um Estado laico e de direito universal” critica a pesquisa.

Uma mulher, moradora da Nova Holanda, que prefere não se identificar, diz que é uma das administradoras das eleições na Maré e também lamenta a alteração. Ela conta que afeta negativamente a rotina que mantém há 10 anos, já que votava no CIEP Samora Machel e foi transferida para a Unigama “A mudança afetou de várias formas, principalmente na violação desse direito da população ao voto que era garantido! Pessoas com mobilidade reduzida, por exemplo, se sua sessão não tiver no andar de baixo no novo prédio, não poderá exercer seu direito ao voto, pois lá só tem escadas. Tenho artrose nos joelhos e o elevador não foi autorizado a ser usado”, conta.

De acordo com ela, a transferência do local não foi previamente informada aos mesários e administradores: “Em nenhum momento fomos informados ou perguntados sobre essa mudança, o que nos deu a sensação de desrespeito. Minha equipe não quer ir trabalhar mas fomos comunicados que se não comparecermos, teremos que pagar uma multa de R$350”, relata.

Além do Ciep Samora Machel, os eleitores do CIEP Elis Regina, também tiveram suas sessões eleitorais transferidas para Unigama (Av Brasil, 5843. Bonsucesso, passarela 7). Do Samora Machel até o novo local de votação, os eleitores terão que andar 1,8 km e do Elis Regina para o mesmo local 1,2 km, porque não há linhas de ônibus na Maré. As mudanças afetam cerca de 22% do eleitorado (13.424 eleitores)  de acordo com o número de eleitores aptos a votar em 2022, sem contar com as novas habilitações deste ano.

Votos em crias

Outro dado apresentado pelo estudo, é em relação ao interesse de voto dos moradores. Os dados, da última eleição municipal, apontam que os eleitores se identificam com candidatos crias da Maré, que realizam trabalhos contínuos para o território. 

A análise feita pela Redes da Maré, observa a predominância de partidos conservadores entre os mais eleitos, e que mesmo o bairro tendo maioria da população feminina, os  homens estão entre os mais votados. De acordo com dados da última eleição municipal de 2020, 56% dos eleitores mareenses foram às urnas. Os dados da pesquisa são do Tribunal Regional Eleitoral (TRE).

É o que explica a coordenadora de incidência política da Redes da Maré, Lidiane Malanquini: “Os moradores têm um processo de identificação com candidatos que são ‘cria’, e embora eles tenham uma votação expressiva na Maré, não se elegem em outras partes da cidade” pontua.

A taxa de abstenção, ou seja, de eleitores que não compareceram às urnas, se mostra inferior ao restante da cidade. Na Maré o valor representa 30%, enquanto a do restante da cidade é de 32,76%. 

O que diz o TRE

Em nota enviada ao Maré de Notícias, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) diz que as alterações de local de votação foram fruto de um estudo que mapeou as localidades nas quais as urnas precisavam chegar em veículos blindados e com forte aparato policial. E que as alterações buscaram oferecer mais segurança para os eleitores, mesários, candidatos, quadros de apoio e todos os envolvidos no processo, para que possam votar livremente, de modo consciente e sem pressões indevidas.

Segundo o TRE, os eleitores que tiveram o local de votação alterado foram transferidos para locais que ficam a, no máximo, 1,5km do endereço anterior, diferente da realidade mostrada pela pesquisa da Redes da Maré. 

Ainda de acordo com a nota, o TRE destaca como novidade desta eleição o transporte gratuito para eleitores, mesmo em casos de pequenas distâncias. No entanto, essa “novidade” ainda não atende aos moradores da Maré, já que o transporte não circula pelas ruas do bairro. Os moradores terão que ir a pé ou utilizar meios próprios para chegar aos locais de votação.

Lucas Feitoza
Lucas Feitoza
Jornalista

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por um Natal solidário na Maré

Instituições realizam as tradicionais campanhas de Natal. Uma das mais conhecidas no território é a da Associação Especiais da Maré, organização que atende 500 famílias cadastradas, contendo pessoas com deficiência (PcD)

A comunicação comunitária como ferramenta de desenvolvimento e mobilização

Das impressões de mimeógrafo aos grupos de WhatsApp a comunicação comunitária funciona como um importante registro das memórias coletivas das favelas

Baía de Guanabara sobrevive pela defesa de ativistas e ambientalistas

Quarenta anos após sua fundação, o Movimento Baía Viva ainda luta contra a privatização da água, na promoção da educação ambiental, no apoio às populações tradicionais, como pescadores e quilombolas.

Idosos procuram se exercitar em busca de saúde e qualidade de vida

A cidade do Rio de Janeiro tem à disposição alguns projetos com intuito de promover exercícios, como o Vida Ativa, Rio Em Forma, Esporte ao Ar Livre, Academia da Terceira Idade (ATI) e Programa Academia Carioca