O que esperar da educação em 2019

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Sugestões e mudanças que influenciam a vida dos estudantes

Projeto Nenhum a Menos: complementação pedagógica e reinserção escolar para crianças das favelas da Maré | Foto: Douglas Lopes

Maré de Notícias #96 – janeiro de 2019

Por: Hélio Euclides e Eliane Salles

A Educação do Brasil sofreu um susto: quando ainda era candidato, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, em entrevistas, ser a favor de permitir a modalidade de ensino a distância, inclusive no Ensino Fundamental, que vai do 1º ao 9º ano, com estudantes de 6 a 14 anos. Para ele, apenas provas e aulas práticas têm de ser presenciais. O argumento seria para diminuir o custo e evitar a doutrinação ideológica. A proposta não fez parte do seu programa de governo.

Professores discordam dessa proposta, por acreditarem que a escola não é só um local de trabalhar os conteúdos, aprender e fazer provas. Para a categoria, a escola é também um lugar de se relacionar, de aprender a viver em sociedade, que o ensino presencial envolve elementos relacionados à troca de experiências e à convivência social. “Essa ideia do ensino a distância não vai funcionar. Como o aluno vai estudar em casa? Nem quem faz faculdade a distância sabe administrar o tempo. E quem não tem com quem deixar as crianças? E as notas? Como saber se a criança fez a prova sozinha ou não? Estão querendo colocar, mas não vão conseguir no Ensino Fundamental”, comenta Raquel Mattos de Souza, professora do Espaço de Educação Infantil Armando de Salles Oliveira, na Praia de Ramos. Raquel é professora há 19 anos.

Erika Fernandes, professora do Centro de Estudos de Jovens e Adultos (CEJA-Maré), acredita que o mestre precisa estar dentro da sala de aula com o aluno. “Na minha perspectiva, a figura do professor é fundamental, necessária e imprescindível”, afirma. Jaqueline Luzia, professora de educação da UERJ vai além: “já existe o ensino a distância, mas não pode ser uma obrigação e, sim, uma opção. A reforma do Ensino Médio abriu a brecha para o ensino on-line. A proposta é ampliar no Ensino Médio para 40% e no de Jovens e Adultos para 60% – o que é um problema. O resultado será o fechamento de escolas e a demissão de professores. Aqui, na cidade do Rio de Janeiro, a Secretaria de Educação há um tempo fala sobre isso. Não é nada oficial e não tem documento sobre isso. É uma especulação que torcemos para que não vá adiante”, afirma.

Para Guilherme de Macedo Moreira, professor de Sociologia na Escola Estadual Tim Lopes, no Alemão, e no Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC) Theophilo de Souza Pinto, na Nova Brasília, essa proposta já é aplicada em alguns países. “Aqui, essa ideia vai aumentar o nível do analfabetismo e de pobreza. Esse conceito é para enxugar gastos, e ainda corta as duas refeições a que a criança tem direito. Como ficam os pais que não puderem acompanhar a trajetória da criança? Além do risco de crianças ficaram mais tempo na rua. Isso não é projeto de governo e, sim, de um grande aglomerado de empresas brasileiras e estrangeiras. Essa proposta segue a cartilha do Banco Mundial. Como falava Darci Ribeiro: a crise na educação é um projeto”, argumenta.

Até o fechamento desta Edição, a informação obtida na Secretaria Municipal de Educação é que estavam procedendo à organização do encerramento do ano letivo de 2018 e das novas inscrições, e que só se pronunciaria sobre 2019 no início do ano.

Um Ensino Médio em pauta

O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, em dezembro, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Médio. O documento aprovado prevê que apenas Português e Matemática tenham carga horária obrigatória em todos os três anos do Ensino Médio. As demais áreas de conhecimento poderão ser distribuídas ao longo destes três anos. A previsão é que as mudanças estejam em vigor no início do ano letivo de 2020. A reforma estabeleceu um currículo com base em cinco itinerários formativos: Linguagens e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias; Ciências Humanas e Sociais aplicadas; Formação técnica e profissional.

“Essa reforma do Ensino Médio é muito ruim, pois dá peso apenas para as disciplinas de Português e Matemática. Só que no Enem outras matérias são exigidas – o que elimina o aluno do ensino público da prova”, reclama Jaqueline.

Guilherme concorda com sua colega de profissão. “A reforma do Ensino Médio é algo que começou a ser planejada em 2013, com o propósito de diminuir as disciplinas, incluindo Sociologia e Filosofia. É um projeto de classe, atrelado a grandes empresários. Categoricamente é uma mentira e ilusão dizer que os alunos vão escolher”, lamenta.

Para o professor, essa reforma foi a perda de uma batalha. “Nos últimos anos, vimos os estudantes e professores lutarem, mas, com as mudanças, vem a fragmentação, acaba com a resistência. A reforma abre brechas para o notório saber, ou seja, a contratação de pessoas sem formação em Educação. Isso é a precarização da escola e do professor. Pela lei, o ensino a distância pode chegar no diurno a 20% e no noturno 30%. Um dos problemas é acessar a internet, algo que não é fácil. E quem depende da escola para a alimentação?”, questiona.

Ele acredita que a “Escola sem Partido” vai ao encontro da reforma. “O professor se torna um reprodutor do currículo, se torna neutro. Mas sabemos que não existe neutralidade. É uma forma de calar e tirar a autonomia, a crítica, o questionamento e a criatividade. Se torna uma escola que reproduz os valores dominantes, e o resultado é o aumento da desigualdade. O estudante e o professor são amordaçados, e a escola fica fragmentada e sem vínculo. São dois elementos: centralizar e controlar a educação, deixando a autonomia de lado. A Base Nacional Curricular ignora a diversidade. Precisamos construir a resistência para a revogação imediata dessa reforma criminosa”, conclui.

A luta pelo Ensino Médio na Maré

Até 2017, a Maré tinha apenas três Unidades que ofereciam o Ensino Médio. Em 2018, a Maré conquistou uma Unidade com Ensino Médio diurno de tempo integral. O Colégio Estadual João Borges de Moraes funciona com três turmas de 1º ano do Ensino Médio. Para uma avaliação, balanço e planejamento para 2019, foi realizada, em dezembro, uma reunião com o Secretário Estadual de Educação, Wagner Victer, e o Subsecretário de Gestão de Ensino, Paulo Fortunato de Abreu. Os diretores da Redes da Maré, Andréia Martins e Edson Diniz, e o diretor do Colégio Estadual João Borges de Moraes, Marcelo Belfort, também estavam presentes.

A conclusão foi de que, apesar das dificuldades enfrentadas, houve avanço no sentido de consolidar o Colégio João Borges como referência de Educação Integral na Maré. Ainda durante a reunião, foi entregue ao Secretário Victer um relatório com as necessidades do Colégio, condições necessárias para que o número de turmas em 2019 seja ampliado. Questões como a melhoria no abastecimento de água, convocação de novos profissionais, mobiliário para novas salas de aula e a liberação de recursos adicionais para a escola foram assumidos pelo Secretário de Educação como compromissos no sentido de garantir uma educação de qualidade para os jovens moradores da Maré.

Em 2018, 90 alunos cursaram o 1º ano do Ensino Médio. Em 2019, o colégio também terá turmas para o 2º ano. “O Colégio Estadual João Borges talvez seja o maior case de sucesso de construção, de solução com a comunidade. Não tenho nenhuma dúvida de que a nova gestão vai continuar esse trabalho, pois quando é construído com muita vontade, com muitas mãos, é difícil alguém derrubar”, afirma o Secretário.

Atenção: a direção do Colégio João Borges ressalta que ainda há vagas na escola.

Fique de olho nas datas abaixo:

  • Confirmação da reserva de vagas para o Ensino Fundamental e Ensino Médio: 03/01/2019 a 08/01/2019.
  • Pré-matrícula (2ª fase- Internet – www.matriculafacil.rj.gov.br), para os alunos não alocados, os que não confirmaram matrícula e os novos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (sendo 15 e 16/01/2019 exclusivos para alunos não alocados na 1ª fase):       15/01/2019 a 18/01/2019.
  • Confirmação da 2ª fase da matrícula nas escolas para os alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio: 23/01/2019 a 25/01/2019.
  • Solicitação de matrícula nova e transferências com as vagas remanescentes da matrícula informatizada devem ser feitas no site www.matriculafacil.rj.gov.br para candidatos que não participaram da 1ª e 2ª fase da matrícula (lista de espera): a partir de 30/01/2019.

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