Enem: pressão pode levar à depressão

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Exame Nacional do Ensino Médio assusta jovens que tentam uma vaga na universidade

Maré de Notícias #104 – setembro de 2019

Hélio Euclides

“Para mim, estou focado no que quero. Eu sei o que eu preciso fazer para ser um campeão. Então, estou trabalhando nisso.” Esse pensamento do velocista jamaicano, Usain Bolt, pode assemelhar a vida de um esportista a de um estudante na expectativa para uma prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O jovem é convocado a entrar no universo competitivo, onde seus adversários são invisíveis. Contudo, se não houver uma boa preparação também da parte emocional, esse clima pode deixá-lo desesperado, levando-o a um desequilíbrio. Alguns sintomas podem aparecer e culminar em depressão, que pode trazer resultados negativos.

O Enem e os vestibulares marcam o primeiro ritual de passagem da vida acadêmica de um estudante. Uma entrada no mundo do desempenho. Para Lindinaura Canosa, psicóloga e diretora técnica da Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro (SPCRJ), o estudante se sente como se estivesse dando um salto no escuro e ansioso para sair vitorioso nesse desafio. Nessa fase, os estudantes são acometidos pela Síndrome de Burnout, um distúrbio psíquico, de caráter depressivo, que é precedido de esgotamento físico e mental de alta intensidade.

Cerca de 60% dos estudantes são acometidos de estresse, que se manifesta por distúrbios do sono e digestivos. Diante de tal pressão, Lindinaura indica que a família deve auxiliar o estudante, promovendo um ambiente acolhedor, não aumentando a tensão com o excesso de expectativas. “Ele precisa da informação de que nem sempre o estudante que se esgotou será o mais bem-sucedido. Noites bem-dormidas ajudam na fixação da aprendizagem e um dia de folga por semana auxilia no aprendizado”, diz a psicóloga.

Hemerson Ari Mendes, diretor do Conselho Profissional da Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi), alerta que, além dos clássicos sintomas de depressão, a começar pelas alterações no apetite, sono, trabalho e/ou estudo e sexo, é preciso ter atenção à irritabilidade que, na maioria dos adolescentes, ocupa o lugar da tristeza. Para a psicanalista e psiquiatra Anette Blaya Luz, presidente da Febrapsi, a depressão leva o adolescente a uma tendência de isolamento de seu grupo de iguais, bem como de seus familiares. Este isolamento é um sinal de que algo vai mal.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 6% dos brasileiros sofrem de depressão e 9,3% de ansiedade. A presença da depressão na adolescência acompanha esse índice geral. Entre os jovens que sofrem de depressão, observa-se que 60% também têm transtornos de ansiedade. Hemerson explica que é preciso dar tempo ao processo vivencial do adolescente. E buscar ajuda psicoterápica, quando o sofrimento psíquico estiver afetando o cotidiano e o desenvolvimento.

Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina e diretor e superintendente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) acredita que para os estudantes a pressão que é imposta para alcançar bons resultados, além da escolha de uma profissão que, por muitos, é levada como a  “escolha da vida”, pode ser o gatilho para a doença, tornando-os mais propensos a desenvolver a depressão.

Segundo dados da OMS, estima-se que cerca de 10 a 20% de adolescentes em todo o mundo possuem algum transtorno mental que não é tratado adequadamente, sendo a depressão a 9ª doença que causa incapacidade a este público. O número de suicídio entre os jovens de 15 a 29 anos é altíssimo, sendo a 4ª maior causa de morte no Brasil. Antônio recomenda se afastar de situações de estresse intenso, prezar pela qualidade do sono, levar uma vida mais saudável com alimentação adequada e exercícios físicos.  “Muitos adolescentes sentem a pressão e ficam muito ansiosos. Se não observado a tempo e acompanhado por um psiquiatra ou outro profissional de saúde mental, isso pode levar a diversas doenças”, ressalta.

A depressão não tem endereço

Para quem pensa que a depressão é algo distante, se engana. Helena Reis, psicóloga da Clínica da Família Augusto Boal, no Morro do Timbau, recomenda prestar atenção às mudanças repentinas. O jovem deve saber que não está sozinho e nem é o único a passar por essa situação. “Também é importante tentar alguma atividade de que realmente gosta, como praticar um esporte, sair com amigos, ir à praça, ouvir música, retomar algum projeto. Enfim, reconhecer e valorizar os pequenos avanços conquistados”, afirma.

Helena sugere que o estudante procure, primeiro, o atendimento em uma unidade de atenção básica, como a clínica da família. Lá, o jovem será acolhido por uma equipe de profissionais de saúde da Estratégia Saúde da Família e receberá uma indicação de cuidados, que poderá ser na própria Clínica da Família ou no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi). Há também a possibilidade de uma articulação entre os dois serviços de saúde.

Para Thiago Labre, professor de Português, do Curso Pré-Vestibular Redes da Maré, o Enem vem acompanhado de uma grande carga emocional. Segundo ele, é preciso rever a fórmula das avaliações, com provas mais humanas, sendo mais interpretativas e menos técnicas. “No pré-vestibular, um estudante do ensino público percebe a defasagem, se sente frustrado, leva um susto quando vê os conteúdos, tudo é novidade. Temos um trabalho dobrado, já que trabalhamos também a autoestima. Diferente de um aluno de colégio particular, que entra num pré-vestibular só para se aprimorar”, comenta.

Para Thiago, o estresse é tanto que, em muitos casos, ocorre a desistência de realizar os exames, antes mesmo da segunda etapa. O chefe da nação não estimula o pobre a estudar e, assim, o estudante abaixa a cabeça. Quando se avalia pela cor, a situação ainda é pior. No pré-vestibular são os primeiros a desistir”, explica. O professor conta que, por necessidade, o aluno é incentivado ao trabalho, e o direito de estudar é negado.

Sua aluna, Lorraynne Brito, de 20 anos, moradora da Vila do João, frequenta há três anos no Curso Pré-Vestibular Redes da Maré e tomou uma decisão: não vai fazer mais o Enem. “Desisti por questão emocional. O Enem não é um sistema justo. Quando tentei na última vez, me desestabilizei. Passei a tomar calmantes, fiquei mais nervosa e sensível. Cheguei a perder sete quilos em dois meses. Estava com transtorno alimentar, desânimo, sintomas de depressão. Por meio da Redes da Maré, fui encaminhada a um psicólogo”, conta. Este ano, Lorraynne se recuperou e já fez a primeira fase da UERJ.

Desvendando os caminhos para o Ensino Superior

Enem

Tem como objetivo avaliar o desempenho do estudante ao fim do Ensino Médio. Cerca de 500 universidades já usam o resultado do exame como critério de seleção para o ingresso no Ensino Superior. Datas do Enem: 3 e 10 de novembro. Informações: http://portal.mec.gov.br/enem-sp-2094708791.

Prouni

É um programa que oferece bolsas de estudo a estudantes brasileiros, sem diploma de Nível Superior, para cursos de Graduação, em instituições de Educação Superior privadas. Informações: http://prouniportal.mec.gov.br/informacoes-aos-candidatos/18-o-que-e-o-prouni.

UERJ

Única universidade pública do Estado que não adere ao Enem nem ao Sisu como sistema de seleção. Prova de qualificação: 15 de setembro e exame discursivo previsto para 1º de dezembro. Informações: http://www.vestibular.uerj.br/?p=6673.

Sisu

Sistema de Seleção Unificada, gerenciado pelo Ministério da Educação (MEC), pelo qual instituições públicas de Educação Superior oferecem vagas a candidatos participantes do Enem. Informações: http://sisu.mec.gov.br/tire-suas-duvidas.

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