Política, Favela e Pandemia: E agora?

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Por Jéssica Pires e Mayara Donaria

O período eleitoral na região metropolitana do Rio de Janeiro, é sempre carregado de muitos desafios, e este ano não tem sido diferente. O histórico de territórios dominados pela milícia fortalece um sistema antidemocrático. Mesmo com muitos esforços, ainda não há solução prevista para a onda de desinformação causada pelas fake news. A pandemia do coronavírus culminou na maior crise da saúde de gerações no Brasil, e também em uma crise política. A política guarda soluções para muitos problemas sociais, mas tem o poder de criar novos. Como renovar a esperança das pessoas, para acreditar que o voto pode mudar uma realidade? Talvez este seja o maior desses desafios.

De acordo com o que tem sido apontado por autoridades médicas de todo o mundo, os países que seguiram as orientações da Organização Mundial da Saúde sobre ações durante a pandemia, tiveram números mais brandos. Infelizmente o Brasil não seguiu esse exemplo. O cenário piora ainda mais nas favelas e periferias. Só na cidade do Rio, já são mais de 2 mil casos confirmados nas favelas, de acordo com o Painel do Jornal Voz das Comunidades. Sem contar com a gigante subnotificação. O isolamento social nesses territórios tem sido um desafio pois faltam políticas públicas específicas. Muitas pessoas precisaram continuar trabalhando, já que o auxílio emergencial oferecido pelo governo não foi o suficiente ou nem existiu para milhares de famílias. Ainda assim, o presidente segue com um discurso negacionista e por isso é criticado mundialmente. Mesmo com todas essas dificuldades, vimos lideranças de favelas e periferias tendo grande protagonismo no combate à crise do Covid e estão na linha de frente nos seus territórios. 

Um dos maiores desafios que jornalistas, cidadãos, candidatas e candidatos, preocupados e comprometidos com a verdade tem enfrentado são as notícias falsas. Durante o período eleitoral essa prática tem chegado aos celulares de maioria dos eleitores. As consequências são confusão, revisionismo histórico de disputas de narrativa e da verdade. Candidatos têm sido eleitos se beneficiando dessas práticas, muitas vezes arquitetadas dentro de gabinetes e financiadas por dinheiro público. É um compromisso de todos combater as fake news.

O número de territórios dominados pela milícia no Rio de Janeiro já é maior do que o de dominados por outros grupos civis armados. Uma das faces das desigualdades raciais, de gênero e classe é a falta de representatividade na política. A falta de abertura, de transparência,  mecanismos de perpetuação de poder dos processos políticos e eleitorais tornam o jogo eleitoral um jogo de cartas marcadas. Quando falamos em disputar uma representatividade territorial, a presença de milícia também acaba sendo um obstáculo. O grupo tem convertido o poder territorial em eleitoral. Campanhas só podem ser realizadas com quem se compromete a garantir retornos financeiros para esses grupos durante o processo eleitoral e depois dele. A presença de milicianos em cargos legislativos e executivos tem sido uma evidência nos últimos tempos. Campanhas que têm discursos contrários aos interesses de milicianos sofrem ameaças e são proibidas de atuarem nesses territórios, ficando limitadas à uma atuação digital e à outros regiões não marginalizadas por estes grupos.

As eleições municipais, até o momento, estão previstas para o mês de outubro. Fazer campanha nessa situação será inédito. É previsto um esforço muito maior digitalmente, já que será mais difícil a convocação para as ruas por parte dos candidatos que acreditam no isolamento como forma de combate à Covid-19. 

 As eleições para a vereança, são muito importantes pois são candidaturas mais acessíveis para grupos historicamente excluídos da política. O que deveria ser garantido a essas pessoas é condições de competir igualmente e segurança, durante e pós campanha. Pois são eles  os alvos constantes dos discursos de ódio. Outro desafio, será as novas regras eleitorais. Com o fim das coligações para cargos proporcionais, existe uma tendência à redução do número de partidos e candidatos com poucos votos, não serão eleitos por conta dos “puxadores de votos” do seu partido. 

Por fim, um caminho possível para essas questões é uma proposta de estrutura política participativa. A resolução de problemas estruturais de desigualdade e um plano de ampliação deles só pode ser revertido com a participação popular. Acredita-se na política da representação, onde um povo só avança quando ele se vê no poder. Mesmo quando representantes públicos criam problemas sociais profundos, usam, compram e manipulam o voto para fazer a manutenção desse abismo social, e assim manter no poder apenas os mesmos sobrenomes. 

Essa eleição, acontecerá depois do levante anti racista que tomou as ruas do mundo todo. Importante destacar que é a primeira eleição para vereadores, pós eleição de Marielle Franco, assassinada brutalmente em março, de 2018, que se tornou um símbolo para todas as pessoas negras, população favelada e periférica, mulheres e LGBTs, provando que sim, é possível que “minorias” ocupem esse espaço de poder. E só vamos mudar essa realidade quando tivermos a base da pirâmide da sociedade tomando as decisões, as mulheres negras. Isso reforma e balança todas as estruturas. 

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