Foram 180 projetos inscritos de todo o mundo e três premiados. Um deles do Brasil.
Por Thaís Cavalcante em 28/10/2020 às 15h30
Quem vive, sabe: a favela é uma cidade dentro da cidade. Tem sua própria dinâmica, uma população que constrói o chão que pisa, que mobiliza, que circula para fazer a economia girar e cria soluções para os mais diferentes desafios cotidianos. Dentro da vivência que é a ocupação da cidade a partir do próprio território, foi pensada uma integração urbana da cidade do Rio de Janeiro com as 16 favelas que compõe a Maré: o Concurso Internacional de Ideias Maré-Cidade. O concurso fez parte do 27º Congresso Mundial de Arquitetos (UIA2021RIO), promovido em julho pela União Internacional dos Arquitetos junto ao Instituto dos Arquitetos do Brasil com apoio da ONU-Habitat.
A ideia do concurso era pensar soluções e meios de valorização das atividades culturais da Maré, assim como aproximar a comunidade dos projetos selecionados. Com isso, as propostas desenvolvidas e o concurso pretendem atingir um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, que são as Cidades e Comunidades Sustentáveis. A ideia é nos próximos 10 anos tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. A Agenda 2030 reúne um plano de metas globais colocadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
A disputa foi grande: com 180 projetos participantes e feitos por estudantes de arquitetura e urbanismo do mundo todo, apenas três saíram vencedores e três receberam menções honrosas. Para chegar aos vencedores, os jurados avaliaram as ideias a partir do contexto local e da cidade, a criatividade para solucionar questões reais e o potencial das ideias que promovem a qualidade de vida dos moradores da Maré. Além disso, outros critérios foram levados em consideração, como a mobilidade e sustentabilidade do projeto, diversidade, o jeito de pensar arquitetura para além da construção e mais.
São Paulo por dentro da Maré
O único grupo brasileiro finalista do concurso propôs o Projeto Transpondo Fronteiras, que ganhou o terceiro lugar. Os integrantes Felipe Gripa, Guilherme Silvério, Júlia Morais, Nathalia Pinto e Priscilla Wazima são estudantes de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) de diferentes estados do Brasil.
Em conversa com o grupo, todos concordam que o objetivo foi entender o cenário urbano já existente na Maré para potencializá-lo ainda mais com a combinação do verde, das dinâmicas comunitárias e da rotina pulsante da população mareense.
Foram três meses de pesquisa e planejamento à distância, devido à pandemia. O grupo buscou facilitar demandas encontradas a partir de estudos sobre a Maré e, quando possível, pretendem visitar o território. As pesquisas da Redes da Maré e do Observatório de Favelas, também apoiadores do concurso, foram fundamentais para entender a dimensão de potências e possibilidades que o Conjunto de Favelas da Maré tem. Lino Teixeira, coordenador da área de Políticas Urbanas do Observatório de Favelas conta como foi o apoio da organização na construção do concurso. “Nós contribuímos para a definição das bases conceituais, processo de formação da Maré e outros. Depois, participamos com a parte das fotografias que serviram de base para as propostas, via Imagens do Povo”, diz.
“Dentro do edital, a gente fez a nossa própria leitura, olhando ruas que tivessem um caráter passível de intervenção. Foi muito interessante perceber a relação de galpões, terrenos e ruas. Por exemplo, umas são mais ocupadas que as outras, seja com serviços, comércio ou habitação. Levamos em conta tudo isso desde o começo da intervenção”, afirma Guilherme Silvério, um dos co-autores da pesquisa.
As características de cada favela também foram fundamentais ao decorrer do planejamento. “A gente queria muito fazer algo que fosse pensado no cotidiano dos pedestres e identificamos o BRT, pensando nas estações e nos percursos, para que fossem agradáveis. Vimos também que diversas atividades acontecem [na Maré] e a gente só queria trazer mais oportunidades de espaço”, diz Nathalia Pinto, uma das co-autoras.
Conheça as ideias premiadas:
1º lugar – Pequena Indústria e Indústria Doméstica (China)
A ideia aposta em um plano de revitalização para o território, questionando a possibilidade de tornar o que já é potencial em vantagem para a população da Maré. A estratégia sugerida considera a indústria como uma ferramenta de oportunidades, se ela for unida às atividades comunitárias e ao comércio local, que possuem uma dinâmica própria.
2º lugar – Vamos deixar a convenção começar (China)
A proposta coloca como prioridade as relações culturais e de proximidade que toda a cidade pode ter com a Maré, a partir do acesso integral e das trocas econômicas e de cultura local. Ela sugere, ainda, cinco acessos que liguem o território à cidade e a substituição de fábricas por centros educacionais e culturais. Um plano de renovação que envolva todas as regiões da cidade, além de sugerir novas casas e praças.
3º lugar – Transpondo Fronteiras (Brasil)
A ideia traz um projeto urbano e paisagístico para valorizar ainda mais os espaços livres e de lazer do território. A partir de um estudo mais detalhado, a Rua Flávia Farnese, que corta geograficamente algumas favelas da Maré, foi citada como uma via estratégica para intervenções. Desta forma, ela receberia uma nova estrutura, com grandes calçadas, estrutura de mobilidade urbana, dentre outros. A valorização do verde também faz parte da composição da proposta, que traz a decoração junto à importância ambiental dessas ações.
Os projetos são bem diferentes, mas têm o mesmo objetivo: mostrar o que o Conjunto de Favelas da Maré tem de mais potente, além de integrar interesses e a dinâmica participativa da população que compõe esse espaço.