Por mais eleições enegrecidas

Data:

Maré de Notícias #118 – novembro de 2020

Thais Custodio: 30 anos, nascida e criada na Maré, economista e mestranda em Economia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). É pesquisadora no Núcleo de Pesquisa e Monitoramento de Projetos (NUPEM), na Casa Preta da Maré, projetos da Redes da Maré.

O ano de 2020, sem dúvida, está marcando uma geração com um aumento no debate sobre racismo e representatividade. Um desses marcos é que temos pela primeira vez o maior número de candidatos que se declararam como pretos e pardos (51%) em relação aos candidatos brancos (48%). Em 2014, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) incluiu a variável cor/raça nos registros dos candidatos de cada partido e, de lá para cá, esta é a primeira vez que temos um número tão significativo de candidaturas de pessoas negras. O último Censo do IBGE aponta que 56,2% da população brasileira é composta por pretos e pardos, enquanto que os brancos são 42,7%, indígenas e amarelos 1,1%, e as mulheres pretas e pardas, 27,8%.

Entretanto, é importante sinalizar que o cenário muda quando esmiuçamos os dados sobre candidaturas negras. No caso dos prefeitáveis das 26 capitais brasileiras, apenas 20 mulheres negras disputarão as prefeituras. Já nas candidaturas para vereador, houve um aumento no número de candidatas negras, que representa um pouco mais de 6% em ambas as situações. Esses dados mostram a luta que o movimento negro vem realizando ao longo de anos, ocupando, cada vez mais, espaço em nossa geração. Mas sabemos que há muito a ser feito ainda.

Em 2018, a Justiça eleitoral decidiu que os partidos deveriam reservar, pelo menos, 30% de suas verbas e de suas vagas para candidaturas de mulheres. Recentemente o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a reserva de recursos para negros nas eleições já deve valer para o pleito municipal de 2020, decisão que não agradou alguns partidos políticos. É possível que muitas dessas conquistas estejam relacionadas ao processo de luta por uma igualdade racial em todos os aspectos da sociedade, impactando o aumento de pessoas se reconhecendo como pessoas racializadas.  

Segundo o site do Tribunal Superior Eleitoral, no município do Rio de Janeiro, são candidatas à prefeitura: Benedita da Silva (PT), Renata Souza (PSOL) e Suêd Haidar (PMB), representando o maior número de mulheres negras como prefeitáveis na região sudeste. Dona Bené e Renata têm chapas enegrecidas, com pessoas negras candidatas à vice-prefeitura. Curiosamente, outros candidatos brancos têm também, como vice, pessoas negras, como Clarissa Garotinho (PROS), Martha Rocha (PDT), Fred Luz (Novo) e Paulo Messina (MDB). Ora, em um momento emblemático em que o debate racial se encontra cada vez mais latente, é muito estratégico colocarmos pessoas pretas em evidência, ainda que seja dando apoio a uma pessoa branca ou, eventualmente, em lugar de destaque. Embora isso seja um avanço, é preciso questionar o comprometimento das pessoas e dos próprios partidos com a luta antirracista. Ter essas pessoas negras ao seu lado ou à frente de uma campanha é apenas uma forma de se adequar à pauta antirracista ou é um debate tratado cotidianamente por essas organizações e aqueles que fazem parte delas?

Quando olhamos os dados de cada partido referentes às receitas partidárias para cada candidato à prefeitura, não é possível fazermos nenhuma análise comparativa em relação às últimas eleições devido à falta de candidatas negras. No entanto, é possível ver o orçamento disponibilizado como receita de cada partido para as candidaturas, tanto para a prefeitura quanto para os vereadores. Ao abrir-se o site do TSE, nota-se que, mesmo com o avanço, as candidatas negras ainda são as que recebem menos apoio financeiro eleitoral em relação às candidatas brancas. Há ainda falta de transparência no processo eleitoral nos sites de cada partido, evidenciando que a sociedade civil carece de engajamento no debate político e, pior, o pacto narcísico da branquitude segue a todo vapor.

Em tempo, é de muita coragem enfrentar as urnas neste momento tão delicado, com uma pandemia mundial em curso, colapso da saúde brasileira, tantas vidas sendo perdidas e desgoverno que o estado e o município do Rio vivenciam. Minha esperança está nessas mulheres negras que tanto lutam para garantir o funcionamento do estado democrático de direito. Afinal, nossos passos vêm de longe.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial.

Redução da escala 6×1: um impacto social urgente nas Favelas

O debate sobre a escala 6x1 ganhou força nas redes sociais nas últimas semanas, impulsionado pela apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe a eliminação desse regime de trabalho.