Moradores da Maré se organizam e arrecadam alimentos durante a pandemia

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Pessoas, projetos e grupos de torcidas organizadas têm realizado ações de solidariedade pelas 16 favelas da Maré

Por Hélio Euclides, em 07/12/2020, às 18h
Editado por Andressa Cabral Botelho

O Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo, de acordo com o último relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Segundo o IBGE, a desigualdade aumentou no Brasil em 2018. De toda a renda do país, 40% estão concentrados nas mãos de 10% da população, cerca de 104 milhões de brasileiros. A metade mais pobre da população vivia em 2018 com apenas R$ 413 mensais, considerando todas as fontes de renda. A pandemia deixou ainda mais explícita essa desigualdade social. Mas com ela, vimos também diversas empresas e instituições que trabalharam neste período com responsabilidade social, a solidariedade foi a ação mais potente nas favelas e periferias. 

Pessoas simples arregaçaram as mangas e tentaram mudar a situação de seus territórios. Na Maré não foi diferente: diversos foram os casos de mareenses que se doaram para ajudar o vizinho ou pessoas que nem conhece dentro da favela. Luiza Aguiar foi uma dessas pessoas que percebeu que era necessário fazer algo. Assim nasceu o Projeto Beleza Solidária, que toda terça-feira oferece serviços no salão de cabeleireiro localizado na Vila do João, uma das favelas da Maré, em troca de quilos de alimentos. O que é arrecadado é doado para pessoas que não tem comida em casa. O sinal vermelho acendeu quando percebeu que os clientes estavam afastados, pois faltava emprego e dinheiro. “A Joana Dark Braga, dona do salão, veio com a ideia da ação solidária, e abracei a proposta. Queríamos ajudar com dinheiro, mas não tínhamos. Então, resolvemos trocar serviço por alimentos. O projeto é algo pequeno, mas podemos ajudar várias famílias”, diz Aguiar. A dupla começou a divulgar nas redes sociais e recebeu apoio de diversas pessoas.

Uma instituição da Ilha do Governador deu a partida com cestas básicas e depois os próprios moradores se sentiram incentivados a participar da iniciativa. O salão oferece tratamento no cabelo de escova e corte, pintura de unhas e cuidados com a sobrancelha. “Quando começamos a efetuar as entregas das cestas, percebemos realmente que aquela pequena ajuda estava sendo uma luz para muitas famílias. Do outro lado, algumas pessoas se sensibilizaram e vinham deixar comida mesmo sem querer os serviços prestados”, diz a cabeleireira. Cada edição da ação consegue em média 40 quilos de alimentos. 

Para ela, o ato é uma mistura de sentimentos, como gratidão, esperança e felicidade. “Poder levar um sorriso para as pessoas é muito satisfatório. Também recebemos fraldas para duas crianças, que em troca nos ensinam o valor da vida”, comenta. A dupla já conseguiu cerca de 140 cestas. Algumas dessas cestas são doadas para motoristas de transporte alternativos que, durante o fechamento dos shoppings, ficaram sem trabalho. 

Muito além do alimento

Para alguns, a solidariedade já vem de muito tempo, mas se intensificou na pandemia. Mônica Galeno sempre foi envolvida em causas sociais como colaboradora. “Na pandemia, especificamente, vi muitas pessoas com grande necessidade de ajuda não só em alimentos. Com auxílio de outras pessoas que abraçaram a causa, ajudamos uma grande quantidade de pessoas nesses meses”, diz. Ela oferece tratamento no cabelo para quem não tem como pagar, no seu salão de cabeleireiro na Vila dos Pinheiros.

A mobilização conseguiu cestas básicas, kits de higiene e escovação, direcionamento para tirar documentos, roupas e doação de sangue. “A causa é a solidariedade, ajudar sem questionamentos. Vimos muitas necessidades dentro da própria comunidade. Nós somos as formiguinhas que fazem um trabalho silencioso. Mesmo com ações solidárias, ainda precisamos de mais união para conseguir um propósito. Não dá para esperar o governo, precisamos fortalecer a favela”, expõe. Galeno realiza o seu trabalho em conjunto com o Maré Solidária, grupo que realiza ações solidárias no território, e o Fla Maré, grupo de amigos torcedores do Flamengo. 

A parceria com o Maré Solidária aconteceu em um momento muito difícil na vida da cabeleireira e demonstra que não é só gentileza que gera gentileza. Solidariedade também gera solidariedade “Conheci o Rafael, do Maré Solidária, quando minha casa pegou fogo no início deste ano, e ele me estendeu a mão. Digo que o que jogamos para o universo tem um retorno. A minha casa ficou muito deteriorada, não foi nenhuma grande empresa ou governo que me ajudou, mas os moradores. Cada um deu um material para a reforma, isso fez a diferença para a construção”, comenta. Ela agora está mobilizada para ajudar uma família que o lar pegou fogo na Vila do João.

Muito além do futebol

Alguns estão na solidariedade como mobilizadores. Victor Hugo Soares é um desse que agitam os colaboradores. Além de estudar para se tornar barbeiro, ele trabalha em conjunto com torcidas locais e o Maré Solidária. Além dos cortes de cabelo nas ações sociais, há coleta para pagamento de enterro. No final do ano, consegue com ajuda de amigos da Via C/11, na Vila dos Pinheiros, doações para um abrigo na Avenida Brasil. “Com esses projetos a gente segue ajudando com pouco quem não tem nada. Precisamos de uma corrente de projetos bons. Nossa comunidade é difícil de ter ajuda do governo, então nós temos que nos se agarrar uns nos outros e ajudar quem mais precisa”, resume.

“O coletivo vem quando tem alguém que precisa. Outro dia com o Paixão Fla Maré fizemos um mutirão, conseguimos mais de três cestas básicas e compramos um botijão com kit completo para uma moradora que precisava. Outra vez uma casa pegou fogo na Nova Maré e conseguimos colaborar com a família”, expõe. Agora em conjunto com o Fla Bagdá tentamos conseguir alimentos e móveis para duas famílias que perderam as casas em um incêndio na Vila do João. 

Quem desejar colaborar com as ações solidárias:

Projeto Beleza Solidária – 96586-8728 / 98078-3133
Mônica Galeno – 99082-8227
Victor Hugo Soares – 97969-2245 / 97563-4936

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