Um mundo que não vê pessoas com deficiência

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Moradores da Maré se unem em grupos para lutarem por direitos 

Maré de Notícias #119 – dezembro de 2020

Por Hélio Euclides

Calçadas em péssimas condições, falta de guias rebaixadas, inadequação de lojas, transporte sem adaptação, ensino profissional precário, preconceito e diversas barreiras em prédios comerciais e públicos. Essas são algumas das dificuldades enfrentadas diariamente por quem tem deficiência. Somado a isso, ainda há a dificuldade para acessar os serviços de saúde, auxílios e benefícios. Para se fortalecer, familiares de Pessoas com Deficiência (PcD) se unem em coletivos para se ajudarem e conquistarem direitos. 

A deficiência física, bem como os transtornos psíquicos são fatores limitadores do acesso a bens, equipamentos e direitos de cidadãs e cidadãos. O Censo Maré (2019) indagou a existência de moradores com deficiência intelectual, física ou motora, indicando que 3.5% dos domicílios, ou seja, 1.670 casas, têm, pelo menos, um morador nessa condição. Já a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 estimou 200,6 milhões de pessoas residentes em domicílios particulares permanentes. Desse total, 6,2% possuíam pelo menos uma deficiência. 

Pensando nessa população e na urgência de suas pautas, que envolvem saúde, educação, mobilidade e outras questões, foi criado o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. O dia 03 de dezembro foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), e a data tem por objetivo conscientizar a sociedade para a igualdade de acesso e de oportunidades a todas as pessoas. Entretanto, vivemos em um cenário longe de promover igualdade a esse grupo.

Para piorar a vida dessa parcela da população, o Presidente Jair Bolsonaro assinou o Decreto nº 10.502/2020, que acaba com a obrigatoriedade de as escolas regulares matriculem alunos com deficiência e estimula a criação de escolas e salas de aulas específicas para eles. Fabiana Oliveira é mãe de Kelly, que tem multi- malformação nos órgãos, e não ficou satisfeita com a medida do Governo Federal. “Sou contra, pois prefiro que minha filha conviva com todos, até porque é preciso que as crianças aprendam a conviver com as diferenças”, afirma. 

O jornalista comunitário Anderson Jedaí acredita que a opinião pública trata a questão com descaso, e a sociedade não tem empatia com as pessoas com deficiência. Para ele, uma resposta será dada na Maré quando houver união dos presidentes de associações de moradores, lideranças locais, ativistas, formadores de opinião, instituições do terceiro setor e líderes religiosos para o bem comum. “É preciso deixar de lado as diferenças e falar sobre a questão da mobilidade urbana. A partir deste ponto, discutir pautas importantes para dentro da Maré”, expõe. 

Quem tem a mesma opinião é Rafael Lima, presidente do projeto Maré Solidária. O projeto tenta se mobilizar para a aquisição de cadeira de rodas, beneficiando quem não tem renda suficiente. “Muitos não recebem o benefício do INSS ou estão na fila, algo que demora. O projeto nasce para atender às demandas, não só na Maré”, diz Lima, que acha que as instituições precisam ter um olhar mais atento para essas pessoas. Ele conta que uma cadeira de roda custa de R$ 500 a R$ 3.000, então, o projeto faz o empréstimo, e quando a pessoa fica boa, devolve o assento que é encaminhado para outro paciente. “Nos tempos atuais, de tantas desigualdades e intolerâncias, a solidariedade se torna ainda mais essencial, pois é uma forma de combater as desumanidades e trazer para as pessoas um pouco de esperança”, expõe. 

Ana Cunha (E), fundadora do Especiais da Kelsons, junto à Fabiana Oliveira e Kelly – Foto: Matheus Affonso

Só a união pode superar os obstáculos

Os Especiais da Maré já contaram a sua trajetória nas páginas da edição 109 do Maré de Notícias, de fevereiro de 2020. Na entrevista, Alusca Cristina não imaginava a dificuldade que seria com a pandemia. “Para quem tem pessoa com deficiência na família, a vida já é difícil, mas, este ano, se complicou. Ocorreu muito desemprego, então, foi necessário intensificar o trabalho de doação para a cesta básica, fraldas e leite”, diz. O projeto conta com 400 pessoas cadastradas, que interagem e se ajudam por meio de dois grupos do WhatsApp. 

Com a pandemia, o grupo acabou dando um tempo no sonho de ter um centro de reabilitação na Maré e de formalizar o projeto. “Não estamos parados. No Dia das Crianças, a festa não aconteceu, mas as crianças do projeto receberam em casa um brinquedo. Para o ano que vem, desejamos voltar com o guarda-roupa solidário, que são encontros semanais na Vila Olímpica da Maré, nos quais as mães conversam e levam sua doação para casa”, conclui. 

Em Marcílio Dias, existem dois grupos que atuam na defesa das pessoas com deficiência. O Projeto Especiais da Kelson’s foi criado para reunir doações e agrega mais de 70 pessoas, entre familiares de pessoas com deficiência e amigos, e se articula por meio de um grupo do WhatsApp. A iniciativa partiu da Associação de Moradores de Marcílio Dias, presidida por Ana Cunha. Umas das mães presentes no grupo é Patrícia Barros, mãe de Kauan, que é autista, tem paralisia, síndrome de West e deficiência visual. Ela reclama que o governo não cumpre seu papel. “Não pego remédio de graça, eu compro há oito anos. Na última semana, eu paguei R$ 500 de consulta. Se dependesse da saúde pública, meu filho já tinha morrido”, conta. Além disso, ela reclama que foi muito difícil conseguir o Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social (BPC). Ao Maré de Notícias, a Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH) declarou que o BPC é um benefício oferecido pelo Governo Federal, ficando sob sua responsabilidade apenas o cadastramento no CadÚnico. 

Osvaldina Barros de Carvalho, mãe de um autista de oito anos, reclama que seu filho não tem nenhum acompanhamento médico. “Fui em uma consulta no Instituto de Neurologia Deolindo Couto, mas eles não aceitaram começar o tratamento, pois é necessária uma equipe multidisciplinar. Também fui no CAPSi Visconde da Sabugosa, localizado na Praia de Ramos, mas recebi a mesma resposta”, conta. Ela aguarda na fila do Sistema de Regulação (Sisreg). 

A RioSaúde, empresa responsável pelo Centro Municipal de Saúde (CMS) João Cândido, que atende à comunidade de Marcílio Dias, informou que o médico pediu demissão, mas tenta contratar outro profissional para a unidade. Os pacientes do CMS são atendidos pela enfermagem e, quando há indicação, são encaminhados para assistência médica na Clínica da Família Heitor dos Prazeres, do outro lado da Avenida Brasil. Apenas as consultas em especialidades são marcadas pelo Sisreg para unidades de referência. Sobre a farmácia, a empresa assegurou que funciona de segunda à sexta-feira para fornecimento de remédios aos pacientes. 

Outro projeto que atua em Marcílio Dias é “Criando Laços Especiais”, organizado por Ana Paula Germano, mãe de um menino autista, de 12 anos. O grupo reúne 30 famílias pelo WhatsApp e em redes sociais. “Ser mãe de especial de alguma maneira te torna especial. Talvez a forma que encarei a deficiência do meu filho foi o início para tudo acontecer. Espero que possa ajudar mais famílias, e que elas se sintam acolhidas por pessoas que entendem o que elas passam”, diz. O objetivo do grupo é a ajuda mútua, a troca de experiências e as doações de fraldas e medicações.

Abaixo os contatos para quem desejar fazer sua doação: 

Maré Solidária

Instagram: @maresolidaria_oficial

Facebook: maresolidaria

Instituto Jacqueline Terto

Instagram: @inst_jac_terto

Criando Laços Especiais na Kelson

Instagram: @criandolacosespeciaisnakelson

WhatsApp: 98265-1519

Especiais da Kelson

WhatsApp: 99604-6504

Especiais da Maré

WhatsApp: 96989-0092

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