Na luta pela educação de meninas mareenses

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Pesquisa sobre educação e pandemia mostra dificuldade de se acompanhar o ano letivo de casa

Maré de Notícias #122 – março de 2021

Por Thaís Cavalcante

“É uma sensação de abandono pela educação, sensação de um ano perdido (…). Isso não foi pensado para uma criança de favela”, diz a mãe de uma aluna de 12 anos, moradora de uma das favelas da Maré. O desabafo resume o desafio que estudantes, famílias, professores e escolas do território enfrentaram em 2020, quando se deu a suspensão das aulas presenciais, por causa da pandemia. O depoimento está na pesquisa Educação de meninas e COVID-19 no Conjunto de Favelas da Maré, levantamento feito com mais de mil participantes para entender como se deu o estudo e o acompanhamento de atividades pedagógicas, durante o último ano.

Foram ouvidas meninas a partir dos seis anos, moradoras da Maré matriculadas em escolas de ensino regular ou em projetos educacionais das 16 favelas do território. A pesquisa teve início em abril de 2020, e foi realizada pela Redes da Maré, em parceria com o Fundo Malala, no intuito de elaborar um processo de incidência em políticas públicas na promoção do acesso e no combate à infrequência e à evasão escolar.  “A parceria com o Fundo Malala nos traz a oportunidade de fortalecer o trabalho com meninas e mulheres, já realizado pela Redes da Maré. A Maré tem um histórico de luta por direitos com forte protagonismo das mulheres. O Fundo Malala apoia iniciativas que incidam sobre políticas e práticas para que todas as meninas possam ter acesso a 12 anos de educação gratuita, segura e de qualidade,” diz Andreia Martins, diretora da Redes da Maré.

O levantamento revelou que apenas uma em cada quatro meninas tinha computador em casa, que 34,7% têm internet em casa e que 61,2% tinham celular com acesso à internet. Contudo, há de ser considerado que o serviço de internet na Maré é precário e que, muitas vezes, o pacote de dados contratado pelas famílias não conseguia chegar ao final do mês. Dessa forma, o processo de aprendizagem ficou bastante comprometido. Apenas 27,7% das meninas e mulheres entrevistadas conseguiram manter uma rotina de cinco dias de estudo em casa, como é previsto no ensino presencial.  “As redes de ensino precisam estar atentas e buscar alternativas para compensar, de alguma maneira, essa defasagem educacional. A partir da identificação dessas dificuldades, poderemos buscar formas de garantir o acesso à educação”, completa Martins.

A partir dos dados coletados, será planejado o trabalho de busca ativa, em parceria com as escolas, instituições locais e moradores para a identificação de meninas com infrequência na escola ou mesmo que não estejam matriculadas, buscando reduzir a evasão escolar. A articulação com equipamentos públicos, não só de educação, mas de saúde e assistência social, buscando a criação de rede de proteção que tenha como objetivo atuar nas causas da evasão escolar é um dos objetivos do projeto.

A participação da Redes da Maré na Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala Brasil, permite que haja contato com  a realidade educacional de outros estados do país, criando oportunidades de participação na discussão e proposições de ações que possam incidir na elaboração de políticas públicas em âmbito nacional. No Brasil, o Fundo Malala apoia sete instituições de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Além disso, a participação na rede aproxima o Brasil da realidade de outros países do mundo, apoiados pelo Fundo Malala. São eles: Afeganistão, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão e Turquia.

Algumas recomendações:

  • Exigir das concessionárias de telefonia facilidade de acesso à internet de qualidade;
  • Criar alternativas pedagógicas para estudantes sem acesso à internet;
  • Garantir que os conteúdos de 2020 sejam ensinados ou recuperados em 2021;
  • Definir políticas educacionais que apoiem educadores na garantia do direito à educação;
  • Investir na formação de professores para melhor atuação durante a pandemia;
  • Criar uma articulação entre as redes de ensino municipal e estadual;
  • Promover a busca ativa de estudantes que estão fora da escola, identificando e resolvendo os problemas que impedem sua participação nas atividades remotas, híbridas ou presenciais;
  • Instalar dentro da Maré um escritório da IV Coordenadoria Regional de Educação (CRE).

Os números da Maré são o reflexo de um cenário muito maior, e em diversos níveis. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre as mais de 50 milhões de pessoas de 14 a 29 anos do Brasil, 10,1 milhões não completaram a educação básica (educação infantil, ensino fundamental e médio), seja por nunca terem frequentado a escola ou pelo abandono dos estudos.

Os principais motivos para a evasão escolar são a necessidade de trabalhar (39,1%) e falta de interesse (29,2%). Já no caso das mulheres, a gravidez (23,8%) e ser responsável pelos afazeres do lar (11,5%) são fatores determinantes para não irem à escola.

A questão racial pesa nos números. Em 2019, a porcentagem de pessoas brancas analfabetas de 15 anos ou mais era de 3,6%, enquanto a de pessoas negras da mesma faixa etária era de 8,9%.

De acordo com o Censo Maré (2019), 53,47% de seus habitantes não completaram o ensino fundamental. Já a taxa de analfabetos entre pessoas a partir de 15 anos corresponde a 6% da população; das 6.302 pessoas que não sabem ler e escrever, mais da metade são mulheres. No território, 63% das pessoas pretas ou pardas são analfabetas.

A paquistanesa Malala Yousafzai é uma ativista pelo direito à educação gratuita e acessível para meninas em todo o mundo. Depois de sobreviver a um atentado no Paquistão, tornou-se uma figura combativa pelo direito de meninas à educação, criando, em 2013, o Fundo Malala, uma organização internacional e sem fins lucrativos que apoia meninas e jovens mulheres por todo o mundo. Malala foi a pessoa mais jovem a receber o Prêmio Nobel da Paz. Sua trajetória já foi registrada em uma biografia, um documentário e um filme.

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