Por Fala Roça, em 10/05/2021 às 12h25
A Rocinha nunca parou de crescer. E ninguém conseguiu entender como a favela chegou a ser o que é hoje. Excluída dos serviços básicos da cidade, a Rocinha inspirou pesquisadores do MIT Senseable City Lab, em colaboração com o Secretário de Planejamento Urbano, Washington Fajardo, a criar o Favelas 4D, um sistema de mapeamento digital de todas as ruas, becos e vielas do morro com o auxílio de scanners 3D.
O diretor do MIT Senseable City Lab e professor, Carlo Ratti, se impressionou com a engenhosidade e os métodos de construções das moradias. “Este processo de planejamento de baixo para cima e a arquitetura complexa desafiam a forma padrão de projetar cidades.”, diz Ratti.
Nas últimas décadas, as únicas ferramentas disponíveis aos planejadores urbanos eram mapas e planos cadastrais disponibilizados pelas prefeituras, e em muitos casos, as favelas sequer eram incluídas nesses mapas oficiais da cidade, criando verdadeiras áreas sem qualquer informação. A falta desses dados impediu a correta tomada de decisões e provocou dificuldades para milhares de moradores.
Agora, o MIT desnuda a favela para que os futuros planejadores invistam em políticas públicas para a maior favela do país.
Tecnologia e as transformações sociais
O mapeamento 3D mostrará como a Rocinha aparenta ser por meio de milhares de pontos que juntos formam um mapa digital, sendo possível analisar as características dos imóveis na favela. Esse tipo de mapeamento também captura as dimensões, elevações e inclinações com as coordenadas.
A coleta de dados precisos sobre os becos e vielas da favela permitiria, por exemplo, implantar eixos de escoamento de esgoto e água com base nas inclinações e alturas dos becos ou possibilitar definir os caminhos disponíveis para a passagem de cabeamento de energia elétrica.
O projeto está em fase experimental e surgiu a partir de uma pesquisa acadêmica do Secretário de Planejamento Urbano do Rio, Washington Fajardo, que apresentou a ideia ao MIT e diz que os próximos passos dependem de recursos financeiros. “Depende de ter as tecnologias, de ter financiamento e isso pode continuar num ambiente mais acadêmico, de política pública.”, diz ele sem ter clareza do futuro do mapeamento.
Esses scanners de última geração vão gerar 300 mil pontos de dados a cada segundo, construindo uma rede digital com informações precisas. O custo para escanear e mapear a favela será de aproximadamente US$ 60 mil (cerca de R$ 320 mil) e não tem prazo para ser finalizado. “Com um mapa preciso da Rocinha, a cidade poderia mais facilmente fornecer acesso a serviços públicos como coleta de água e lixo, melhorar becos e criar praças e locais públicos”, explica um dos coordenadores do projeto em texto publicado na revista MIT Technology Review.
O mapeamento digital na Rocinha segue três critérios: o tipo de moradia, a melhoria da infraestrutura de maneira eficiente e a possibilidade de agilizar a regularização fundiária por meio de moedas digitais para evitar burocracia e reduzir o custo de transferência de títulos. “Se conseguirmos lidar com isso, porém, os moradores das favelas poderiam comprar e vender imóveis mais facilmente do que em qualquer sistema formal de registro de imóveis. Ter um melhor conhecimento do layout físico das favelas também poderia melhorar as condições de vida. Os projetistas urbanos poderiam usar esses dados para decidir onde instalar escadas, ou quais estruturas remover para permitir mais ar, sol ou luz.”, dizem os pesquisadores.
No entanto, ainda não está claro de que maneira esses dados seriam protegidos e em quais termos eles seriam disponibilizados e armazenados. A privacidade dos dados é um dos temas mais recorrentes na discussão sobre novas tecnologias, fomentando diversos documentários e estudos sobre o impacto da coleta de dados na vida. No site oficial do projeto, não há nenhuma menção a política de privacidade e onde os dados já captados estão sendo armazenados.
Privacidade em xeque
A falta de transparência e o uso desenfreado de dados sobre as pessoas tem sido questionado ao redor do mundo sobre até que ponto os benefícios de novos aplicativos podem sobrepor o direito individual de privacidade das pessoas. Para a cientista da Computação, Nina da Hora, a produção massiva de dados dificulta pensar no armazenamento e proteção. “Vale lembrar até que ponto não disponibilizar os dados e os processos com os moradores pode lá na frente se tornar um problema de privacidade de dados”, questiona a especialista.
Não são só as casas que estão sendo mapeadas. Pessoas, também. Mas Fajardo garante que elas são apagadas da pesquisa. “O scanner não capta pessoas dentro de casas. Dentro de casa só com o consentimento da pessoa”, finaliza.
Procuramos o diretor da BRTECH3, Carlos Coutinho, empresa responsável por manusear os scanners 3D com sede em Macaé, no norte do estado do Rio. Ele disse que os dados estão armazenados no MIT e com cópias off-line nos bancos de dados da empresa, “sempre respeitando nossa política interna de privacidade e em conformidade com as políticas da nova LGPD.”.
LGPD é a sigla para Lei Geral de Proteção de Dados do Brasil, em vigor desde de 2020. A LGPD estabelece regras sobre coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados pessoais, impondo mais proteção e penalidades para o não cumprimento.
A Prefeitura do Rio não publicou nenhuma informação desde o começo da pesquisa, embora esteja atuando pelos bastidores. Apurado pelo Fala Roça, as áreas de levantamento ainda estão sendo definidas pela prefeitura, entretanto, não há verba para que saia do papel.
De acordo com o Banco Mundial (Bird), mais de 50% da população global vive hoje em áreas urbanas. Até 2045, a população urbana mundial aumentará 1,5 vezes para 6 bilhões, sendo metade desses moradores de favelas, segundo outro estudo da ONU.
O Bird alerta que os líderes municipais devem agir rapidamente para planejar o crescimento e fornecer os serviços básicos, infraestrutura e habitação acessível para suas populações em expansão. Como é o caso da Rocinha que não parará de crescer e a cada dia sofre mais com a falta de serviços de saneamento básico.