Raio-x da saúde na Maré

Data:

Como unidades de saúde estão trabalhando em meio ao segundo ano da pandemia 

Por Hélio Euclides, em 14/06/2021 às 06h

Editado por Edu Carvalho

Em 1994, o recém criado bairro Maré, só contava com uma unidade de saúde na Praia de Ramos. Para melhorar o atendimento na região, foram utilizados os espaços odontológicos dos seis CIEPs do território, para abertura de postinhos. Na Vila do João a gestão era da UFRJ. Em Marcílio Dias a responsabilidade era dos Médicos Sem Fronteiras. Com o passar do tempo, as pequenas unidades deram lugar a três Centros Municipais de Saúde (CMS) e quatro Clínicas da Família (CF). Apesar dos avanços, unidades ainda sofrem com problemas estruturais.

O CMS Vila do João é a única unidade que utiliza o mesmo espaço do passado, com adaptações. Isso ainda traz consequências, como problemas com o telhado. O posto já foi matéria no Maré de Notícias, quando vazamentos destruíram parte da sala de atendimento odontológico. Até o momento, o consultório continua interditado. Para piorar, parte da unidade se encontra com falta d’água, o que impossibilita o uso dos banheiros, isso em uma pandemia. Em plena vacinação, é possível encontrar uma geladeira parada por defeito, que possui gerador que após falta de energia funciona por até duas horas. Um profissional que preferiu não se identificar disse que apesar dos problemas, esse ano ainda foi melhor do que 2020. Já que foi adquirido uma geladeira e ocorre mensalmente a manutenção dos aparelhos de ar-condicionado, algo que não vinha acontecendo. 

Em 2018, foi inaugurada a CF Clínica da Família Diniz Batista dos Santos, que tem seu prédio fora do território, na avenida Brigadeiro Trompowski, próximo ao BRT Maré. O grande problema é o acesso, que dificulta o atendimento de idosos e cadeirantes. Na passarela que liga o Parque União a unidade, o paciente precisa descer 35 degraus para se consultar. Menos de um mês depois surgia a CF Jeremias Moraes da Silva, na Nova Holanda. Após acordo com o governo estadual que cedeu parte de um prédio, foi possível o funcionamento da unidade. Por ser uma adaptação, a edificação não tem luz elétrica e até hoje funciona por meio de gerador. Por duas vezes o atendimento teve de ser interrompido por falta de óleo diesel. 

Um problema que atinge as unidades da Maré é a falta de médicos para atender todas as equipes da família. Por sorte, os poucos profissionais que atuam na Maré se identificaram com o lugar e com seus pacientes. Gerentes das CF e CMS dizem que é preciso uma adaptação de novos médicos, o que muitas vezes não acontece tão rápido e há uma desistência grande de profissionais que vem para o território. 

Vacina contra o coronavírus sim, mas sem direito à protesto

Ao percorrer as unidades de saúde da Maré, percebe-se um problema que vem ocorrendo no país: a desistência da segunda dose da vacina, com profissionais não sabendo precisar o não retorno para a imunização. Entre hipóteses, alguns listam a influência de notícias falsas e desinformação (como acreditar que já estão totalmente protegidos apenas com a primeira dose ou medo de uma possível reação, algo comum na primeira dose da vacina AstraZeneca), como fatores determinantes na dinâmica. Para reverter essa situação, agentes de saúde estão indo às casas de moradores para lembrar do compromisso e completar a imunização contra a covid-19.

Em diversos lugares do país, o início da campanha chegou a ter problemas como seringas vazias ou aplicação incorreta. Para resolver essas questões, o Ministério da Saúde recomendou a filmagem ou fotografia da imunização. Muitas delas mostram acabam exaltando o Sistema Único de Saúde (SUS), mas nem sempre o movimento é visto de ‘’bom tom’’. 

É o caso de uma moradora da Maré que preferiu não se identificar. A cidadã disse ter sido reprimida ao tentar se vacinar com uma camisa com a sigla sistema único. Também no território mareense, Douglas Lopes, morador do Morro do Timbau, tentou segurar nas mãos um papel onde trazia críticas ao governo federal e o dizer ‘’Bolsonaro genocida’’, mas foi impedido por agentes. “Quando fui tomar a vacina, um dos profissionais tinha uma bandeira do Brasil do lado direito do jaleco e não permitiu que eu segurasse um papel escrito. Não sei se tem resquício da gestão passada, pois já vi pessoas indo trabalhar com a camisa da religião do ex-prefeito [Marcelo Crivella]’’, conta. O morador relata que no momento houve discussão. Todos os dois episódios ocorreram na Clínica da Família Augusto Boal, que fica em frente ao Morro do Timbau.

É preciso avançar na saúde

Sobre o assunto imunização, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio, a SMS, informou que mais de 35 mil doses contra o coronavírus foram aplicadas  no território da Maré, nas unidades Vila do João, Augusto Boal, Américo Veloso e João Cândido; Diniz Batista dos Santos, Jeremias Moraes da Silva e Adib Jatene, sendo pouco mais de 26 mil as de primeiras doses (D1) e 8 mil para segunda (D2). A SMS destaca que o total da população idosa dessas favelas é de 18.294 pessoas. 

Em comunicado, a secretaria adiantou que há processo seletivo aberto para contratação de novos profissionais para as unidades. Garantiu ainda, que as manifestações individuais não são reprimidas e que vai apurar os relatos.Sobre as estruturas, a SMS acrescentou que encontrou, em janeiro de 2021, num cenário desafiador, com unidades sem abastecimento adequado de insumos e materiais necessários e problemas causados por meses de falta de manutenção estrutural. Disse que atualmente todas as unidades são abastecidas regularmente e as necessidades estruturais estão sendo atendidas de forma gradual, obedecendo os critérios de prioridade. Por fim, enfatizou que a coordenação de saúde da Área Programática (CAP 3.1) acompanha e fiscaliza o planejamento, execução e entrega das necessidades de cada unidade.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial.

Redução da escala 6×1: um impacto social urgente nas Favelas

O debate sobre a escala 6x1 ganhou força nas redes sociais nas últimas semanas, impulsionado pela apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe a eliminação desse regime de trabalho.