Sem oportunidade e acesso, juventude brasileira é marcada por incertezas e frustrações

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Desafios tornaram ainda maiores com agravamento da disseminação do coronavírus no país

Por Edu Carvalho, em 23/06/2021 às 06h. Editado por Dani Moura

‘’Será que amanhã eu vou ter comida? Será que amanhã eu vou ter aula e uma faculdade?’’, se pergunta todos os dias Ruan Domingos Costa, de 25 anos, estudante do 4º período de Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua fala sintetiza boa parte das sensações e frustrações de uma faixa etária marcada pela interrupção de sonhos em construção, em agravamento por conta da pandemia do novo coronavírus. 

De casa, vê a vida passar, esperando por dias melhores para si, mas ele não está só. Um levantamento recente publicado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra uma piora nos índices de expectativas da juventude brasileira sobre o presente e o futuro. O panorama “Jovens: Projeções Populacionais, Percepções e Políticas Públicas” está dentro do Atlas da Juventude, produzido pelo Centro de Políticas Públicas da FGV Social, no Rio de Janeiro, alerta para uma mudança significativa sobre os anseios relacionados a sentimentos e oportunidades da juventude brasileira.

Ruan Costa. Foto: arquivo pessoal

Da publicação, um dos pontos que mais chamaram a atenção foi sobre renda. Em 2020, 28% dos jovens brasileiros tiveram problemas financeiros para arcar com os gastos de alimentação. Entre 2011 e 2014, essa taxa era de 16,8%, e de 25,5% entre 2015 e 2018.

Ruan sente-se temeroso quanto a isso. O morador de Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, já trabalhou em um supermercado por três anos, mas hoje está desempregado e sente ainda mais os reflexos da falta de emprego por conta da família. Para desabafar e seguir em frente, conta com o apoio dos amigos, por meio de vídeo-chamadas e mensagens. ‘’Sou uma pessoa que gosta de estar presente com outras, não sei lidar com mensagens, gosto de ver pessoalmente, tocar, o que ficou impossível com a pandemia’’, enfatiza.  Ele diz que vem procurando apoio psicológico para lidar com o desânimo, mas até agora não encontrou um que ‘’caiba no orçamento’’.

Diferente de Nívia Radigia Rodrigues Chavier, de 18 anos, moradora do Parque Rubens Vaz, na Maré, zona norte fluminense, que conseguiu atendimento através da Redes da Maré, onde atua como jovem aprendiz.  A jovem está no último ano do Ensino Médio da Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica) em Mecânica, mas deveria ter concluído os estudos ano passado. Por quase todas as aulas terem que seguir no modo presencial, boa parte das atividades foram suspensas. ‘’Eu sinto medo de não realizar as minhas coisas, tudo o que desejo. Eu prestei o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) ano passado, tirei média de 600 para Engenharia, estava no limite. Fiquei desmotivada’’. Com isso, Nivia chegou à sétima colocação de seis vagas na Universidade Federal Fluminense, e aguarda ansiosa uma terceira chamada caso haja desistência. ‘’Parece que fui barrada na porta da festa, me arrumei toda, mas não entrei’’. 

Nivia Chavier: Foto: Matheus Affonso

No relatório da FGV, a preocupação dos jovens chegou a 44,0% em 2015-2018, contra 35,5% no mundo. Em 2019, mesmo antes da pandemia, a proporção de jovens preocupados sobe para 50% e depois para 59% em 2020, chegando a novos recordes, cenário de colapso da preocupação juvenil, segundo a entidade. Nívea diz que pretende pleitear a cadeira novamente, mas ainda se vê receosa em relação a isso. Para os próximos anos, mostra-se mais animada. ‘’Eu espero prosperidade, né? Que minha família toda esteja bem, que eu tenha alcançado minhas metas e que o contexto atual do país tenha melhorado’’. 

As inseguranças em relação ao Brasil é o ponto que mexe com Jhonata Ribeiro, de 23 anos, morador da Baixa do Sapateiro, também na Maré. ‘’Minha insatisfação é com as ações do presidente, que são de total descaso. É um lider que nos dá medo, que não busca vacina e só visa benefícios para sua própria família’’, aponta. Jhonata trabalha como distribuidor do jornal Maré de Notícias, e concilia jornada em um bar. O agravamento da pandemia, segundo ele, ‘’tirou o direito de viver’’, que no futuro, espera uma situação melhor para seus familiares. 

Jhonata Ribeiro. Foto: arquivo pessoal

Em relação a aprovação dos jovens à maneira como o (a) líder de seu país governa, no período de 2011-2014, a avaliação no Brasil era de 60,6%, contra 57,5% no mundo. Em 2015-2018, caiu para 12,1% no Brasil, contra 57,4% no mundo. O relatório aponta também que, se pudessem, quase a metade (47%) dos jovens brasileiros deixaria o país.

Mas do que importa tudo isso quando não se consegue assegurar o direito básico à vida? ‘’Tenho medo de sair na rua e levar um tiro, de ser julgada, humilhada e discriminada pelo tom da minha pele, dos meus irmãos entrarem para o crime por não ver outras saídas. Tenho medo de não ter um futuro melhor e dar um bom exemplo para eles’’, diz Beatriz Cristina , de 21 anos, moradora da Pedreira/Costa Barros, zona norte do Rio. 

Para Beatriz, casos como o de Kathlen Romeu, jovem grávida de 24 anos, morta depois de ter sido atingida durante uma ação da Polícia Militar na comunidade do Lins de Vasconcelos, na Zona Norte do Rio, a fazem temer ainda mais sua sobrevivência. ‘’Eu, minha família, meus amigos, estamos sujeitos a isso, a essa ‘fatalidade’. É algo que incomoda bem lá dentro’’, sintetiza. 

Beatriz Cristina. Foto: arquivo pessoal

Ela vende doces para complementar a renda de casa, já impactada pela diminuição do salário do padrasto por conta da crise, além de auxiliar na criação do irmão mais novo, o que a fez interromper os estudos. ‘’Se arrumar trabalho antes da pandemia já era complicado, imagina agora?’’, questiona. Um de seus maiores desejos é entrar na faculdade, o que já vem se preparando há algum tempo. Não tão distante, fará a prova do ENEM, apesar de sentir-se aquém da qualificação para a realização do vestibular, justamente por não ter condições suficientes de tempo para dedicar-se. ‘’A esperança é a última que morre, né?’’, deixa no ar.  

Impacto é maior para juventude periférica 

Apesar de serem pólos de produção e criatividade, os jovens mais impactados estão nas zonas periféricas – no caso do Rio, nas zonas norte e oeste. ”São territórios que não têm expressão significativa de políticas públicas que gerem oportunidades”, diz Veruska Delfino, coordenadora da Agência de Redes Para Juventude, entidade que visa potencializar ideias de jovens em projetos de intervenção nos territórios. Ela salienta que a questão de desemprego, formação e evasão escolar, por exemplo, já estavam presentes nesses locais e a pandemia só piorou o quadro.

Em junho de 2020, a Agência fez um levantamento dedicado ao assunto, debruçando-se sobre a região com os menores índices de desenvolvimento. Nele, pode-se aferir que para 91% dos entrevistados (todos os gêneros), a crise sanitária influenciou na realização de projetos de estudo e trabalho. ”É bem assustador pois não atrapalhou só a eles, e sim suas famílias, muitas perderam emprego. Estruturas de casas cheias, pouca comida ou nada, jovens tendo de cuidar dos mais velhos e de crianças. Um sentimento de não saber o que fazer, como seria o futuro mais próximo”, conta.

Para ela, é preciso que haja forte investimento na formação, considerando bolsas e cuidados com a saúde mental, além de fomento ao empreendedorismo juvenil, incluindo ações do governo e terceiro setor. ”Se não agirmos dessa maneira, podemos ter impactos que atravessam gerações. Precisamos seguir estimulando processos que coloquem a juventude na centralidade do desenvolvimento de seus territórios e de cidades”.

Os entrevistados Ruan e Beatriz fazem parte da Agência, dentro do projeto Ciclo 2021,  com moradores das zonas norte, oeste e do Centro. O objetivo é capacitá-los através da metodologia da Agência, norteada pela Prática da Potência e com isso promoverem ações artísticas e culturais que impactem seus entornos.

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