Uma universidade à deriva

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Universidade Federal do Rio de Janeiro, próxima à Maré, pode suspender atividades em outubro

Maré de Notícias #126 – julho de 2021

Por Edu Carvalho

Não é a primeira vez nem será a última que você lerá sobre cortes de verbas das universidades públicas do país. Mas agora o estrago pode ser maior. Os recursos disponíveis em 2021 encolheram 37% nos últimos 11 anos, já corrigidos pela inflação. Houve um corte de 18,16% no orçamento de todas as 69 universidades federais, o que poderá afetar o andamento de mais de 70 mil pesquisas e o funcionamento das unidades de ensino, pesquisa e atendimento ao público.

 Por conta dos orçamentos reduzidos de áreas essenciais como saúde e educação, reitores de 30 das 69 universidades públicas alertaram que não conseguiriam chegar ao fim do ano com verba suficiente para suprir os chamados gastos discricionários, que são as despesas correntes como água, luz, segurança, limpeza e manutenção de espaços e equipamentos, além da compra de insumos para pesquisas e o pagamento das  bolsas para alunos de mestrado e doutorado.


Vizinha da Maré

Uma das instituições de ensino que pode suspender suas atividades é a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com a maior parte de suas unidades instaladas na cidade universitária na Ilha do Fundão, vizinha à Maré, ela foi considerada mais uma vez a melhor instituição de ensino superior do país, segundo o ranking global QS World University Rankings 2022. A UFRJ não se resume às suas faculdades: estão sob sua direção o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/HUCFF (onde muitos mareenses são atendidos e tratados inclusive de covid-19) e outras nove unidades de saúde, além de um parque tecnológico, bibliotecas, laboratórios e museus – incluindo o Museu Nacional, a instituição científica mais antiga do Brasil, hoje em processo de reconstrução depois do incêndio que o destruiu em 2018.

‘’A situação é muito grave. Eles desbloquearam uma parte do orçamento, o que garantirá nosso funcionamento até setembro. Hoje nós temos verba para pagar luz, água, contrato de terceirizados e seguranças, o que é fundamental para a continuidade do funcionamento da universidade. Quando a gente pensa que o Ministério da Ciência e Tecnologia não está com orçamento para os laboratórios de pesquisa, a situação é ainda mais grave’’ diz a reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho em entrevista exclusiva ao Maré de Notícias.

Denise Pires de Carvalho reitora da UFRJ

Denise enfatiza que, mesmo com as atividades remotas na graduação e pós-graduação, a universidade só conseguiu economizar em suas contas 20% com a pandemia. O restante foi gasto com os laboratórios de pesquisa, que não puderam parar. ‘’A UFRJ tem uma vacina prestes a entrar em testes clínicos, sem que tenhamos tido verba para isso. Olha como a universidade se reinventou. Ninguém estudava esse coronavírus, e hoje somos uma das instituições que mais registra avanços em pesquisas sobre o vírus no mundo. Isso tudo a gente faz, mas precisamos de recursos. Esses laboratórios gastam água, luz, precisam de investimento’’. 

A universidade montou uma estrutura para dar assistência aos alunos, permitindo a continuidade dos estudos e evitando a evasão. Um plano com auxílio emergencial foi traçado em 2020 para estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, incluindo disponibilizar 12 mil chips com internet e verbas para dispositivos como celulares. ‘’Esses alunos se dedicaram muito para conseguir uma vaga na UFRJ, e nós queremos que eles terminem o curso. O ensino superior causa mobilidade social, diminui a desigualdade’’, avalia a reitora. 

Para dar conta de funcionar com muito menos verba que o necessário, a Reitoria teve de remanejar os gastos para não causar o corte de bolsas, seja retirando o dinheiro dos contratos para limpeza ou diminuindo a frequência da manutenção dos jardins e canteiros. ”A grama está sendo cortada com menos frequência e o mato está subindo um pouco mais – tudo isso para que a gente possa garantir a continuidade dos alunos. Nossa equipe quer manter a assistência estudantil, pelo menos no patamar de 2020. Mais uma vez, são estudantes que estão de parabéns e a gente quer contribuir para que eles terminem seus estudos’, diz Denise.

Segundo ela, um alívio nas contas se dá através do repasse, para o HUCFF, de recursos via Ministério da Saúde, que desde o início da pandemia sustenta a contratação de pessoal. Denise revela que a verba resolve a questão da falta de pessoal (um dos grandes gargalos da universidade; o segundo está relacionado à compra de insumos).

Hoje, o HUCFF aumentou sua capacidade para quase 340 leitos por conta da pandemia, e a intenção é chegar a 400 leitos – a ampliação, porém, não está garantida. “Se o Ministério da Saúde deixar de pagar o pessoal (especificamente aqueles contratados por conta da covid-19), depois da pandemia teremos que fechar leitos pois não teremos verba para manter esse pessoal. Somos uma autarquia federal, não podemos ter contratos através de mais de um ministério. Para manter os leitos e esse pessoal, vamos precisar encontrar outra solução.”

UFRJ Cidadã

Em relação à despoluição da Baía de Guanabara, que de certa forma impacta a Maré, Denise se mostra otimista. Em 2020, deveria ter acontecido o lançamento do programa UFRJ Cidadã, com o envolvimento de toda a comunidade do entorno na limpeza da areia e programas educativos para evitar o descarte de plásticos e materiais não recicláveis no mar. ‘’Tudo isso estava previsto em uma ação do Fórum Ambiental da universidade, da Prefeitura Universitária e da Reitoria. Nós só conseguimos, de forma tímida, lançar junto à Associação de Pescadores o programa de limpeza do mar’’, diz ela. 

Há iniciativas aguardando o controle da pandemia para serem implementadas. ‘’Meu sonho é que, até o término do mandato, a UFRJ possa ser um grande centro de conscientização sobre a importância do meio ambiente e de como nós, seres humanos, podemos impactá-lo o mínimo possível. Estou confiante de que essa pandemia vai passar. Sem dúvida, precisamos de todos da região, sobretudo os jovens, para conscientizarmos os seus filhos e as futuras gerações sobre a importância de reduzir lixo, reciclar e educar’’. 

O Hospital Clementino Fraga Filho, gerido pela universidade, é referência para o atendimento dos mareenses – Foto: Ana Marina Coutinho

Maré de Notícias e UFRJ juntas em podcast

A pandemia impactou de forma diferente as favelas e periferias no Brasil, e como jornal comunitário e periférico que é, o Maré de Notícias teve grande responsabilidade na divulgação de notícias que pudessem mitigar as enormes consequências sentidas em territórios periféricos. 

Durante os primeiros seis meses de 2020, publicamos a Ronda Coronavírus no site, um espaço dedicado aos dados da covid-19 na Maré, na cidade e os seus impactos. Em novembro, ela se tornou semanal e virou a Ronda Maré de Notícias, ampliada com assuntos culturais, econômicos, políticos e sociais. E agora, esse conteúdo pode ser ouvido, através de uma parceria com o Conexão UFRJ, que produz podcasts.  ‘’A ideia surgiu da necessidade de dialogar com a comunicação que é produzida fora da universidade. A UFRJ tem centenas de projetos de extensão na Maré e estamos próximos fisicamente, então começamos a buscar veículos estruturados e que fazem jornalismo que quisessem partilhar conosco sua rotina produtiva’’, conta Vanessa Almeida, diretora de conteúdo da Coordenadoria de Comunicação da universidade.

Para Vanessa, é importante que o conhecimento produzido dentro da Academia chegue até a favela, possibilitando diálogos com quem faz parte de coletivos comunitários de comunicação. A universidade coloca-se como ator para construir novas pontes com outras entidades e instituições presentes na região e em todo o Rio. ‘’Pode ser que nós, que temos acesso direto a várias fontes, tenhamos também algo a contribuir com o Maré de Notícias. O objetivo é que seja sempre uma via dupla de construção de conhecimento’’. Todos os episódios estão no site do Maré Online e também no Spotify.

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