“Cada mergulho é um flash” completa duas décadas

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Piscinão de Ramos ganha o mundo depois de  virar cenário de clipe

Maré de Notícias #126 – julho de 2021

Por Hélio Euclides

Domingo de sol, adivinha pra onde nós vamos. Aluguei um caminhão, vou levar a família na Praia de Ramos. Essa letra de Ivany Miranda, Oswaldo Melo e Afranio Melo, na voz de Dicró, fez com que muita gente conhecesse a Praia de Ramos. Com a poluição da Baía de Guanabara, a região ganhou um lago artificial (para felicidade do mareense) que lotava todo fim de semana. Em dezembro de 2001, o espaço de lazer na Maré foi batizado como Parque Ambiental Carlos Roberto de Oliveira Dicró. A arena que também levava o nome do cantor foi palco de inúmeros shows e artistas, mas infelizmente não existe mais. Entretanto, a Praia de Ramos volta a ficar sob os holofotes com a gravação do clipe da música Girl From Rio, da cantora Anitta – saiu da Maré para ganhar o mundo.

O Piscinão de Ramos é cartão postal do subúrbio do Rio de Janeiro e chegou a receber 40 mil pessoas nos fins de semana do verão antes da pandemia de covid-19 – Foto: Matheus Affonso

 Como ponto de encontro da população mareense, a praia foi muito frequentada até a década de 1970, mas por causa do despejo frequente de esgoto na baía, foi declarada imprópria para banho nos anos 1980, e assim permanece até hoje. Em abril de 2000, recebeu 80 mil pessoas num abraço que pedia a despoluição da Baía de Guanabara, algo que jamais aconteceu. De forma paliativa, foi construído o Piscinão de Ramos, em 2001, como palanque eleitoral do então governador do estado, Anthony Garotinho. Em agosto de 2007, a área de lazer passou a ser gerida pela Prefeitura do Rio. Com o passar dos anos e a falta de manutenção, a antiga lona cultural, chamada de Circo Voador, sofreu rasgos na cobertura e deterioração da estrutura e terminou sendo derrubada por falta de segurança. 

Além da imensa piscina, a área tem ainda quadras de esportes e campos de grama sintética. O lago de água salgada mede mais de 26 mil metros quadrados e é revestido por camadas de polietileno, sendo abastecido com 30 milhões de litros de água. 

Esses grandes números chamam a atenção de turistas, cuja presença cresceu após a veiculação do clipe da Anitta. Elviro Bueno veio do Mato Grosso para conhecer a cidade e “desembarcou” no piscinão. “É a primeira vez que venho aqui, achei muito bom. A imagem me remete a uma represa, só que de água salgada. Como uma bacia do mar. Quero voltar outras vezes”, espera.

A cantora Anitta em seu clipe Girl From Rio cujo cenário foi o Piscinão de Ramos – Divulgação

Mesmo após shows, reportagens e até novelas gravadas na Praia de Ramos, o clipe da Anitta é marco importante. “Passei muitos anos tentando entrar no Piscinão. Como a gente sabe, no Rio não é tão fácil. Demorou algum tempo para eu amadurecer essa ideia e entrar lá. E [lá] tem o humor, principalmente do subúrbio do Rio, de onde vêm as escolas de samba e onde tem figuras míticas que exemplificam bem o lugar”, disse a cantora ao jornal Folha de São Paulo

O lugar é point no verão e no inverno. “Tenho a mesma idade do Piscinão, venho desde novinha, quando ainda dava para se afogar. Ficávamos perto dos guarda-vidas do Corpo dos Bombeiros. O diferencial daqui é que as águas não têm onda, são tranquilas e posso trazer a minha filhinha. Outra coisa boa é não ter assalto. Uma pena que não estava aqui no dia da visita da Anitta”, conta Júlia Gomes, moradora da Penha. Ela só reclama que não há um preço padrão para as bebidas nas barraquinhas.

Para Alexandra de Oliveira, também da Penha, a qualidade do Piscinão precisa ser preservada. “Venho desde a inauguração. Adoro o local por ser família. Aqui não tem arrastão. O ruim é só para fazer xixi, pois é preciso procurar os quiosques. Só desejo que tenha chuveirão e banheiro, como no início”, diz. O Piscinão é o mar no quintal de moradores, segundo José Carlos, dono do quiosque Mr. Batata. “Esse espaço é maravilhoso, não troco trabalhar aqui por outra praia. Só é preciso que frequentadores cuidem e que a Comlurb coloque mais caçambas. Outro ponto é a iluminação, que a noite é precária”.

A história

Para os antigos moradores, tudo começou na década de 1930, com a Praia de Maria Angu. O local possuía um porto, por onde eram escoados os produtos agrícolas vindos das freguesias de Irajá, Inhaúma e até de Campo Grande para o restante da cidade. “Quando tinha sete anos vim morar aqui, próximo ao cais. Lembro que via os peixes nadando e também mariscos, além dos caranguejos que eu pegava. Tinha água limpa que vinha até onde hoje é o posto policial. Era o ponto turístico dos moradores da Baixada Fluminense”, lembra Ataliba da Conceição, de 75 anos. Depois de aterros na década de 1960, o que restou da praia foi rebatizada de Ramos.

Bhega Silva foi uma das lideranças comunitárias que estava no abraço na Praia de Ramos, em 2000. Ele reclama que a piscina não substitui a praia. “Ninguém fala mais da Praia de Ramos, mas o coração do Piscinão é a água que vem dela. A praia se encontra esquecida, abandonada e poluída. Dizem que custa um dinheirão para despoluir, mas não se fala dos gastos no tratamento com muitos litros de cloro que são jogados diariamente para manter a água cristalina”. Sobre o Piscinão, o cantor diz que é necessária uma campanha para que as pessoas não façam suas necessidades nas águas, descartem o lixo no lugar certo e não levem cachorros para a areia. 

O professor Alexandre Pessoa, pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/ Fiocruz), também enfatiza a importância da Praia de Ramos pelas suas atividades econômicas e a pesca. Ele defende a recuperação do espaço por meio de políticas públicas. “Isso significa o cuidado com a Baía de Guanabara, com a regularização do tronco coletor para levar o esgoto da Maré para a Estação de Tratamento de Esgoto de Alegria, no Caju. É imprescindível cuidar do patrimônio que as baias são; elas estão doentes, mas vivas. Temos que cobrar a execução do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara”. 

Hoje, ao circular pela orla do espaço, é possível ver os banheiros públicos trancados por falta de manutenção. “Acredito que a população mereça o funcionamento adequado, com segurança, de banheiros, lavatórios e chuveiros que atendam a demanda. Isso evita que se façam necessidades nas águas. Outro ponto é informações sobre o monitoramento, como a qualidade da areia, em especial o pequeno espaço que separa a praia da piscina, e principalmente a da água, na entrada e saída”, completa o pesquisador, que sugere parcerias com as universidades. 

Como se encontra o Piscinão?

A Fundação Rio-Águas informou que o tratamento da água do Piscinão de Ramos é diário e realizado pela Estação de Tratamento de Água de Ramos. A qualidade é constantemente monitorada. A água está própria para o banho, conforme os critérios técnicos da Resolução CONAMA 274/2000 (que estabelece sistemáticas de avaliação da qualidade ambiental das águas).

A Secretaria Municipal de Esportes e Lazer declarou que, no momento, na Vila Olímpica da Praia de Ramos são oferecidas as seguintes atividades: hidroginástica, alongamento, ginástica localizada, futebol, handebol, vôlei, futsal e futebol baby.

A Comlurb garantiu que é realizada diariamente a limpeza no Piscinão de Ramos e arredores, com equipe de 28 garis na coleta de lixo domiciliar, remoção de lixo público, limpeza da faixa de areia, varrição e, mensalmente, a roçada mecanizada da vegetação. Segundo a empresa, o efetivo está reduzido em função da pandemia, mas foram disponibilizados 35 contêineres de 240 litros junto à areia para atender aos frequentadores. A Comlurb alega manter uma gerência de dedicação exclusiva ao local e já ter realizado ações de conscientização no período do verão, que deverão se repetir futuramente.Procurada, a Secretaria Municipal de Cultura não se manifestou até o fechamento da edição.

O lago de água salgada mede cerca de 26 mil metros quadrados e é abastecido com 30 milhões de litros de água – Foto: Matheus Affonso

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