Análise da Rede de Observatórios da Segurança monitorou 31.535 eventos registrados na Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio e São Paulo, com média de um evento de violência a cada 33 minutos.
Por Edu Carvalho, em 2/07/2021 às 07h
Editado por Tamyres Matos
Sexta-feira, 16 de julho, 15h30 da tarde. Uma operação na favela do Parque União, que pertence ao conjunto de favelas da Maré, interrompeu as atividades locais e levou pânico para quem estava dentro do território (ou tentava chegar a ele). Mal sabiam os moradores que a situação que despontava se arrastaria por mais de 26 horas seguidas, terminando só na noite do dia seguinte.
Os impactos não foram poucos. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, a Clínica da Família (CF) Jeremias Moraes da Silva teve de acionar o protocolo de acesso mais seguro, interrompendo o funcionamento daquele dia. Já a Clínica Diniz Baptista precisou suspender as atividades externas realizadas pela unidade. Até o fechamento, as unidades haviam vacinado, naquele dia, 153 e 111 pessoas, respectivamente. Ao todo, considerando todas as unidades de saúde do Complexo da Maré, 958 pessoas foram vacinadas na última sexta. A ONG Redes da Maré, que faz a distribuição de cestas básicas e kits de alimentos, teve de parar por causa das ações.
De acordo com a Polícia Militar, agentes de segurança atuaram na área para a retirada de criminosos que estariam utilizando instalações de uma escola como base para suas investidas e preparavam a realização de evento promovido pelo tráfico. A incursão contou com equipes do Batalhão de Policiamento em Vias Expressas (BPVE) e de outros batalhões da região: 16º BPM (Olaria); 17º BPM (Ilha do Governador) e 22º BPM (Maré).
O episódio chama atenção pela grande quantidade de integrantes envolvidos e sua duração, mas não é um caso isolado neste período. Só em 2021, o Estado registrou oito operações por dia, mesmo com a vigência da proibição do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em junho do ano passado, restringiu operações policiais em favelas e periferias do Rio de Janeiro durante a pandemia do novo coronavírus.
Esse e outros números são destacados no mais recente relatório ‘’A vida resiste: além dos números da violência’’, lançado nesta quinta-feira (22), pela Rede de Observatórios da Segurança. O movimento é uma espécie de lupa sobre operações policiais, com objetivo de responder aos problemas de falta de transparência e abertura de dados sobre criminalidade e violência no Brasil.
Apesar dos números nada animadores em relação ao cenário do Rio, o avanço da segurança pública pautado pelo esforço coletivo de entidades e instituições ligadas ao tema não pode ser banalizado. ”Por mais que não se tenha cumprido integralmente a decisão, não se pode perder de vista que isso também é uma conquista dos movimentos. É uma vitória pequena, mas, a longo prazo, é um sinal de que as coisas existem’’, aponta Jonas Pacheco, cientista social e pesquisador do CESeC, que integra a equipe do panorama.
Para ele, o ponto central é a maneira como a posição política vigente pensa a questão da segurança pública não só no Rio, mas no Brasil. Jonas cita a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e da chapa Wilson Witzel/Claúdio Castro (PSC) para o governo do Rio como exemplo de um ideal de enfrentamento a ser implementado para resolver as questões.
‘’O descumprimento é um compromisso político de tomar a segurança pública como aparato estritamente policial, que não considera outras variantes como educação, cultura, vulnerabilizando a população de favelas cada vez mais, resultando no aumento crescente de mortes por intervenção de agentes da Polícia”, enfatiza.
No período analisado (dois anos), o Rio registrou 18.037 ações policiais. Foram 5.617 ações da polícia, com 856 mortes e 727 feridos.
Com levantamento diversificado sobre as cinco regiões do país, o relatório também indica crescimento de mais de 100% em registros de ações policiais em Pernambuco do primeiro para o segundo ano, mas é a Bahia o estado com maior número de mortes nas operações: contabilizando 461. O estado também é líder no ranking de chacinas no Nordeste, com
74 casos ao todo. Mas é o Rio que, no panorama geral, ocupa tal liderança, com 92 chacinas, sendo palco da operação policial mais letal da história, com 29 mortos – sendo um agente-, no Jacarezinho, em maio deste ano.
Ainda no Rio de Janeiro, 388 agentes foram vitimados e 130 mortos, ponto que chama atenção, pois mais da metade dos policiais foram vitimados fora de serviço. No limbo está, por exemplo, a falta de informação racial dos policiais mortos em todos os estados supervisionados, onde 86% deles não têm a cor informada.
Além de contar com analistas e especialistas da área, a Rede de Observatório da Segurança conta com a parceria de coletivos que se movimentam nos territórios. O monitoramento é feito a partir do que circula nos meios de comunicação e nas redes sociais sobre violência e segurança e equivale ao período de junho de 2019 até maio de 2021.