Escolinhas e coletivos de futebol resistem para que crianças e jovens virem atletas
Hélio Euclides, em 06/08/2021 às 07h. Editado por Edu Carvalho
Veja só: a probabilidade de uma criança se tornar profissional do esporte mais popular do mundo no Brasil é de apenas 1,5%. É o que aponta o artigo “Jogadores de Futebol no Brasil”, escrito em 2011 pelos professores Antonio Jorge Gonçalves Soares e Leonardo Bernardes Silva De Melo. Mas o empenho e dedicação de treinadores e coletivos de futebol nos territórios periféricos espalhados pelo país empenham-se para que as oportunidades – que costumam mudar o jogo das estatísticas – possam ser aproveitadas e os números mudem.
Na Maré, um dos quatro clubes do território é o Real Maré, fundado há 21 anos com o objetivo de representar outras possibilidades aos jovens. “Queremos ver o menino que passou por nós, mesmo que não seja jogador profissional, se constituindo como cidadão honesto. Tenho orgulho de cada um. Meu sentimento é de dever cumprido quando o menino se torna um homem de caráter”, diz Sidnei Alves, presidente do clube.
Desde a sua criação, o Real Maré faz das tripas coração para superar os obstáculos financeiros e prosseguir no crescimento. Apesar das diversidades, Alves reforça a importância da dedicação dos jovens. Ele adverte ainda sobre os cuidados necessários, pois, no mundo do futebol, há muitos empresários que enganam jogadores.
O Real Maré recentemente passou por isso, com atletas que foram jogar em um clube do interior de São Paulo e tiveram promessas descumpridas. Agora Sidnei está mais atento, para que atletas como Lucas Junqueiras e Ismael Nilton, que foram em junho atuar em Portugal, não tenham a mesma dor de cabeça com o clube Casa Pia Atlético.
A desigualdade dentro dos campos e nos bolsos
A trajetória de um atleta no futebol é cheia de percalços, incluindo o cenário dele nem sequer defender a camisa oficial de um time. No futebol brasileiro atual, fazem parte da série A 20 clubes, com média de 26 jogadores em cada time, contabilizando 520 atletas só no primeiro escalão.
A injustiça pode ir além, afetando a área onde mais se espera retorno: a financeira. No ano de 2016, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) estimou que mais de 80% dos jogadores no Brasil ganham menos de R$ 1 mil de salário. Perto do topo da pirâmide se encontram apenas 1,77% dos atletas, que recebem entre R$ 10 mil e R$ 50 mil. Mas que estes são dados referentes ao sexo masculino. Quando se pensa no futebol feminino, a conta ainda piora: só em 2019 os clubes de primeira divisão do Brasileirão foram obrigados a terem uma equipe feminina.
A carreira em funil
Passar por tudo isso e chegar onde se quer pode demorar muito, acredita quem faz parte dessa dinâmica. É como se a todo tempo passassem por um funil da profissão, onde poucos conseguem chegar no final esperado: um clube de primeira divisão, como o caso de João Gomes, volante do Flamengo. O jogador despontou em uma escolinha da Praia de Ramos.
A experiência estava na família, já que o tio de João é o ex-jogador Nivaldo João, o Godoy, hoje coordenador com mais dois amigos do Projeto Craque do Futuro. O menino da Gávea começou na escolinha com seis anos. “Ele aprendeu alguma coisa com o tio. Contudo, o mérito é todo dele, pois é um atleta muito responsável, aplicado e profissional demais. Acredito que vai longe na carreira”, exalta.
Godoy acredita que todas as escolinhas são importantes, principalmente dentro das favelas. O motivo é ocupar as crianças fora dos horários das atividades escolares, além de fazer um trabalho social. “Despontam muitos jogadores de favela. Temos o DG (Douglas Luiz), que jogou no Vasco e agora está na Europa. O grande amigo Léo (Oliveira) que jogou no Flamengo. O Dudu (Eduardo Francisco), que jogou no Cruzeiro. Todos os três crias da Nova Holanda. A escolinha é a realização de sonhos de vários jogadores”, avalia. Ele defende que os governantes precisam olhar com carinho para as escolinhas de futebol.
Falta de investimento impede que trabalho avance
Todos os entrevistados ressaltam a importância do trabalho e a falta de investimentos. Edson da Silva, presidente e fundador da Associação Esportiva Beneficente Amigos da Maré (AEBAM) defende que haja o apoio de instituições do território. Ele diz que a escolinha só é possível porque trabalha à noite para sustentar o projeto de dia. Para o funcionamento de sua sede, reclama que faltam reformas estruturais, além de mesas e cadeiras, mas que não obteve doações. “É preciso avaliar os benefícios que o esporte faz na vida das crianças. Trabalhamos além do futebol, com incentivo à educação”, resume.
O árbitro Alexandre Pichetti também é professor de uma escolinha de futebol. Ele acredita que projeto social ajuda a criança a caminhar para o bem, mas tudo seria mais fácil se encontrasse apoio. “Quando será que os governantes irão abençoar os projetos sociais dentro das comunidades? Trabalho no projeto Uerê e do meu salário retiro um pouco para a continuidade da escolinha. Faço isso, pois tenho amor por esse trabalho”, lembra. Ele detalha que o grupo tem dificuldades de uniformes, calçados e alimentos.
Flávio Alves é professor de educação física e treinador nas horas vagas. Ele explica que o foco do projeto é preparar as crianças para testes em alguns clubes. Além disso, é explicado que a vida de um jogador de futebol não é só de vitórias, existem muitas dificuldades. “O futebol são quatro pilares: físico, tático, psicológico e técnico. É preciso ter esses pontos para ser um jogador de futebol. Eles não podem achar que jogam muito e que não precisam aprender mais nada”, afirma.
Alves conta que se inspira num trabalho realizado na Fiocruz. O projeto reunia um protagonismo social, com jogos, vídeos e palestras. O aluno tinha orientação profissional, que deu certo. Dele já se formaram médicos, engenheiros e atletas. “Conseguimos fazer uma mudança significativa. Queria trazer isso para a Maré, mas falta apoio. Hoje não há patrocínio e vivemos sem recursos”, conta Alves.
Promessa de futuro apoio
A Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SMEL) informou que um dos projetos que será retomado em um futuro bem próximo é o Rio em Forma, que era um projeto social que saía de dentro das vilas para atender a população. A SMEL prever encerrar 2022 com 300 núcleos do Rio em Forma, atendendo até 18 mil alunos, proporcionando mais atividades para a população.
Agenda das escolinhas
Projeto Craque do Futuro
Atende 60 atletas nas categorias sub 9 / sub 13 e sub 15.
Nos sábados das 15h às 17h.
No campo localizado no Piscinão de Ramos.
Escolinha do Mário
Atende 250 crianças, de cinco a 12 anos.
Às terças e quintas, das 17h às 19h, e nos sábados às 11h30.
No campo da ciclovia do Conjunto Pinheiros.
Clube Real Maré
No total são 120 atletas federados, nas categorias sub 11, sub 13, sub 15 e sub 17.
Os treinos são diários na Vila Olímpica da Maré e Praça do Dezoito.
União do Salsa
Mais de 100 crianças com idade abaixo de 12 anos.
Os treinos são as segundas, quartas, quintas e sextas, das 17h às 20h, divididos por faixa etária.
O projeto utiliza os campos do Conjunto Esperança.
AEBAM
São 95 alunos divididos nas categorias fraldinha, pré-mirim, mirim, infantil e juvenil.
Os treinos acontecem nas segundas, quartas e sextas, a partir das 15h.
Local no Campo do Rubens Vaz.
Escolinha do Jandrei
A partir de seis anos até 13 anos.
Treino no Campo do São Cristovão, próximo ao Parque União.
Escolinha do Miro
Crianças dos oito anos até 13 anos.
Na quadra localizada no Parque União.
Escolinha do Serginho
Atende crianças na faixa etária até 13 anos.
Local na quadra da Praça da Nova Holanda.
Escolinha do Brido
A partir dos oito anos até 15 anos.
Treinos na Quadra do Rubens Vaz.
Escolinha do Pichetti
São 102 alunos, de cinco anos até 15 anos.
De segunda a sexta, de 15h as 19h.
Treino na quadra localizada no Parque Ecológico.
Team Flávio Alves de Futebol
São 50 alunos, de três anos até 17 anos.
De segunda a quinta, de 14h às 16h.
Na quadra da Escola, ocorre o futsal.
A outra turma reúne alunos acima de 13 anos
Às terças e quintas, das 14h às 16h.
Realização na Quadra da Paty, na modalidade fut7 (society).